Fugas - viagens

  • A Rota das Catedrais propõe um grande passeio por Portugal. Pela sua história religiosa e política ou artística. Paulo Ricca conduz-nos pelo olhar a belezas monumentais de um Portugal (quase) milenar. Andreia M. Pereira assina a reportagem em http://fugas.publico.pt/281952 | Sé de Braga
    A Rota das Catedrais propõe um grande passeio por Portugal. Pela sua história religiosa e política ou artística. Paulo Ricca conduz-nos pelo olhar a belezas monumentais de um Portugal (quase) milenar. Andreia M. Pereira assina a reportagem em http://fugas.publico.pt/281952 | Sé de Braga
  • Sé de Braga
    Sé de Braga
  • Sé de Braga
    Sé de Braga
  • Sé de Braga
    Sé de Braga
  • Sé de Braga
    Sé de Braga
  • Sé de Braga
    Sé de Braga
  • Sé de Braga
    Sé de Braga
  • Sé de Viseu
    Sé de Viseu
  • Sé de Viseu
    Sé de Viseu
  • Sé de Viseu
    Sé de Viseu
  • Sé de Viseu
    Sé de Viseu
  • Sé de Viseu
    Sé de Viseu
  • Sé de Viseu
    Sé de Viseu
  • Sé de Coimbra
    Sé de Coimbra
  • Sé de Coimbra
    Sé de Coimbra
  • Sé de Coimbra
    Sé de Coimbra
  • Sé de Coimbra
    Sé de Coimbra
  • Sé de Coimbra
    Sé de Coimbra
  • Sé de Coimbra
    Sé de Coimbra
  • Sé de Santarém
    Sé de Santarém
  • Sé de Santarém
    Sé de Santarém
  • Sé de Santarém
    Sé de Santarém
  • Sé de Santarém
    Sé de Santarém
  • Sé de Santarém
    Sé de Santarém
  • Sé de Santarém
    Sé de Santarém
  • Sé de Lisboa
    Sé de Lisboa
  • Sé de Lisboa
    Sé de Lisboa
  • Sé de Lisboa
    Sé de Lisboa
  • Sé de Lisboa
    Sé de Lisboa
  • Sé de Lisboa
    Sé de Lisboa
  • Sé de Lisboa
    Sé de Lisboa
  • Sé de Èvora
    Sé de Èvora
  • Sé de Èvora
    Sé de Èvora
  • Sé de Èvora
    Sé de Èvora
  • Sé de Èvora
    Sé de Èvora
  • Sé de Èvora
    Sé de Èvora

Destas torres contemplam-nos (quase) mil anos de História

Por Andreia Marques Pereira

Locais de culto, espelhos do poder da Igreja, testemunhos de modas arquitectónicas, as catedrais portuguesas chegaram até nós como sentinelas de uma história quase milenar. Agora, estão a organizar-se numa Rota das Catedrais para se valorizarem e receberem melhor (e mais) os visitantes.


Fotogaleria: A catedral Portugal

Passeio visual por catedrais portuguesas por Paulo Ricca


Sabemos que durante a Idade Média a paisagem europeia se ergueu em torres e cruzes que passaram a dominar o horizonte.
Montras de poder e riqueza, espelhos de fé, espaços de ensino, as catedrais impuseram-se física e simbolicamente no território europeu e mantiveram-se até hoje como testemunhas e manuais de uma história muitas vezes convulsa.

Permanecem locais de culto, mas também de deleite estético e intelectual. Portugal também se viu polvilhado destes edifícios que dos centros das cidades impunham a sua influência. E agora há uma revolução (mais ou menos) visível nas catedrais portuguesas.

Começou em 2009, com a assinatura de um acordo de cooperação entre o Ministério da Cultura e a Conferência Episcopal para a instituir a Rota das Catedrais. Não é uma novidade no panorama europeu aqui ao lado, em Espanha há um projecto semelhante de referência, mas em Portugal foi a primeira vez que se propôs olhar para estes edifícios como "um todo coerente e identitário" (como se lê no acordo). Uma rota que é uma rede de catedrais a caminharem para o mesmo fim: serem tudo o que podem ser. Locais religiosos, sim, mas também culturais e turísticos, vivos dentro das comunidades.

Por estes dias (que na verdade são meses), assinam-se protocolos que põem em marcha a Rota das Catedrais. "Por princípio, em termos de abordagens generalistas [a rota] integra todas as catedrais", explica Sandra Costa Saldanha, do grupo técnico coordenador da rota, "mas a adesão ao projecto materializa-se em protocolo específico". Um protocolo que define as áreas de actuação no património catedralício sobretudo, intervir em "situações de degradação" óbvia, sim, mas também na "recuperação e conservação" cuidada para a sua capacitação (incluindo na vertente cultural, através de serviços de visitas, espaços musealizados, arquivos, bibliotecas e programação).

