Mal vemos onde pomos os pés quando Sérgio passa a contar que tentou apanhar uma das 35 ovelhas no bosque. “Mas ela corre mais rápido do que eu!”, lamenta. É ele quem cuida do rebanho, e o rebanho, por sua vez, cuida dos 11 hectares de pinheiros, sobreiros e ciprestes que, na visão dos proprietários, é o principal elemento diferenciador da Quinta dos Machados.
“Há muitas quintas com vinhas”, relvados ou jardins, mas natureza densa como esta nem tanto, acredita Miguel Almeida. Sim, estamos no campo. Já estávamos, mal embocámos no caminho para Gradil — às portas de Mafra —, longe de roseirais e de espargueiras. No Oeste, o campo despenteia-se em couves, cebolas e batatas, rente à erva orvalhada pelo Atlântico.
Ainda assim, é caso para dizer: nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Neste espectro saloio cabem roupões brancos e jacuzzi, a cozinha estende a mão ao micro-ondas e o café é Nespresso. Nos dias que correm, “what else”?
Mas continua a ser um lugar caseiro. Não é mentira que depois do jantar, pelas dez da noite, encontrámos um casal enroscado no sofá a ver o Benfica. Nem é menos verdade que avistámos duas pernas delgadas a cirandar de pantufas. E porque lá fora o céu andou a diluviar ao vento, os “chazinhos” prolongados assentaram nas mãos que nem luvas.
Miguel Almeida e Carmo Tenreiro quiseram que quem os visitasse provasse compotas, biscoitos e bolos feitos na quinta, que cheirasse o pequeno jardim (quase ao estilo japonês) de alfazema, que aquecesse as mãos na fogueira. A ajudar à sensação está o vintage feito hoje e o verdadeiro, e algumas peças maciças vindas da arte de moer farinha. “Esta mesa, por exemplo, era uma esteira para malhar cereais”, indica Carmo, responsável pela decoração e pela organização de eventos (sim, além de hospedar citadinos desejosos de campo, este lugar também acolhe desde reuniões corporativas a casamentos, mas os dois planos nunca se misturam, ficando a tranquilidade intacta, garantem os proprietários). E tudo se firma na articulação com as comunidades locais. “Sempre que é possível compramos coisas usadas, em feiras da região ou em associações, e damos-lhe outra vida e dignidade. É uma quinta que quer fazer o máximo com o mínimo, porque isso preocupa-nos”, explica a decoradora.
Amor e guerra
A primeira reciclagem é a da propriedade em si, que foi construída pela família Camarate no século XVII e comprada pelos Machado no ano em que o terramoto que marcou a história da capital obrigou muitas famílias a procurar novos espaços de vida nas imediações de Lisboa. Mas sempre foi um espaço de produção agrícola, daí a eira, o lagar do vinho e o do azeite, que hoje impõem a sua presença e memória a escassos metros da Estrada Nacional 8. Era pela ribeira de Pedrulhos — que continua a correr na quinta — que alguns produtos circulavam para serem comercializados na Grande Lisboa.
Sim, estamos no campo, mas também num pedaço com história, como a da avó Machado ter sido pedida em casamento junto à roseira Bela Portuguesa que fica por detrás da casa principal — peça rara no país, segundo os botânicos — ou a do batalhão de ingleses escondidos entre estes arcos em pedra durante a Invasão Francesa. História recente: em 2009, Miguel, gestor de empresas e com o tempo ocupado pela indústria do plástico, e Carmo, que trabalhou durante 20 anos em multinacionais, decidiram mudar de vida e adquirir a quinta. “Quando comprámos, estava tudo muito degradado”, recorda o empresário. Puseram as mãos à cabeça e depois à obra para recuperar o casario, preservando a traça e a envolvência — que começa nas tábuas corridas do chão, vai pelas molduras de granito e termina nas traves de madeira do tecto.
Mais recentemente, criaram aquilo a que chamam a “ala relax”, onde se encontram o spa, o restaurante e os quartos de corte minimalista, cimento polido, janelas largas. “O princípio foi assegurar um fio condutor entre os dois edifícios”, nota Carmo, agarrando a unidade à região, através de decorações temáticas, e à assinatura tradicional portuguesa. O quarto Vitória, por exemplo, inspira-se na conquista dos portugueses durante a Invasão Francesa; o Feira da Malveira evoca um dos eventos mais concorridos da vizinhança, à volta de antiguidades, que acontece todas as quintas-feiras. “É quase como obrigar os nossos hóspedes a conhecer a zona, as pessoas e as tradições. Num mundo global e cada vez mais igual, para nós, faz toda a diferença.”
