“Tenha cuidado, o melhor é ficar ali, ao pé daquela mesa porque eles agora vão passar a correr”, avisa Ricardina, a tratadora dos cavalos da Herdade da Matinha, próxima de Cercal do Alentejo. Seguimos o conselho e saímos do caminho dos animais, que, atraídos pelo feno acabado de chegar, se dirigem cada um para a respectiva box, enfiando o focinho no balde. Ficamos ali a vê-los comer, procurando o melhor ângulo para os fotografar. Um francês aproxima-se, trazendo o filho ao colo e a filha pela mão. Já andaram a cavalo num dos dias anteriores, hoje vêm só de visita. A menina observa Ricardina a escovar um dos animais e pergunta se pode fazer o mesmo. Daí a momentos já está de escova na mão, passando-a pelo lombo de um belo cavalo, que aceita, paciente, o tratamento.
A Serra — assim se chama a égua que vamos montar — está pronta e Ricardina explica-nos o básico para o passeio que vamos dar. Vai ser muito fácil, é só segurar as rédeas de forma que ela perceba que estamos ali, mas sem nos impormos demasiado. A Serra é muito bem ensinada e segue o cavalo da tratadora, parando obedientemente a alguns passos de distância sempre que o outro também pára.
Os únicos momentos em que discordamos é quando ela decide inclinar o pescoço com elegância e pôr-se a comer ervas e flores. Não pode ser, temos que continuar, mas compreendo a tentação: o campo à nossa volta está lindo, cheio de flores amarelas e brancas e, aqui e ali, o roxo das alfazemas. Lá ao fundo vê-se o mar.
Ricardina é psicóloga, especializada em trabalhar com atletas, e vai explicando como convence, por exemplo, crianças que dizem ter medo de montar um cavalo a fazê-lo. “O que é o contrário do medo?”, pergunta-lhes. E, na maior parte dos casos, daí a pouco elas já estão em cima do cavalo, aprendendo que a relação com um animal é de confiança mútua.
É difícil quando se escreve sobre a Herdade da Matinha evitar um dos grandes clichés deste tipo de textos que é o de dizer que aqui nos sentimos como em nossa casa. Mas, por mais voltas que tentemos dar à frase, essa é realmente a sensação.
Chegámos, na véspera, num dia de chuva. Deixámos o carro no parque e seguimos pelo caminho até à entrada. Espreitamos por uma das portas, parece uma sala, mas não é muito claro se podemos entrar ou se estamos a invadir algum espaço privado. Chega outro carro e do interior, abrigada da chuva, Ricardina (que na altura ainda não conhecíamos) faz sinal para entrarmos.
Há de facto uma sala, aliás, várias pequenas salas, porque esta é uma casa cheia de recantos, mas é a grande cozinha que nos atrai. Aí está gente a preparar o jantar, anunciado numa ardósia na parede para que, quem quiser, possa reservar com tempo. O nosso quarto fica na parte mais recente da Matinha, um projecto que já fez 21 anos e que, conta-nos depois Tiago — que, na ausência do proprietário, Alfredo, será o nosso anfitrião — tem vindo a crescer gradualmente, à medida das necessidades.
E continua a crescer. Na zona do restaurante vemos alguns operários a trabalhar, colocando traves de madeira para alargar o espaço exterior. O restaurante vai ficar maior, e aquele que agora é espaço exterior vai afinal ser “engolido” pelo interior, criando zonas distintas, uma mais para casais, outra para famílias que tenham crianças.
Essa é também um pouco a lógica dos vários corpos de edifícios que compõem a Matinha. Existe a casa principal, onde tudo começou há duas décadas. Tiago ainda não trabalhava aqui mas já ouviu muitas vezes a história de como Alfredo Moreira da Silva, então com a sua mulher Mónica Belleza, se encantaram com esta propriedade de 110 hectares, que os fez trocar os projectos de se mudarem para a Austrália por uma vida no Alentejo, inicialmente numa casa que não tinha água nem electricidade, o que não os impediu de aqui criar três filhos.