São estes protocolos que estão a ser instituídos com cada catedral de cada vez a Viseu, chegámos no meio dos preparativos para esse momento solene, no dia seguinte. A Faro não chegámos, mas é aí que vai decorrer, entre os dias 7 e 9 de Abril o primeiro Congresso da Rota das Catedrais, o momento de maior visibilidade deste projecto, o de aferição de resultados e troca de experiências (inclusive internacionais). Este foi o pretexto para a Fugas se fazer à estrada visitámos seis catedrais (ou "sés", como são muitas vezes conhecidas), podiam ter sido outras (são 26), mas confiámos nas sugestões de Sandra Costa Saldanha.

De Braga a Évora, passando por Viseu, Coimbra, Santarém e Lisboa, escutámos dúvidas em relação à concretização prática da rota, mas também muita esperança quanto ao seu resultado.

Deparámo-nos com catedrais em diversos estados de conservação e ouvimos falar muito da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), que entre as décadas de 30 e 50 levou a cabo um programa exaustivo de restauro nos monumentos nacionais: há críticas (como o "coroamento da torres em baluarte "à Hollywood" na sé de Lisboa" ou a limpeza de alguns interiores de elementos que saíam fora dos padrões medievais originais por isso ouvimos na Catedral de Santarém um alívio quanto à origem barroca do monumento, "se não já não existia"), mas há o reconhecimento generalizado que talvez sem essas intervenções muito do património já se tivesse perdido na voragem dos séculos. Cruzámo-nos com muitos turistas em Lisboa e em Coimbra, descobrimos um serviço de visitas em Braga, encontrámos escolas em Viseu e Évora e tivemos aulas de história e de arte.

E com estas percebemos que as catedrais são quase seres vivos, estão em permanente evolução.


Braga, a mais antiga

É irresistível começarmos por aqui afinal, ouvimos desde sempre "Mais velho do que a Sé de Braga".

Pois, a Sé de Braga é antes de mais isso mesmo: a mais antiga catedral portuguesa já ultrapassou os 900 anos. É mais "velha" do que o país e mais ainda o é a diocese bracarense confirmada historicamente desde o século V. E onde hoje vemos esta catedral já terá existido outra, destruída durante o domínio muçulmano.

Restaurada a diocese, iniciou-se a construção do edifício (consagrado em 1089 a Santa Maria de Braga) que chegou até nós bastante alterado. A forma actual recebeu-a no século XII e a partir daí tornouse como um conglomerado de estilos (quase todos os bispos deixaram marca) tantos que os próprios investigadores têm dificuldade em destrinçar-lhes o princípio e o fim sobre a plantabase: três naves e um transepto.

Por isso, hoje chegamos à fachada principal e temos nós dificuldade em ver o templo medieval, na frontaria alta. Ele está lá, na galilé gótica encerrada por grades (que já protegeram o altar-mor), mas é necessário aproximarmo-nos até ao portal para o ver de perto este é românico, com arquivoltas, encerrado por arco gótico; de longe parece engolido pela remodelação do século XVIII que lhe deu este carácter barroco (e Braga até é conhecida como a "capital do barroco"), enquadrado por duas torres sineiras.

É austera esta fachada e relativamente austero é o interior.Isto porque a intervenção da DGEMN retirou algum do que era considerado excesso barroco num templo medieval até janelas abertas no século XVIII se tornaram frestas para manter a pureza mitológica da Idade Média. E o barroco já tinha vindo substituir o gótico com derivações manuelinas apenas para referir as duas fortes correntes que se impuseram na catedral mercê da intervenção de dois arcebispos, D. Diogo de Sousa no século XVI e D. Rodrigo de Moura Teles em Setecentos.

Percorremos hoje a nave que se estende sob telhado de madeira (terá sido pintado mantêm-se as pinturas apenas sob o coro alto), entre esculturas de apóstolos e doutores da igreja que se erguem em pequenas plataformas de talha dourada, fragmentos do que terão sido no seu esplendor barroco. A capela-mor é quase severa mantém a estrutura de D. Diogo de Sousa, ampla e luminosa a culminar numa abóbada de intrincada decoração e da autoria de João de Castilho, mas apresentase agora vestida de pedra e alguns dourados depois da passagem da DGEMN que retirou o retábulo barroco, sucessor de um retábulo em pedra de Ançã, desmontado no século XVIII e de que resta o frontal de altar. As restantes capelas da cabeceira, contudo, mantêm a fisionomia conferida no século XVIII, quando a catedral se transformou quase numa "festa" para os sentidos, com pinturas e estuques pelas paredes.

