Podem os principais atractivos de uma cidade caber em pouco mais de 400 metros quadrados? À primeira vista, não. Mesmo que a cidade em causa não seja uma grande capital, a ideia parece difícil de concretizar. Mas há uma nova unidade de alojamento em Aveiro que está pronta para demonstrar que sim, é possível juntar museus, gastronomia, salinas e património arquitectónico num só espaço, dentro das mesmas paredes. Chama-se Histórias por Metro Quadrado, está situada na Travessa do Rossio — bem próximo da zona da Praça do Peixe — e tem muito para lhe dar a conhecer e a experimentar.
Neste alojamento local que acaba de abrir portas — sim, tivemos o privilégio de, praticamente, estrear as suas camas — a proposta passa por fazer uma viagem ao longo da cidade dos canais enquanto descansa no quarto. O roteiro começa a ser anunciado nas paredes dos corredores que dão acesso às habitações: de cima a baixo, foi estampado um mapa com várias ruas do centro da cidade. Depois, é só escolher — ou ter a sorte do seu lado no momento em que faz a reserva dos quartos — qual o seu “ponto de paragem”. Museu de Santa Joana, Costa Nova, Estação de Caminhos-de-Ferro, Ovos-Moles, Marinha Grã-Caravela, Marinha Peijota, Fábrica Jerónimo Campos e Casa Major Pessoa são os locais passíveis de visitar no Histórias por Metro Quadrado. Ou seja, cada um deles dá nome — e serviu de inspiração — a um quarto (são oito no total, quatro duplos e quatro twins).
Nesta unidade de alojamento, edificada num local que, noutros tempos, acolheu o armazém dos serviços alfandegários — a história do imóvel não foi esquecida e acabou por servir de inspiração para o restaurante que funciona no rés-do-chão (ver texto nestas páginas) — a decoração aparece como uma das principais apostas. Começando desde logo pelo gosto que a proprietária do espaço, Maria João Lincho, tem em “pesquisar e encontrar peças de design, elementos decorativos diferentes”. A esta curiosidade nata da agora empresária hoteleira — que anteriormente trabalhava na área dos recursos humanos e psicologia do trabalho —, juntou-se, depois, a ideia de colocar alunos de design de interiores a idealizar peças de mobiliário para o espaço. O desafio foi lançado aos estudantes da Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos e resultou na concretização de algumas das ideias e projectos apresentados pelos alunos.
E como se isto não bastasse, Maria João Lincho acabou por ir ainda mais longe nessa ideia de ter peças únicas e exclusivas. Juntou-se a uma estilista especializada em malhas (Cláudia Garrido) e criou uma linha de almofadas decorativas e bed runners própria, com cores e desenhos diferentes, inspirados em cada um dos quartos. O resultado? Os azulejos, os ovos-moles, o rosto da Santa Joana e outros elementos identitários de Aveiro passaram, também, a estar estampados nos têxteis que decoram cada uma das habitações.
Gulosos, nos confessamos
Nesta viagem proposta pelas Histórias por Metro Quadrado, o principal ponto de paragem da Fugas foram os Ovos-Moles, ou melhor dizendo, o quarto que recebe o nome do doce conventual aveirense. E também a cor! O amarelo vivo do creme de ovos foi fielmente replicado no chão da casa de banho e também numa das paredes do quarto. As formas das barricas também não foram esquecidas e estão presentes no design do armário.
Quase tudo à nossa volta faz lembrar aquela doce tentação que costuma ser servida dentro de uma hóstia, sob a forma de concha, peixe, búzio ou barricas. Mas, e ainda que não nos custe admitir esse vício por doces, não foi esta forte invocação dos ovos-moles que levou à escolha deste quarto para a nossa estadia nesta casa cheia de histórias. Qual a razão, então? Este quarto dispõe de uma varanda com vista privilegiada para o jardim do Rossio e para o canal Central da ria, zonas especialmente aprazíveis em dias quentes, como foi aquele que lá tivemos a oportunidade de passar – em pleno mês de Fevereiro, é verdade, mas com os termómetros a marcarem 20 graus.
Não fosse o apelo da varanda, a escolha teria sido mais difícil. É que cada quarto tem o seu próprio encanto e exibe um ou mais pormenores que dão vontade de por lá ficar — mesmo naqueles que nos parecem um pouco mais apertados.
