O Palácio da Alvorada foi restaurado e reabriu ao público há um par de anos, o Museu Nacional inaugurou pouco depois. Esta semicoincidência não será ocasional, mas parte de um programa mais vasto de reabilitação de uma cidade hiperfuturista que, no entanto, sofre de envelhecimento prematuro. Maior utopia moderna construída de raiz no continente sul-americano, Brasília ergueu-se para cumprir a promessa do presidente Juscelino Kubitschek (eleito em 1955) de transferir a capital para o Planalto Central no tempo recorde de um mandato, resumindo em cinco o trabalho de 50 anos.
A corrida foi ganha, mas adiando boa parte das novidades previstas, enquanto outras foram construídas tão à pressa que não demoraram a entrar em colapso. Com a passagem do primeiro meio século de vida da capital política do Brasil, a edilidade procura contrariar a decadência, pelo menos em termos de obras públicas. A primeira e a mais recente obra de Oscar Niemeyer na cidade são pilares dessa regeneração e um ensejo privilegiado para colocar a obra do arquitecto e a própria Brasília em perspectiva.
Palácio Alvorada
"O primeiro projecto iniciado em Brasília foi o Palácio da Alvorada. Sua localização ainda não fora fixada pelo Plano Piloto. Não podíamos esperar. E lá fui eu com Israel Pinheiro (engenheiro chefe da construção da cidade) a procurá-la, o capim a nos bater nos joelhos, pelo cerrado afora."
Oscar Niemeyer recorda assim ("Minha Arquitectura") a obra fundadora de Brasília, construída em plena savana brasileira, entre 3 de Abril de 1957 e 30 de Junho de 1958. Residência oficial do Presidente da República, o Palácio da Alvorada foi já nesta década objecto de profundo restauro, reabrindo ao público em 2005. Hoje, as visitas (gratuitas) acontecem todas as quartas ao início da tarde e em grupos de vinte pessoas, que se vão concentrando à entrada do recinto. A espera faz parte do entretenimento - convive-se com gente dos quatro cantos do Brasil, que não demora a envolver-se em acesos debates sobre o estado da nação. Faz-se silêncio, porém, quando o Presidente e/ou convidados abandonam as instalações a toda a mecha, nos seus veículos luxuosos de vidros opacos - tal como vistos na tv -, e é finalmente dada luz verde para o primeiro grupo de visitantes seguir de autocarro até à entrada do edifício.
Assim é mais fácil, mas seria preferível percorrer a pé os cento e tal metros que separam a vedação do palácio para admirar o jardim dianteiro, decisivo na acentuação da horizontalidade e monumentalidade do edifício, na mesma medida em que garante a privacidade e a protecção requeridas numa residência oficial. Um maior recuo seria também desejável para melhor apreciação do "elemento mágico" do conjunto: a colunata de parábolas invertidas que suporta a galeria do Alvorada. Jogando com o espelho de água na sua frente, estas prodigiosas colunas criam a ilusão de que o volume principal, uma caixa de vidro de dois pisos, levita sobre a península que coroa o lago de Paranoá.
Com maior ou menor afastamento, no entanto, desde o primeiro contacto que o prédio modernista se impõe como uma visão surreal do palácio clássico, mas também das antigas casas das fazendas. A arcada hiperbólica aparece como uma subversão das colunas tradicionais, ao mesmo tempo que invoca as redes estendidas em redor dos velhos casarões tropicais. Também a capela, situada à esquerda da fachada (para quem está de frente), reconduz à herança colonial, na circunstância revista à luz da fantasia escultórica de Le Corbusier na então recente catedral de Ronchamp. A visita ao interior da capela, magnificamente decorado por Athos Bulcão, é o primeiro ponto alto da visita, que depois passa em revista os interiores do piso térreo do palácio, contemplados sempre do exterior, a partir da galeria nas traseiras do edifício.