O barroco na sé de Braga pode ser apreciado em todo o seu esplendor no coro alto, mas não deixamos o piso térreo sem "conhecer" o "Afonsinho", o infante D. Afonso, primogénito de D. João I. O túmulo jacente com baldaquino que hoje se protege por detrás de grades é uma obramaior da tumulária nacional e foi restaurado recentemente: antes estava quase negro, agora recuperou parte do brilho do seu revestimento de cobre dourado e prateado, que realça a delicadeza dos pormenores das vestes e da arca tumular com cães e anjos a comporem os cantos. Subimos ao coro pelo mesmo acesso do Tesouro -Museu da Sé, antiga casa do cabido: ocupação densa do cadeiral, em madeira escura e dourados, debaixo de frescos que representam os Esponsais da Virgem (temática não muito comum na pintura religiosa). No centro está a estante do coro e do varandim "entra-se" nos dois órgãos setecentistas, dourados joaninos por todo o lado e figuras decorativas que são quase esculturas em movimento.

No claustro oitocentista (a substituir o gótico), uma série de altares e respectivas caixas de esmolas, lampadários electrónicos, recordações e a ligação directa para duas das capelas do conjunto.

A Capela de Nossa Senhora da Piedade, aberta ao culto, guarda o túmulo do seu fundador, D. Diogo de Sousa; a Capela de D. Lourenço Vicente encerra o corpo incorrupto do seu fundador e os túmulos jacentes do conde D. Henrique e de D. Teresa, pais de D. Afonso Henriques por isso, esta capela gótica recentemente intervencionada também é chamada de "capela dos reis".

Outras duas capelas fazem ainda parte do conjunto. Acedese a elas através do Claustro de Santo Amaro, ruína com arcadas interrompidas. A primeira é a Capela de São Geraldo, românico original perdido com as reconstruções: o retábulo profuso de talha dourada ainda hoje (e não se sabe desde quando), uma vez por ano, é decorado com fruta em memória de um suposto milagre.

Uma porta lateral dá acesso à Capela da Glória, gótica, singela na delicadeza dos frescos desbotados e imponente na solidão do enorme túmulo jacente do arcebispo D. Gonçalo Pereira, referência da tumulária nacional.

Catedral de Braga Rua D. Paio Mendes Braga Tel: 253 263 731 www.se-braga.pt Horário: De Abril a Setembro das 7h45 às 19h00. De Outubro a Março das 7h45 às 18h30.


Viseu, puzzle ao longo dos séculos

Chegamos a meio de um ensaio: o órgão enche de música as três naves da Sé de Viseu em preparação para a cerimónia do dia seguinte a assinatura do protocolo da Rota das Catedrais.

No Verão há coro gregoriano, diznos Fátima Eusébio, directora do Departamento de Bens Culturais da Diocese de Viseu e nossa anfi triã esta tarde. Entramos e voltamos a sair para começar a visita do início: do adro da Sé, um terreiro imenso enquadrado pelo Museu Grão Vasco (antigo seminário, de finais de Quinhentos), a Igreja da Misericórdia (século XVIII) e um troço da muralha medieval, que, encimado por um alpendre sobre colunatas (século XVIII), é conhecido como "Passeio dos Cónegos". "Representam épocas diferentes, mas têm uma harmonia interessante", considera Fátima Eusébio uma harmonia solene, quase severa, quebrada pelo grupo escolar que tira a fotografia-postal na escadaria da catedral.

Essas épocas diferentes também confluem na própria sé, "um puzzle" que se foi completando ao longo dos séculos dos tempos medievos até ao século XX. É, à vez, românica, gótica, manuelina, renascentista, maneirista, barroca. Depois chega ao século XX, mas tudo começou em finais de Duzentos, inícios de Trezentos.

Terá existido outra catedral, e há um capitel a prová-lo; terá tido uma fachada manuelina (uma tempestade derrubou-a em 1637) mas chega até nós maneirista de face em retábulo com esculturas dos quatro evangelistas e São Teotónio ao centro, padroeiro da cidade, primeiro santo português, companheiro de D. Afonso Henriques, que viveu aqui e recusou sempre ser bispo, e Nossa Senhora no topo e medieval de base.

Entramos pelo claustro e ficamos a conhecer D. Miguel da Silva, bispo e grande humanista, introdutor do Renascimento em Portugal. Estamos no meio dele: o claustro-referência da renascença portuguesa (século XVI), que, aquando da sua construção, terminaria na cornija (no século XVIII foi acrescentado um andar), logo acima das colunas jónicas.