No quarto dedicado à Casa Major Pessoa, por exemplo, o hóspede chega a ter a sensação de estar dentro daquele imóvel icónico da cidade de Aveiro que, actualmente, acolhe o Museu Arte Nova. O azul-turquesa que caracteriza o edifício está presente nas paredes do quarto e a cabeceira da cama reproduz os traços arquitectónicos da casa projectada por Silva Rocha e Ernesto Korrodi. Já no quarto dedicado à estação de comboios — que está preparado para acolher hóspedes com mobilidade reduzida —, salta à vista o armário que reproduz um amontoado de malas de viagem, bem como as cabeceiras das camas decoradas com azulejos antigos — importa lembrar que a estrutura ferroviária aveirense é conhecida pela beleza dos seus painéis azulejares. Para decorar este quarto, a opção não passou por reproduzi-los mas sim “aproveitar azulejos que se encontravam no antigo armazém e usá-los como elemento decorativo das camas”, conta Maria João Lincho.
Nesta unidade de alojamento, a preocupação com a decoração é de tal ordem que consegue reflectir-se até na forma como o pequeno-almoço chega à mesa dos hóspedes. A primeira refeição do dia, que é servida no restaurante instalado no rés-do-chão, é entregue numa pequena caixa de madeira — uma miniatura das caixas de fruta — e o pão lêvedo e o croissant integral aparecem ainda quentinhos, dentro de um saco de pano. Dentro da caixa, cabem ainda um iogurte, manteiga, compota, queijo e fiambre, um pastel de nata e um sumo natural, servido dentro de um frasco. A aposta da casa passa por ter, a cada dia, sumos diferentes (aquando da nossa estadia, uma mistura de banana, manga e pêra), bem como ingredientes diferentes para complementar a base de iogurte natural.
Da marmita ao menu de degustação
No restaurante Armazém da Alfândega, as “histórias” são outras e surgem pelas mãos de Daniel Cardoso, antigo chef e sócio do Le Moustache Smokery, em Lisboa. Não gosta de ser apelidado de chef, porque não gosta de títulos — tal como acontece, diz, com os “doutores” e “engenheiros” que teimamos em colar aos nomes —, mas é difícil evitá-lo. Tanto mais porque uma das experiências que salta à vista na carta do Armazém da Alfândega é, precisamente, a proposta “Chef ao balcão”. No primeiro e último sábado do mês, os clientes podem degustar um menu idealizado, confeccionado e empratado pelo chef em exclusivo para o cliente (seis pratos por 50€ por pessoa, com a opção de harmonização do vinho por mais 12€).
Cada entrada, cada prato e até mesmo o pequeno-almoço que é servido aos hóspedes do alojamento tem o dedo de Daniel Cardoso, que, por agora, ainda não se arrependeu de trocar a capital pela pacata cidade de Aveiro. “A capacidade deste restaurante é mais pequena, o que me dá mais tempo para criar”, confessa à Fugas. Mais: “Como ainda não existia aqui um restaurante deste género, é um desafio aliciante.”
Entre as propostas que apresenta aos seus clientes está também a “Marmita do dia”, servida ao almoço, de terça a sábado, com pratos como arroz de pato fumado, chili de javali ou “quinotto” (quinoa confeccionada como um risotto) de canivetes, por um preço de 8,90€ (bebida e café incluídos). Mas há muito mais para degustar neste antigo armazém agora transformado em restaurante. Bacalhau confitado fumado, polvo fumado com pico de galo, barriga de leitão confitada, pho de pato do Armazém, ceviche branca são outras das muitas propostas apresentadas por Daniel Cardoso.
O Armazém da Alfândega funciona de terça-feira a sábado, almoços e jantares, e como tem capacidade apenas para cerca de 30 pessoas é aconselhável que faça, previamente, a sua reserva (Tel.: 966 058 214; e-mail:info@armazemdaalfandega.com).
A Fugas esteve alojada a convite da Histórias por Metro Quadrado
- Nome
- Histórias por Metro Quadrado
- Local
- Aveiro, Aveiro, Travessa do Rossio, 1
- Telefone
- 234 420 289
- Website
- www.historiasm2.com/