Os primeiros hóspedes conheceram esse ambiente que era o da verdadeira partilha de uma casa, no meio de um vale lindo, longe de tudo (da estrada principal são três quilómetros em estrada de terra até à entrada da Matinha). Alfredo pintava — são dele os quadros que se vêm por toda a herdade, nos quartos mas também as pinturas no exterior — e a família recebia os visitantes como se fosse amigos de sempre.
Ao fim de alguns dias compraram outra casa, a chamada Casa de Cima, e assim aumentaram o número de quartos. Mais tarde, o projecto voltou a crescer com a construção do bloco novo — onde fica o nosso quarto, com uma varanda, toda em madeira, voltada para a zona onde, conta ainda Tiago, vai surgir em breve uma horta de plantas aromáticas.
Em breve haverá também outro bloco com mais oito quartos a somar aos 20 que já existem. Entretanto, na casa principal, têm nascido mais recantos, como o pequeno bar com lareira e sala de leitura.
Já não há a mesma intimidade que havia no início mas a tal sensação de estarmos em casa mantém-se. Pela informalidade com que somos recebidos, por um lado, mas sobretudo porque, mesmo na ausência de Alfredo (que, percebe-se, pensa cada pormenor desta casa) se sente um espírito de família, garantido por Tiago, Ricardina e todos os que aqui trabalham.
Damos uma volta pelo exterior, aproveitando as pausas na chuva, para conhecer melhor a piscina e, a seguir, a Casa de Cima, onde fica a grande suíte, que é o quarto maior da herdade, com os pequenos tanques de água com nenúfares e a vista para uma colina onde pasta um rebanho.
“É do senhor Henrique”, explica Tiago. “É um pastor muito simpático que também já pertence à família, os hóspedes gostam muito dele, cumprimentam-nos sempre. Também faz uns queijinhos muito bons.” Não confundir com o outro senhor Henrique, que trata da horta da propriedade, que produz muitos dos legumes usados nas refeições.
Passamos também pela sala circular usada para as aulas de ioga ou outras actividades e que agora está ocupada por cabides cheios de peças de roupa de uma empresa que está a fazer uma produção na região.
Combinamos encontrarmo-nos com Tiago para jantar às 21h. É então que vamos conhecer Anna, uma alemã que aqui trabalha há já alguns anos e que vem à mesa apresentar cada um dos pratos num português de “erres” carregados. Não se espere encontrar aqui comida tradicional alentejana, a proposta é mais entre o mediterrânico e o asiático.
A ementa é toda da autoria de Alfredo, que decide a combinação de pratos a cada dia: há sempre entradinhas, que vão variando (as nossas eram salada de polvo, cogumelos salteados e tzatziki, molho de iogurte com pepino), um prato de carne (neste caso peito de pato com legumes salteados) e um de peixe (tamboril com leite de coco, erva príncipe e sementes de coentros, acompanhado por feijão vermelho e arroz). Por fim, a sobremesa, um crumble de maçã e pêra com gelado de baunilha. Tudo preparado na cozinha por Anna e as cozinheiras Mimi e Mariana.
Ricardina chega para jantar e senta-se na mesa alta que é também habitualmente a de Alfredo e dos filhos quando aqui estão. A cadela Boneca, de pêlo branco, vem atrás dela — como sempre, aliás, é companhia garantida em todos os passeios a cavalo. Ao fim de uns minutos, um casal de hóspedes já desafiou Ricardina a sentar-se na mesa deles, e, noutra mesa, uma mulher faz festas à Boneca.
No final do jantar, Ricardina desafia-nos a fazer o passeio a cavalo no dia seguinte. Há dúvidas por causa da chuva, mas fica combinado que nos encontramos ao pequeno-almoço e tomaremos então uma decisão. No dia seguinte, em frente do óptimo pequeno-almoço, com sumos naturais, bolo caseiro e o pão que todas as manhãs se vai buscar à dona Ercília, uma padeira local, é fácil decidir. Não está a chover, a Boneca está a postos para nos seguir com a cauda a abanar. Vamos lá.
A Fugas esteve alojada a convite da Herdade da Matinha
- Nome
- Herdade da Matinha
- Local
- Odemira, Odemira, Herdade da Matinha - Cercal do Alentejo
- Telefone
- 933 739 245
- Website
- www.herdadedamatinha.com