São de sua iniciativa também os azulejos azuis e brancos que agora recobrem as paredes do claustro estiveram na igreja, porém a intervenção da DGEMN considerou o local "impróprio" que percorremos descobrindo-lhe os segredos. A Capela do Santo Cristo (1595), entrada maneirista e cara enegrecida pelas velas, já despojada das pinturas; a capela funerária que nunca o foi; o túmulo que foi "expulso" da "sua" capela (onde agora está a pia baptismal) e até é o "mais interessante" da sé; a Capela da Senhora da Assunção, retábulo do Renascimento nacional com baixos-relevos monocromáticos e muita degradação; outro retábulo do século XVI em pedra de Ançã da autoria de João Ruão também degradado. Pelo caminho, descobrimos uma porta medieval, formato semicircular, revelada no século XX.

No interior da igreja, a nossa atenção é dirigida para um dos elementos mais originais da sé as abóbadas que são cordas esculpidas a unirem-se em nós, clara reminiscência manuelina; e para uma ausência, na capela-mor, onde, até ao século XVIII, esteve um retábulo de Grão Vasco (agora no museu homónimo) narrando cenas da vida de Cristo o retábulo que vemos, impressionante, é barroco joanino de Santos Pacheco e está enquadrado por um cadeiral, também setecentista, entalhado e dourado. Foi no século XVIII que, na ausência de bispo, o cabido assumiu a condução da catedral, fazendo grandes obras que incluíram também a reformulação das capelas laterais (por Claude Laprade), a reforma das colunas que ficaram várias-em-uma para suportar as alterações estruturais entretanto realizadas, e o reboco das paredes todas. Antes de subirmos ao coro alto, espreitamos a sacristia, aonde se chega por um corredor de azulejos setecentistas: as pinturas no tecto em madeira e as paredes forradas de azulejos do século XVII merecem o desvio.

O coro alto já faz parte do museu e ascende-se a ele por uma ampla e íngreme escadaria. Entre as peças do museu, estão o cadeiral que era maior até a DGEMN decidir que não era preciso tanto: a parte de baixo do século XVI, a de cima do século XVIII. "Este era o espaço onde os entalhadores se divertiam", brinca Fátima Eusébio e aponta para a iconografia: diabos e outros mafarricos, animais (alguns exóticos trazidos pelos ventos das Descobertas) ornitorrinco, lontra, camelo, tartaruga... Vemos a estante do coro de pau-santo (seiscentista), um livro de "canto chão" e a mancha na parede onde estaria o órgão, de 1800, que uniria o tramo logo abaixo do coro "perdeu-selhe o rasto".

Saímos e espreitamos as traseiras da sé, para ver a junção da nova capela-mor do século XVIII e apreciar os merlões e as ameias. Esta sé é também um pouco fortaleza, onde os viseenses se chegaram a abrigar de ataques estrangeiros.

Catedral de Viseu Adro da Sé Viseu Tel.: 232 436 065 Horário: Das 9h00 às 12h00 e das 14h00 às 17h00.

Coimbra, "A mais portuguesa"
Antes de irmos já sabíamos. Há obras no claustro da "catedral que é com certeza a mais portuguesa de Portugal", uma vez que "acompanha toda a vida nacional". As palavras são do padre João Evangelista, pároco da Sé Velha de Coimbra, entusiasmo incontido quando o contactamos por telefone. "Com D. Afonso Henriques nasceu e desenvolveuse para igreja da capital do novo reino", explica. "Se Guimarães foi o berço da nacionalidade, Coimbra foi a creche", e a Sé Velha (há uma nova, que desempenha as funções de catedral) está indelevelmente associada à primeira dinastia portuguesa. Por exemplo, a rainha Santa Isabel foi aqui uma colaboradora activa, antes de se "transferir" para o Convento de Santa Clara.

Aqui nesta igreja-fortaleza (quase toda) românica do exterior, um pouco mais ecléctica no interior, construída pelo mestre Roberto numa altura em que a Reconquista se desenrolava em força e Coimbra era a capital do novo reino. Há ameias, portanto, na fachada acastelada e sólida da Sé Velha, com a parte central saliente, quase que uma torre, onde se abrem o portal e imediatamente acima um janelão, no fundo de reentrâncias de arcos perfeitos: e o monólito fica menos severo, harmonioso até, na sua cor amarelada.

Do Largo da Sé chega-se ao portal por uma escadaria que vence o desnível do edifício: visto de lado até parece inclinado está construído a meio caminho da encosta, entre a porta da Almedina e o antigo paço régio.

O casario emaranha-se ali sem o deixar respirar muito (e os carros estacionados parecem uma inevitabilidade), mas não escondem, no lado Norte, a Porta Especiosa. Seria missão impossível, aliás: em três níveis (que se estreitam e parecem tornar mais alto o edifício) de pedra branca temos o portal, uma varanda e um frontão triangular que constituem uma obra-prima do Renascimento português, adossada à porta românica por iniciativa do bispo D. Jorge Almeida.

