Fugas - viagens

Do Dubai até à Índia há mais do que um mar de distância

Por Andreia Marques Pereira

Foi a viagem inaugural da nova rota do Brilliance of the Seas, que desta vez atravessou o Mar Arábico, ligando o Golfo Pérsico à Índia. A Fugas embarcou no cruzeiro e depressa lhe percebeu os ritmos - leve no navio, alucinante em terra, onde houve lugar a lampejos do Oriente. Aliás, de vários orientes.

Estamos na proa a admirar o maior edifício do mundo que se vai afastando no horizonte como que encoberto por um leve véu ele e todo o horizonte recortado, quase cinematográfico, um equalizador em sinfonia arrítmica.

Estamos na proa, dizíamos, de um navio-cruzeiro, não é o maior ou o mais moderno do mundo, como as estrelas da família Royal Caribbean International (RCI), o Oasis e o irmão Allure. Este é o Brilliance of the Seas que sem ser, então, superlativo se prepara para inaugurar a nova rota da RCI Dubai-Índia - e o que vemos é portanto o Dubai, essa terra dos prodígios arrancados ao deserto.

Nós vamos com ele (nele) e para nós também é uma estreia, várias estreias, aliás: em cruzeiros, no Dubai, em Omã e Índia. Descoberta total, em ritmos distintos: leve, leve no navio, alucinante em terra.

Dia 1

O dia está a romper quando finalmente aterramos no Dubai. As primeiras impressões são as óbvias: saímos do interminável e opulento terminal do aeroporto para um bafo de calor que, por enquanto, lambe apenas (irá morder). De autocarro até ao hotel onde o pequeno-almoço é servido temos a primeira imagem da cidade - os arranha-céus de formas indisciplinadas que daqui não vemos como um verdadeiro skyline espreitam numa luz encoberta (é o tal véu finíssimo sobre a cidade - será sempre assim, é pó, é areia, dizem-nos): lá está o Burj Khalifa, o maior arranha-céus do mundo, e o Burj Al Arab, o hotel-maravilha que já foi o mais alto do mundo, vela enfunada no horizonte (de frente, vê-lo-emos, o pescoço de uma cobra-capelo); damos de cara com o "Creek", onde circulam e descansam os famosos dhows (os barcos típicos que continuam a viajar até à Índia), descobrimos um horizonte baixo, vemos palmeiras alinhadas, relvados com flores de cores impossíveis nos separadores.

Quando chegamos finalmente ao navio, constatamos que é uma "falsa partida": é preciso esperar para entrarmos nos quartos (o cruzeiro anterior terminou esta manhã) e mais tempo ainda pelas malas. Não se choram mágoas - o navio continua quase um desconhecido quando saímos novamente.

Sabíamo-lo em teoria, estamos prestes a sabê-lo na prática: o tempo de visitas em cruzeiros é curto e vai saber sempre a pouco. Ian, suíço de 40 anos, nove cruzeiros no currículo, chamalhe fast food travelling: "Andamos muito depressa, não temos ilusões de conhecer uma cidade ou um país. Temos um primeiro contacto e se gostarmos voltamos". "É um hotel de cinco estrelas que se move connosco", explica o companheiro, Andy, "vemos sítios bonitos sem termos a preocupação de ir de A a B".

Saímos, dizíamos, para a cidade. Dubai é igual a petrodólares (dirhams, na verdade) e isso é ostensivo. Este estado dos Emirados Árabes Unidos parece ter uma compulsão por fazer mais e, sobretudo, maior - ainda que o petróleo, fonte da sua fortuna recente, tenha um prazo de validade reduzido. Talvez por isso, as gruas que continuam a invadir a cidade estejam muitas vezes paradas - diz-se que 30 por cento das gruas mundiais estão no Dubai, nós atrevemo-nos a dizer que, então, 20 por cento das gruas mundiais estão inactivas.

Há esqueletos de prédios assombrados por gruas, locais de construção que parecem abandonados e há arranha-céus para todos os gostos e feitios (kitsch, fantasiosos, sóbrios) - não é à toa que o Dubai é conhecido como o paraíso dos arquitectos (recreio?) e o desafio dos engenheiros. Se o turismo já substituiu o petróleo como maior fonte de riqueza do país também é devido a estas excentricidades (que incluem a famosa ilha-palmeira artificial, Palms Jumeirah e o novo "arquipélago", "O Mundo") e a uma tendência iniludível para os excessos: o mais alto edifício, que tem ao lado o maior centro comercial do mundo (e neste, o aquário ostenta o maior painel acrílico do mundo), o maior anel de ouro do mundo e virá o maior aeroporto do mundo, entre outros. Tudo numa escala sobre-humana (pessoas a pé não se vêem) entre ordem e limpeza eloquentes.