A Fugas, muito sugestivamente, teve direito à chave do Sexy Room. Cama larga, janela larga, uma cómoda e uma cadeira dos anos 1950, roupeiro vintage, banheira a dar para os aciprestes. Detalhe: um misto de ervas para transformar em tisana em dias como hoje, cinzento e chuvoso, e biscoitos de alfazema a dar as boas-vindas. Confirmação: o lado abonado — num conceito de sexy muito camponês — das mulheres deste Oeste antigo, a avaliar pela dimensão dos soutiens emoldurados e pendurados nas paredes.
Perguntamos por eles e Carmo Tenreiro conta: “Foram comprados nos Emaús [comunidade que recupera bens em segunda mão com o fim de gerar economia e integrar socialmente pessoas com dificuldades] de Caneças. Assim que os vi encantei-me. Gostei tanto que depois comprei vários artigos em segunda mão com bordados, bilros e crochet que emoldurámos e que usámos em toda a decoração. Gosto muito deste trabalho de lavores e tenho imensa pena que esteja a perder-se o ‘saber fazer’. Esta é uma forma de o dignificar e de honrar a nossa tradição.” Tradição honrada, imediatamente acima dos nossos sonhos.
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A Quinta dos Machados oferece a noite de núpcias (no quarto voltado para a roseira Bela Portuguesa) a quem se casar no espaço. Em breve, o estabelecimento será “amigo das bicicletas”, até porque a região entre Mafra e Torres Vedras é fértil em percursos para BTT.O conceito de glamping também será uma das novidades. Além dos quartos, há dois apartamentos na ala tradicional da quinta, para descansar em família.
Como ir
A Quinta dos Machados fica a cerca de meia hora de Lisboa, se se optar por seguir a A8, em direcção a Torres Vedras. Na saída para Mafra/Malveira, toma-se a A21 até à Estrada Nacional 8. Depois de passar Vila Franca do Campo, basta estar atento ao lado esquerdo, onde surge a entrada branca e amarela da quinta. Outra opção é o caminho pelas estradas nacionais (são apenas mais dez minutos de viagem), que inclui a paisagem rural da região Oeste.
Onde comer
O Cantinho dos Sabores tem uma carta contida em quantidade, mas garante os “essenciais” — como o bacalhau assado ou o borrego. A linha é do chefAntónio Amorim, que ajudou a construir a oferta desta cozinha tradicional portuguesa. O que mais nos despertou o palato foram a entrada e a sobremesa: chamuças de queijo de cabra, alho francês e avelã com doce de abóbora; e uma pêra bêbada com um toque cítrico. Os vinhos são maioritariamente da região de Lisboa.
O que fazer
Além dos passeios pelo bosque, da sala de estar (com televisão e livros), do espaço de jogos (com jogos de tabuleiro e mesa de snooker, ainda que nem sempre seja fácil jogar com o taco na horizontal, devido à largura reduzida da sala), e do spa (que inclui sauna, banho turco e jacuzzi), esta casa de campo tem firmado parcerias com diversas organizações da região no sentido de aumentar o leque de experiências possíveis. A visita (com prova) à Adega Mãe, o passeio até ao Moinho de Avis (ainda em funcionamento e com direito a prova de pão com chouriço caseiro no Curral do Burro, mesmo ao lado) ou a iniciação no mundo equestre na casa agrícola Casal das Queimadas são algumas das opções combinadas com o alojamento.
Pela proximidade, também se recomendam as visitas à célebre feira de antiguidades da Malveira (à quinta-feira), às praias da Ericeira (a cerca de 12 km), ao Palácio (e à Tapada) de Mafra, ao redor do qual é possível andar a cavalo, de burro ou de bicicleta.
A Fugas esteve alojada a convite da Quinta dos Machados
- Nome
- Quinta dos Machados
- Local
- Mafra, Gradil, E.N. 8 – Barras
- Telefone
- 261 961 279
- Website
- www.quintamachados.com