No seu episcopado, altura em que em Portugal se fazia a transição do gótico para a renascença, a Sé Velha de Coimbra sofreu diversas alterações. Seguimos-lhes o rasto no interior. Passamos pelas conchas gigantescas (tridácmas, vindas do oceano Índico) e detemonos perante a vista do retábulo-mor (que D. Jorge Almeida "patrocinou" e Olivier de Gand criou), in situ há 500 anos, delicada peça dourada, quase filigrana, com esculturas coloridas, no fundo da nave central sustentada por abóbada de berço.

As naves laterais são delimitadas pelo trifório que corre por cima num dos topos, uma série de azulejos mudéjares, vindos de Sevilha no século XVI por iniciativa do bispo (já cobriram grande parte da igreja, mas o "regresso às origens" da DGEMN ditou a sua retirada); no outro topo, do lado esquerdo do altar-mor, a Capela de São Pedro alberga o túmulo do bispo-mecenas e guarda um retábulo quinhentista de Nicolau Chanterene; no lado direito do transepto, a pia baptismal, do início do século XVI, congrega o gótico e a renascença.

É deste lado do transepto que se acede a uma das maravilhas desta sé, se calhar "a" maravilha (e, à entrada, um ex-líbris, a peça mais antiga, uma pedra do século IX, o que restou da primeira basílica cristã que ali existiu). A Capela do Santíssimo Sacramento é renascença pura da autoria de João de Ruão (o mesmo da Porta Especiosa) segundo encomenda do bispo D. João Soares (sucessor de D. Jorge Almeida), que tendo estado no Concílio de Trento como que o decidiu plasmar em pedra branca de Ançã neste retábulo, em semicírculo pétreo esculpido em dois níveis sob uma cúpula encimada por lanternim que banha o espaço de luz.

Antes de sairmos, tempo para admirar a pintura seiscentista da Rainha Santa Isabel, o ex-líbris do programa de restauração que a Sé Velha está a promover com o apoio da sociedade civil, sublinha José António Mariz, um dos membros desta "associação de apoio" que nos acompanha em parte da visita, recuperada em tempo recorde para "mostrar o que se está a fazer com o dinheiro" (e outras coisas se fazem, como os guias, em várias línguas, que estão na entrada) o "senhor" que se segue será São Sebastião, obra também do século XVII, que ocupa a mesma parede da nave lateral onde ainda se vê uma escultura de Nossa Senhora da Conceição, de Frei Cipriano da Cruz, "o papa da escultura", num retábulo barroco de talha.

O claustro gótico da sé está por estes dias a recuperar dos danos do tempo e, portanto, fechado para obras. "Descobertas inesperadas atrasaram o projecto (incluído no programa Cidade, Univer(SC)idade: regenerar e revitalizar o centro histórico de Coimbra, explica José Mariz. Quanto ao projecto Rota das Catedrais, este "amigo" da sé não tem dúvidas: "É uma ocasião única para restaurar a catedral".

Sé Velha de Coimbra Largo da Sé Velha 3000 Coimbra Tel: 239 82 52 73 Horário: Das 10h00 às 19h00.


Santarém, "Um certo ar de família"

Estamos na "capital do gótico" nacional para descobrir uma catedral maneirista de fachada e barroca de interior. Há uma homogeneidade na linguagem arquitectónica da Catedral de Santarém e há um certo "ar de família" antes de ser catedral, o edifício que miramos em imponência austera a dominar a branquíssima Praça de Sá da Bandeira foi igreja do seminário (e ainda é assim conhecida) e antes ainda igreja do Colégio da Companhia de Jesus, os construtores do monumento, no século XVII (com conclusão já no século seguinte: 1711, inscreve-se na fachada). Não foi construída como catedral, já vimos, até porque a diocese de Santarém é muito recente 1975.

Quem se quer embrenhar nas ruelas antigas da cidade tem aqui uma das principais portas, a Praça Sá da Bandeira, de onde se entra pela Praça da República, em abertura eclesiástica: de um lado a Igreja de Nossa Senhora da Piedade; do outro o complexo da catedral e seminário. O largo onde foram executados os assassinos de Inês de Castro irradia luz, a mesma que se reflecte no empedrado alvíssimo e no casario "no Verão, o calor é quase insuportável", diz-nos Eva Raquel Neves, da Comissão de Bens Culturais da Diocese de Santarém. Hoje não é insuportável, já estamos na sombra do edifício gigantesco, que ostenta ao centro a catedral: uma escadaria majestosa conduz a uma fachada geométrica poderosa, com três portões em baixo e para cima rasgada por janelões e pontuada por nichos com esculturas (elementos da Companhia de Jesus) no topo a imagem de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da diocese. É uma frontaria "maneirista tardia", em chamado "estilo chão", que se alarga em alas laterais, mais baixas e também de rigorosa esquadria, que formavam o Colégio dos Jesuítas a história tem ironias destas: algumas décadas depois da conclusão da igreja, os jesuítas são expulsos do país.