É entre este cenário futurista que descobrimos a mais antiga "torre de vento", um sistema de "ar condicionado" primitivo, no complexo do "palácio" onde funcionava o governo do Dubai até há menos de 50 anos. Do primeiro andar do edifício modesto avistase o moderno e aí percebe-se o abismo que separa o Dubai de sempre do Dubai de agora - um quase entreposto de beduínos, organizado em tribos, e o estado e cidade do futuro.

E, assim, voltamos ao passado no "velho" Dubai, que ainda existe, buliçoso e colorido, depois da Grand Mosque, no início da "rua dos tecidos". Multidões na rua a desaguarem nos vários ancoradouros de dhows versão transportes públicos: a viagem é curta e animada, os barcos típicos cruzam-se carregados de gente. Na outra margem, vamos aos souks (o "normal" e o do ouro), luzes a acenderem-se: elas desfilam de vestes tradicionais, negro integral, eles de kandura (as longas túnicas brancas) e sabemos que são autóctones - os imigrantes pobres, a maioria da população, vestemse de forma modesta, coloridos gastos.

Dia 2

Quando o Brilliance of the Seas finalmente zarpa deixando para trás o skyline do Dubai, o cruzeiro "começa". Estamos há 24 horas no barco e começamos a desvendarlhe os segredos. A verdade é que saltámos muitas etapas (inclusive a de ler atentamente a informação fornecida), mas não esquecemos o primeiro aviso: agarrar-nos ao Sea Pass como à vida. Com este cartão magnético abrimos a porta da cabina, pagamos os consumos extras (bebidas alcoólicas, Internet e excursões, por exemplo) e, importante, é a única forma de entrar no navio.

Isso sabemos, portanto. O resto, os códigos de funcionamento (e até de comportamento), temos 12 dias para descobrir. E para desfrutar. Começamos na cabina, no deck 8, temos o privilégio de uma parede em vidro e uma varanda para lá dela; no interior cama king size fofa, área de estar e casa de banho surpreendentemente "espaçosa". Às vezes damos por nós a não querer sair - e, sim, é quase uma blasfémia perante o que este navio tem para oferecer.

Que não é nada de outro mundo, asseguram-nos outros viajantes experimentados. "Para mim, este não tem nada de especial", explica a portuguesa Maria Olinda Castro, 62 anos, que no ano passado viajou no Oasis. "É óbvio que este é muito diferente. É razoável". Porém, nós somos marinheiros de primeira viagem e o Brilliance of the Seas, mesmo longe das ofertas dos companheiros de elenco na RCI, é suficiente. Até para os mais experimentados o parece ser. "Para mim, este é o ideal", afirma Ian, apesar de o barco "não ser novo, vemos que serviu muitos anos" (desde 2002). É ideal "pelo tamanho, leva 2200 passageiros, mais é de mais"; "pelo charme, inexplicável", "pelo atendimento, mais familiar", completa Andy. "São estas pequenas coisas que o tornam especial", concluem.

Nós concluímos que estamos numa "vila", mas há "cidades" a navegar por aí, com o mesmo objectivo, o de proporcionar dias de dolce fare niente tanto que há quem faça disto um modo de vida, como o malaguenho Juan e o companheiro, reformados, "cruzeiristas" de vocação: entraram no início de Janeiro e só sairão em Maio.

Dia 3

O dia começa cedo para nós em Omã - às 8h30 desembarcamos em Mattrah, o porto de Mascate, a capital do sultanato onde os portugueses estiveram entre 1508 e 1648, apesar do aviso: o dia começa tarde aqui. À saída do porto entramos no mercado de peixe e, afinal, já há gente - homens, sobretudo, a vender e a comprar. As bancas são grandes plataformas onde o peixe está exposto sobre tapetes defronte do vendedor, sentado de pernas cruzadas.

O sol já queima enquanto caminhamos pela marginal da pequena baía, onde vai atracar o navio do sultão Qaboos (o governante, cujo nome está por todo o lado). O souk de Mattrah tem fama de ser um dos melhores do Médio Oriente - e daqui a pouco parecerá a caverna do Ali Babá resplandecente de dourados, prateados e pedras mais ou menos preciosas, tecidos e roupas coloridas, incensos e especiarias, artesanato de madeira e marfim...

