A única certeza é a presença do marinheiro numa das ilhas das Caraíbas em 1925, naquela que foi a sua última aventura realizada por Hugo Pratt. Michel Pierre, estudioso da obra do italiano, diz que, depois disso, o herói esteve ligado, em 1928, ao contrabando de álcool nos Estados Unidos, mas há também quem afirme tê-lo visto em Hong-Kong. Está provado o seu apoio activo ao lado republicano na guerra civil espanhola, chegando ao país na Primavera de 1937 para lutar nas Brigadas Internacionais.
A partir daqui só existem informações fragmentárias que o dão, durante a Segunda Guerra Mundial, sucessivamente em Istambul (1941), no Cairo e no Pacífico (1942). Em 1955 parte de Boston no navio Vanité Dorée II numa expedição para encontrar os restos da fragata inglesa Essex e o fabuloso tesouro que transportava à data do naufrágio. Há um derradeiro registo da sua passagem pela ilha do Príncipe Eduardo, mas nunca mais voltou a atracar em nenhum porto.
Apesar destas lacunas e dúvidas, Corto Maltese é uma das mais consistentes criações de banda desenhada. Herói mediterrânico, com um incrível sentido de humor e fleumático quanto baste, é acima de tudo um observador profundamente apaixonado pela condição humana em tudo o que ela tem de belo e também de horrível.
Falar de Corto é falar de Pratt, sendo difícil dizer onde acaba a história de um e começa a do outro.
A quem lhe perguntou se o herói era ele próprio, Pratt limitou-se a responder que têm em comum o gosto pela aventura "como Ulisses, é um marinheiro que vai de aventura em aventura" e que "a sua criação foi uma intuição". Neste sentido, a biografia de Corto Maltese cruza-se com a do seu criador e, por vezes, ambas quase se confundem, num exercício responsável pela marca imorredoura que a série deixou na banda desenhada mundial.
Corto, o marinheiro nascido em Malta em 10 de Julho de 1887, de mãe cigana de Sevilha e pai marinheiro oriundo da Cornualha, imprime a sua discreta mas inconfundível assinatura em todas as geografi as conhecidas do planeta.
A aparição primordial tem algo de simultaneamente profético e redentor, pois surge atado de pés e mãos, numa representação crucifi cada, algures na imensidão do Pacífico talvez porque nasceu como um mero personagem secundário numa história inteiramente centrada na figura da bela Pandora...
Esteve no conflito russo-nipónico nos primeiros anos do século XX, trilhou a floresta amazónica e foi visto na costa ocidental da América do Sul. Durante a Primeira Guerra Mundial passou pela Europa e pela África Oriental, enfrentou os rigores da Sibéria e procurou os tesouros de Samarcanda. Atravessa meio mundo para procurar velhos amigos na Argentina depois de uma nova incursão pela Veneza dos seus sonhos e mitos e antes de mergulhar, na Suíça, nos mistérios alquímicos. Termina a sua saga conhecida nas Caraíbas em demanda do mítico continente perdido de Mü. Graças a este percurso grandioso, o herói viria a impor-se ao reconhecimento do mundo, tornando-se numa das mais importantes criações da banda desenhada do século XX.