Deixaram um vasto complexo e entramos agora na "sua" catedral pela porta lateral a que costuma estar aberta, explica Eva Neves.

Para de alguma forma controlarse o acesso à "igreja salão", bem ao gosto da época, com janelas tribuna. Esqueça-se a planta de cruz latina, moda da Idade Média aqui, a nave é única, brilhante e resplandecente nas cores das pinturas, dos mármores, da talha dourada. A gramática exuberante do período barroco expressa-se eloquentemente ao serviço da iconografia da Companhia de Jesus, através de notáveis obras de escultura, pintura e artes aplicadas.

Na capela-mor, por exemplo, grande destaque para as esculturas de Santo Inácio de Loyola e São Francisco Xavier, num retábulo embutido em pedra de jaspe (1713), uma "jóia" de várias cores, à frente da qual se exibe a rica banqueta (onde falta o sacrário "consta que terá desaparecido com as Invasões Francesas"). Na abóbada, continua a resplandecer, em trompe l'oeil, uma narrativa diversa ao centro, a Nossa Senhora da Conceição, passagens do Antigo Testamento (protagonizadas por mulheres), o mundo em expansão (em cada canto está um dos quatro continentes conhecidos).

Ao longo dos anos, a produção artística desenvolveu-se nas capelas laterais, à face da parede, quase como altares. Foram sendo construídas por "vontade de mecenas" e destacam-se a Capela de Nossa Senhora da Glória, brilhante no seu retábulo de talha, e a da senhora da Boa Morte, em mármore representando os vários ciclos e culminando, em relevo, com a ascensão ao céu.

No coro alto, a nossa vista abrange todo o cenário e vemos o órgão do século XIX, recentemente restaurado, pertencente à "orquestra" de Santarém, que se orgulha de ter o maior número de órgãos activos do país. Do outro lado da escadaria nobre abre-se a chamada Aposentadoria Real.

Originalmente, estes eram os aposentos reais, uma espécie de contrapartida pela doação de D. João IV dos terrenos do antigo paço real por estes dias aqui funcionam os serviços diocesanos e a casa episcopal.

Quando o projecto da Rota das Catedrais arrancar, o circuito de visita à catedral poderá passar por este corredor e descer para o refeitório até se encontrar com o espaço onde as ruínas do antigo paço e da muralha se cruzam com o novo edifício. Certo é que haverá um espaço museológico e mais projectos poderão acontecer. "Nós aqui temos todo um complexo que podemos gerir para estas actividades".

Catedral de Santarém Praça Sá da Bandeira (Largo do Seminário) Santarém Tel.: 243 304 060 Horário: Das 9h30 às 12h30 e das 14h00 às 18h00.

Lisboa, Monumento incompreendido

Passa pouco das nove da manhã e o movimento de turistas já é enorme em frente à Sé de Lisboa.

"Tem um grande potencial turístico", há-de repetir-nos várias vezes Paulo Almeida Fernandes, historiador, autor de vários estudos publicados sobre a Sé de Lisboa.

Quando o encontramos para esta visita, está inclinado defronte da fachada poucos verão o que ele vê: a pedra com a inscrição de uma data. 1182. "Nesse ano, a obra dos alicerces chegou aqui", explica, "a de altura prolongou-se". Alguns sentirão o que ele sente: "Este é um monumento incompreendido.

Há desconhecimento da sua importância histórica". Afinal, afirma, esta é "a mais importante catedral medieval portuguesa, a única onde se fez sepultar um rei medieval, D. Afonso IV. E ter o túmulo-relicário de São Vicente concede-lhe uma condição de destaque".

E isto apesar de não ser a sé da capital, que à altura da construção (iniciada por D. Afonso Henriques em 1150) era Coimbra. O arquitecto desta é o mesmo da coimbrã, mestre Roberto, que da Normandia trouxe influências reconhecíveis no corpo da igreja de três naves e transepto: na organização dos volumes e no trifório, por exemplo.

E para aceder-lhe, passamos por uma luta entre o bem e o mal que se desenha nas arquivoltas da entrada desta igreja-fortaleza, aspecto maciço, para responder às necessidades da reconquista e afirmar a ideologia cristã. As ameias são reconstrução da DGEMN: "Fez o coroamento das torres num baluarte à Hollywood" duas torres robustas em contraforte que ladeiam a entrada, encimada por uma rosácea (reconstruída a partir de fragmentos originais) à frente da qual foi acrescentada uma varanda, onde se tem o Terreiro do Paço aos pés.