De táxi (fazemos o negócio com intérpretes improvisados - quatro rapazes de kandura imaculada a caminho da escola) vamos à praia. Ao Ocean Dive Center, um centro náutico dos que começam a dar jus à nova fama de Mascate como "rival" da Grande Barreira de Coral da Austrália - e é um complexo privado, onde os veraneantes são estrangeiros e os barcos ultramodernos.

É um pequeno oásis à beira-mar, neste país ressequido pelo sol e verdejante, a espaços, pela vontade dos homens - circulamos por estradas modernas em paisagem quase lunar, mas há palmeiras em parte das bermas e quando nos aproximamos novamente de Mascate os separadores são canteiros com árvores de flores corde-laranja e vemos uma queda de água artificial.

Descobrimos Mascate entre montes coroados de pequenas torres fortificadas - na zona à beira-mar veremos mais, extensas fortificações (herança lusa) ainda em uso. O palácio do sultão e o museu são paragens obrigatórias, mas é nas ruas que se descobre este país de sorriso fácil - e, aparentemente, a aprender inglês: as crianças saúdam-nos, "How are you?".

Para ver a Grand Mosque fazemonos à auto-estrada, com passagem pela Porta Sultão Qaboos, até Ruwi, uma das três urbes que compõem, na prática, a capital. Trânsito compacto, hotéis à beiramar, grandes centros comerciais - à Grand Mosque chegamos dez minutos atrasados. Fecha às 11h00 - "voltem amanhã", diz o guarda. Amanhã é tarde, por isso espreitamos apenas para o jardim verdejante e luxuriante dentro do gigantesco complexo de cúpulas douradas, muros altos e edifícios sumptuosos.

Dia 4

O primeiro dia de navegação integral é o dia da exploração a sério. Ontem já estivemos na piscina ao final da tarde, logo depois de passarmos o Estreito de Ormuz - até às 15hoo é a confusão, espreguiçadeiras lotadas, piscina intransitável. Quando o calor abranda e o sol começa a desaparecer, esvazia - nós tivemos o luxo de estar sozinhos na água.

Agora, vamos entrar no mundo de lazer non-stop do Brilliance of the Seas. No Compass, o jornal diário de bordo, temos a agenda das actividades, que começam às 7h00 e terminam quando os passageiros quiserem - na discoteca Star Quest. Não há momento morto, mas há possibilidade de se perder o Norte de tudo o que acontece - com 12 dias a bordo, apostamos que se consegue ir a tudo. Nós não tentámos. Mas as actividades são tão variadas como torneios de voleibol e aulas de origami; seminários de acupunctura e ervas medicinais e torneios de bridge.

Começamos, após o almoço, no Centrum, no piso 4, com oito andares a mirar-nos em varandas - dir-se-ia a ágora do cruzeiro, com um bar, recepção e a vista para os elevadores transparentes que sobem e descem - , durante o dia pode estar ocasionalmente vazio, ao final já está composto e à noite pode transbordar (na 70's Party, por exemplo). Chegamos no fim do seminário Soluções para as dores nas costas e subimos logo até ao deck 11 onde a piscina é o centro do navio (local ideal para aferir a demografia: meia e terceira idade em larga maioria - também por causa da época do ano, explicam-nos), com jacuzzis, bares, espreguiçadeiras a perder de vista, como em todos os convés. E no que a piscinas diz respeito, temos ainda a do solário e a Adventure Beach, com escorregas de água e agora crianças em fila indiana seguindo a monitora. Ao lado está o campo de jogos, deserto, e acima alguns grupos jogam minigolfe - do lado oposto, os monitores de escalada esperam aventureiros (não vimos, mas hoje uma mulher de 84 anos subiu a parede). Já estamos cansados e ainda não entramos no ginásio; se tivéssemos entrado, teríamos depois o spa para relaxar.

Daqui a umas horas o Schooner Bar e o Colony Club estarão vestidos para a festa do comandante (uma das três noites de gala do cruzeiro). Por enquanto, no primeiro, tema náutico na decoração, joga-se o trivial quizz, no segundo, vasto espaço com apainelados de madeira e pista de dança ao centro, há uma aula de valsa. No minicentro comercial há curiosos nas lojas (nos últimos dias há "frenesim" consumista), e a discoteca é por estas horas o quiet space. E já falámos do Latte Tude? Do Champagne Bar? Do Scoreboard Bar? Do Sea View Bar? Do Hollywood Odissey? O cinema tem a plateia composta e o teatro de três andares está fechado para ensaio (esta noite há tango). O casino funciona non-stop e tem sempre alguém.