Se durante um primeiro período não houve permissão para a construção de capelas privadas, essa situação mudou nos séculos XIII e XIV (até tornar-se um lucrativo negócio no claustro) e uma das mais importantes abre-se à esquerda da entrada. A capela gótica ("neogótica" pelo restauro de Augusto Fuschini, que no início do século XX decidiu que a sé teria de ser a verdadeira catedral que Lisboa nunca teve) de Bartolomeu Joanes, mercador lisboeta, próximo de D. Dinis, alberga o seu jacente, "único no país, pelas características fisionómicas". (Parênteses para referir que nos séculos XIX e XX uma família viveu aqui, com a casa de banho na torre, ainda hoje periclitante pelas infiltrações, conta Paulo Fernandes).

Na cabeceira encontramos a capela-mor, com deambulatório (o único catedralício nacional). Esta é uma reconstrução barroca ao gosto de D. João V, posterior ao terramoto que deixou graves sequelas aqui (a torre gótica do cruzeiro, por exemplo, também desapareceu) a anterior, foi mandada construir por D. Afonso IV em puro estilo gótico. Na origem, era aberta para o deambulatório e no centro tinha o túmulo de São Vicente era uma capela de peregrinação (a querer rivalizar com Compostela), portanto, e o próprio D. Afonso IV era tão devoto que ali se fez enterrar com a mulher; agora os túmulos desapareceram (no terramoto) e foi fechada ao deambulatório. Que percorremos em nove capelas radiantes com algumas particularidades, algumas que tornam o núcleo tumular da sé "incomparável", considera Paulo Fernandes: uma obra-prima da tumulária nacional do século XIV o jacente de Fernando Pacheco, com "pormenores sem paralelo" (atente-se na mão: "parece que no dia do Juízo Final vai levantar-se e espadeirar quem aparece"); a única grade medieval do país (do século XIII, estava num dos absidíolos); um jacente de criança (uma "infanta desconhecida").

Anterior, do reinado de D. Dinis, é o claustro gótico, que se estende do lado nascente. É a parte mais incompreendida da catedral, defende Paulo Fernandes, considerado uma obra menor. Mas estudos de Paulo Fernandes indicam uma nova data de construção (finais do século XIII), que o tornam pioneiro. "A revolução gótica começou aqui", defende. E "aqui", agora, tem ao centro uma enorme cratera trabalhos arqueológicos que duram há 17 anos e que puseram a descoberto vestígios romanos e islâmicos (há quem defenda que uma mesquita teria existido neste local) e permanece "tudo menos quadrangular". É trapezoidal, pela falta de espaço, e consubstanciado por "uma profusão de elementos de consolidação desnecessários num claustro gótico". Podia pensar-se que o arquitecto era "mauzinho", mas foram imperativos do terreno que ditaram essa soluções "O claustro sobreviveu ao terramoto...".

Pode não sobreviver à incúria, afirma Paulo Fernandes. São as abóbadas sem nervuras ou chaves, por exemplo, é a pedra mais antiga do conjunto, um frontal de altar moçárabe do século X, perdida numa capela sem qualquer referência. Mas Paulo Fernandes não tem dúvidas: antes da musealização, está a sobrevivência. E a Rota das Catedrais pode dar "esperança" a estes edifícios mantê-los vivos.

Catedral de Lisboa Largo da Sé Lisboa Tel: 218 876 628 Horário: Das 9h00 às 17h00. Entrada: Claustro 0,50€


Évora, O sino da Senhora do Anjo

Ao longe já o vemos o zimbório da Sé Catedral de Évora que espreita por detrás da antiga casa episcopal (hoje Museu de Évora).

Chegamos depois de passarmos o templo romano conhecido como de Diana e estamos no coração da cidade, em pleno centro Património da Humanidade, entre os tantos séculos de história que ali repousam. Quando subirmos ao terraço da Sé e virmos de perto este zimbório de telhado escamado e encimado por uma esfera armilar e cruz, veremos toda a cidade e para além da cidade.

Ponto estratégico, este, onde se terá erguido uma mesquita sobre a qual se edificou a primeira Sé, de memória escassa (consagrada em 1204). A fachada na qual hoje nos detemos, e todo o edifício, são posteriores (a construção começou 1280 e a sua conclusão foi em 1350) e um dos mais eloquentes conjuntos nacionais românicogóticos.

Esqueça-se, porém, essa "pureza" inicial pode ser uma das maiores catedrais góticas do país, mas além dos já referidos elementos românicos (aliás, é exemplar para estudar a transição entre os dois estilos), encontram-se marcas manuelinas, renascentistas e barrocas.

Comecemos a visita pelo rosto pétreo deste quase templofortaleza, com as suas duas torres desiguais, a norte com um pináculo mudéjar, azulejos azuis, a sul com coruchéu a reproduzir o zimbório. Já não estamos sós, temos dois interlocutores especiais: o deão do Cabido, Eduardo Pereira Silva, e o coordenador do Projecto de Inventário Artístico da Arquidiocese de Évora, Artur Goulart. Começamos pelo portal principal com as suas arquivoltas de arco quebrado sustentadas por um apostolado que é o primeiro conjunto monumental integrado na arquitectura gótica portuguesa o destaque vai para as figuras de São Pedro e São Paulo, pelos "pormenores" que compõem as expressões e os trajes.

Uma sensação de amplitude envolve-nos no interior da catedral: o pé direito da nave central é enorme (as laterais estão delimitadas por um trifório), encimado por abóbada de berço quebrado e ela estende-se até um altar-mor de uma delicadeza impressionante antes abre-se no típico cruzeiro da planta de cruz latina, e aí sobe o zimbório, a "torre lanterna", por onde deveria transbordar a luz, mas que continua tapado depois das intervenções da DGEMN (sem essa luz, "não dá ideia da beleza disto"). Imediatamente saltam aos olhos as paredes de pedra com reboque ocre e branco nas uniões que lhe dá um aspecto claramente distinto (porquê? Talvez a pedra fosse de má qualidade, aventa-se). São austeras as naves, que recuperaram uma imagem mais próxima da origem no século XX os altares barrocos que existiam em cada coluna foram retirados: resta o da Nossa Senhora do Ó (também conhecida pela Senhora do Anjo, pela figura da Anunciação em frente), figura de pedra entre talha dourada típica do barroco, para uma devoção muito mais antiga.

Praticamente a única, ali na sé, contam-nos, mas enraizada: ainda hoje as grávidas ligam do hospital para no momento do nascimento se tocar o sino da "Senhora do Anjo". Para trás ficou o baptistério com o seu gradeamento renascentista, e, no cimo, o único órgão quinhentista do país (ainda toca), com uma gramática feita de máscaras e laços, caveiras e torsos, muito procurado pelos japoneses que não esquecem a história dos quatro príncipes do Japão que vieram em périplo a Roma e em Évora tocaram aquele órgão.

A capela-mor é um óvni neste templo gótico: no século XVIII, foi demolida a original e construída esta onde, não por coincidência, se "vê" o Convento de Mafra o arquitecto foi o mesmo, Ludovice, e na consagração esteve D. João V. Diversos tipos de mármores, verdes, castanhos, branco e rosa compõem o espaço de claras influências italianas e classicizantes mas de estrutura gótica, alta, agora rasgada por enormes janelões no cimo os próprios painéis pintados vieram de Roma.

No transepto, mais duas capelas para cada lado e no topo Norte do transepto a Capela do Esporão, em traça renascentista brilhante na pedra branca. Mesmo ao lado, atente-se na pesada porta da sacristia: entre os brasões e as ferragens, as cruzes suásticas são uma das curiosidades da catedral.

O coro alto guarda um cadeiral quinhentista encomendado pelo Cardeal D. Henrique (futuro rei), que foi o primeiro arcebispo de Évora (o seu irmão, D. Afonso, foi o último bispo), com os seus relevos da mitologia clássica e de temática agrícola "como máximo de humor e da sátira" procure-se aquele em que os coelhos assam o caçador.

Mas o que mais prende o olhar é a Nossa Senhora Radiante, escultura barroca impressionante de raios indisciplinados, que a luz poente a entrar ali pela rosácea torna resplandecente. Até há poucos anos o coro do seminário ainda ali cantava recorda o deão, que o chegou a fazer.

Saímos para o claustro (em desnível com a igreja) e este é como que tirado dos livros bucólico, com relva, laranjeiras, poço no centro. Durante anos esteve atulhado; hoje, limpo, revela em cada esquina um evangelista e abre para a Capela do Fundador (o bispo D. Pedro), que já não o é, porque o túmulo foi para o museu vizinho e não voltou.

Chegamos ao topo da Sé com os sinos a dobrarem sobre as nossas cabeças. Passamos das ameias da frontaria para os varandins e esculturas da capela-mor. O relógio de sol continua a dar horas certas.

Catedral de Évora Largo do Marquês Marialva, Évora Tel: 266 759 330 Horário: Das 9h00 às 12h20 e das 14h00 16h50. Entradas: Catedral €1,50; catedral+claustro €2,50; estudantes e +65 anos €2.

--%>