Dia 5

Navegamos em mar calmíssimo com humidade a níveis altíssimos. Assim como os raios UV - ontem houve aviso: o posto médico tem recebido um número anormal de casos de queimaduras. A pele vermelha anda à solta no barco - assim como os rumores. O diz-quediz-se confirma-se, há passageiros sem visto para a Índia. Christian e Denise Pedoussant, por exemplo, que vieram de Inglaterra para a visitar e afinal vão ficar à porta. Já fizeram vários cruzeiros e a agência de viagens não os informou da necessidade de visto - desilusão estampada nos rostos: "Quando viajamos num cruzeiro imaginamos tudo perfeito, tudo tratado".

Dia 6

A Índia do lado de fora e nós à espera do passe governamental para sair. Cochim aguarda-nos, ali na ponta do sub-continente, nas margens do Índico: depois das paisagens ocres e brancas da Península Arábica, verdes saturados e uma paleta de cores. Saímos nos táxis típicos, pretos e amarelos, três rodas, três pessoas apertadas. Por mais Índia que tenhamos "visto", a realidade tem outro impacto: à porta do porto já começam as multidões indisciplinadas, as bancas na beira da estrada, a confusão de carros, táxis, bicicletas, motos. Repetir-se-á em Bombaim, em menor escala em Goa - acontecem mil coisas ao mesmo tempo. Somos, antes de mais, agarrados visualmente; depois vem a explosão dos sentidos.

Não sabemos bem quando entramos em Cochim porque o movimento e as casas (lojas) são em continuum - a vida vive-se na beira da rua, quando não na rua. Mas quando damos por nós estamos no Palácio Mattancherry, português de origem, impressionantes murais do século XVII agora desbotados, quase imperceptíveis, e logo depois é o Museu Indo-Português (o Palácio Episcopal faz parte do complexo), essencialmente religioso, que nos surge. E estamos na parte histórica de Cochim, o "Forte de Cochim", onde os portugueses se estabeleceram em 1500 (foram "substituídos" em 1663 pelos holandeses).

Paramos na Basílica de Santa Cruz (1505) e chegamos à Igreja de São Francisco com uma invasão de turistas (do navio). A primeira igreja europeia da Ásia é portuguesa de construção, com certeza, e ainda guarda a pedra tumular de Vasco da Gama, que aqui esteve enterrado 14 anos antes de ir para Lisboa.

O comércio em redor é abundante - e com tudo o que vamos encontrar nas outras paragens indianas: roupas, sacos, bijutarias, instrumentos musicais tradicionais, imagens de deuses hindus esculpidos, tudo numa harmonia improvável de cores - mas é o encantador de serpentes que nos detém. Algumas rupias e assistimos ao "espectáculo", a uma distância mais que segura - o som da flauta, as tampas dos cestos levantadas uma por uma, e o ondular sinuoso das cobras-capelo.

O tempo urge quando chegamos às redes chinesas, ao pôr do sol pelo efeito visual. Assistimos, de longe (paga-se), ao ritual de içá-las com o embalo de cânticos e ainda percorremos o bazar ao ar livre que se desenvolve à beira-mar - o crocitar dos corvos é constante.

Voltamos ao barco em nova alucinação de trânsito.

Dia 8

Chegamos ao estado mais português da Índia manhã cedo e sem tempo a perder: táxi negociado no porto, itinerário estabelecido e pés a um caminho onde Portugal está omnipresente. Desembarcamos em Vasco (já foi da Gama) e rapidamente entramos em velocidade de cruzeiro de povoação em povoação, por entre nomes "familiares": a Pensão Rebelo, a Pereira Wines e a Domingos Furniture.

Pangim (capital do estado desde 1843) chega sem se anunciar. Primeiro o Paço Patriarcal, depois a Igreja da Imaculada Conceição, alvíssima no topo de uma escadaria dupla, e ainda o Instituto Menezes Bragança, onde obras nos impedem de visitar a colecção de livros raros - ficamos pela entrada de azulejos que retratam episódios de Os Lusíadas.

Na Velha Pangim encontramos Portugal "vivo" no Bairro São Tomé e nas casas que se debruçam sobre o Ribeiro de Ourém, coloridas com frisos brancos - e nas Fontainhas falamos português com Jovito Lopes, 62 anos, à porta de sua casa na Rua de Natal. É jornalista de O Heraldo, o mais antigo jornal português sobrevivente, mas publicado em inglês.

Perto da Capela de São Sebastião, uma das poucas casas hindus do bairro está decorada com colares de flores (como temos no nosso táxi): é 4 de Abril, o Ano Novo hindu - Gudi Padwa, conta Branca Miranda. Por isso a praia de Calangute, a alguns quilómetros, está cheia de famílias e o Forte de Aguada (construído em 1612) tem um engarrafamento de autocarros e táxis - começa a nossa odisseia fotográfica, indianos a pedirem-nos para tirar fotografias com eles.

O tempo urge para nós, mas a Velha Goa segue como imutável vislumbre do passado. Já teve 30 mil habitantes; agora é quase uma cidade-museu - e Património Mundial da UNESCO. Abandonada no século XIX, é um repositório de igrejas (diz-se que tem mais igrejas por quilómetro quadrado do que Roma) de fachadas maneiristas e interiores resplandecentes de talha dourada típica do barroco português. A mais incontornável é a Basílica do Bom Jesus, pedra castanha avermelhada para abrigar o corpo relicário de São Francisco Xavier. Do outro lado da grande avenida que a ladeia (com a primeira passadeira com que nos cruzamos na Índia), a Igreja de São Francisco e o Museu Arqueológico impávidos na sua alvura debaixo do sol tórrido, e um pouco mais abaixo, a Sé Catedral ergue-se algo desleixada mas altiva. O Arco dos Vice-Reis, quase negro, leva-nos até à beira-rio ladeada de palmeirais, porém impressionante mesmo são as ruínas de Santo Agostinho, uma torre rasgada ainda de pé (46 metros de altura) e restos de paredes grossas da que foi a maior igreja da Índia (construída em 1602).

Já desistimos de experimentar as bebincas, doce tradicional goês, e os ladoos encomendados também não vão connosco quando o navio se arrasta para o mar, entre colinas salpicadas de casas verdes, azuis, amarelas, brancas sob telha vermelha gasta pelo tempo.

Dias 9 e 10

Bombaim marca o final do périplo indiano. Julgávamos que sabíamos ao que vínhamos e confirma-se. Aqui cabe (quase) toda a Índia, imaginamos: frenética e apática, suja e colorida, monumental e miserável, perfumada e pestilenta.

Somos recebidos por uma vaga de calor que rapidamente se nos cola transportada por uma cacofonia contínua de vozes, música, e buzinas (ainda as ouvimos), literalmente por tudo e por nada. É a banda sonora apropriada para o caos das ruas (e milhares de táxis) - atravessá-las é desporto radical, caminhar exercício de resistência: às multidões compactas, ao calor e ao assédio dos vendedores.

A zona Sul desta cidade conquistada a terrenos pantanosos é o centro turístico - é a Bombaim mais vitoriana, testemunho do Raj britânico em pedra amarelada. O mais emblemático é a Porta da Índia, arco triunfal erguido à beira-mar, apinhado de turistas e, sobretudo, locais, e de onde partem os barcos para visitas turísticas e não só - ao lado erguese o Hotel Taj Mahal, inconfundível opulência em estilo mourisco. Perto, a Colaba Causeway é um imenso bazar a que se sobrevive com dificuldade - e por esta altura já não sabemos quantas mãos se abriram a pedir, quantas raparigas nos estenderam pulseiras de flores em troca de leite para os bebés que carregam.

Wellington Foutain (a nossa encruzilhada constante em Bombaim) está rodeada de edifícios grandiosos. A National Gallery Of Modern Art debruça-se sobre a rotunda e já se vê o Museu Príncipe de Gales, colosso em típico estilo indo-sarraceno. Mas o expoente desta opulência arquitectónica é a Estação Vitória, capricho neogótico mesclado com elementos indianos, cujo terminal recebe mil comboios e dois milhões de passageiros por dia (das ratazanas não há contabilidade).

Para Norte, em busca do Crawford Market, que vem em todos os guias mas tem um lado para além do pitoresco (os "matadouros" deixaram-nos o estômago revolvido e o nariz revoltado), percebemos a linha divisória (uma das muitas) na cidade - os edifícios já não estão decadentes, estão arruinados como numa zona de guerra. A gigantesca "lavandaria" ao ar livre Mdhlaxmi Dhobi Gaht já um local semiturístico com direito a vendedores e "guias": um bairro de lata à indiana dentro de outro bairro de lata - barbeiro na rua, templos hindus improvisados, famílias a pedir, crianças à cabeça - com tanques gigantescos a comporem puzzles, estendais que são pinturas abstractas e trabalhadores miseráveis.

Damos um salto à "praia" na Marine Drive para encontrar outra cidade (os arranha-céus estão no outro extremo), feita de prédios Art Déco arranjados a circundar a baía e vista para Malabar Hill, uma das zonas habitacionais mais caras da Ásia, e entramos no "campo dos sonhos" que é Oval Maidan, enorme parque nas redondezas da universidade, onde centenas de rapazes jogam críquete e ambicionam ser heróis nacionais. E quando menos esperamos invadimos "casas" de família, gente de olhar sujo que se ilumina de sorrisos tristes quando lhes falamos e que tem num pedaço de rua o seu porto de abrigo.

Fomos do oito ao oitenta em Bombaim, uma cidade que nos atrai e afasta em doses (quase) iguais. Pouco mais de 24 horas e partimos exaustos - não só fisicamente. Bombaim é a Índia, é o mundo, no seu esplendor e miséria.

Dias 11 e 12

O regresso ao Dubai faz-se sem sobressaltos, com a rotina normal só alterada pelas conferências sobre o desembarque. Chegamos manhã cedo. O Dubai continua envolto em névoa.

A Fugas viajou a convite da Royal Caribbean International

A "família" portuguesa

Há quem tenha inventado um desafio, partido à aventura, respondido a um chamamento, seguido uma carreira, improvisado outro caminho. Cruzam-se agora no Brilliance: cinco portugueses por detrás dos uniformes impecáveis. São as relações públicas do navio, embora tenham um nome mais pomposo - "embaixadoras internacionais" e na verdade o seu trabalho inclui a elaboração do Compass e informação sobre as escalas, a tradução. Ana Paula Noronha, 51 anos, e Elizabete Nunes, 42, a primeira chegou em Janeiro e tem no alemão a sua maisvalia, a segunda está a caminho do Adventure e o russo é que a distingue.

No Minstrel, a sala de jantar do navio, dois chefes de sala lusos, Pedro Gregório, 33 anos, e Ruben Marins, 26 anos. Chegaram aos cruzeiros com 20 anos e foram subindo na hierarquia - agora, só respondem ao maître e controlam secções do restaurante. No restaurante Portofino, é João Barriga (na foto), 30 anos, quem recebe os comensais: é o host, "o braço direito do chefe", diz-nos. E o marido de Ana Paula - uma história de amor que se forjou em alto mar, noutro barco, e aí se vive.

No mar, dizem todos, perde-se um pouco a noção do tempo e sentese falta de coisas banais de terra - ir ao café, fazer compras... Mas ganham-se novos horizontes.

O barco e o seu capitão

Pode não ser um gigante dos mares, mas os números do Brilliance of the Seas não são menosprezáveis - tem 293 metros de comprimento e capacidade para 3360 pessoas (neste cruzeiro 2028 passageiros de 47 nacionalidades - Reino Unido destacado à cabeça, Portugal com 86; e 867 tripulantes de 70 nacionalidades).

À frente desta "sociedade das nações", o grego capitão Margolis é um "novato" - recém-chegado ao navio, esta é a sua primeira viagem (por isso ainda não conhece todos os tripulantes, "estou a tentar, leva tempo"). Um dia antes do regresso ao Dubai, recebe-nos na ponte do navio (uma espécie de clube exclusivo, dizem-nos), dez andares acima do mar, janelas panorâmicas a meia-lua e, claro, o comando do navio, em cenário futurista, entre computadores e monitores. Durante o dia, três oficiais asseguram o controlo do navio, à noite são quatro - o capitão está sempre "de serviço" (dois meses e meio seguidos, para igual tempo de férias). "Posso estar 24 horas a dormir se não me chamarem, ou 24 horas a pé". Ele, que descobriu a sua vocação na televisão, com o Barco do Amor não tem dúvidas: "É um trabalho extraordinário. O capitão Stubing tinha razão."

O que se segue para o Brilliance of the Seas

Por estes dias, o Brilliance of the Seas faz o segundo cruzeiro DubaiÍndia, para em seguida voltar a Barcelona, o porto-base para a temporada de Verão na Europa.

Entre 7 de Maio e 16 de Setembro, sucedem-se os cruzeiros de 12 dias pelo Mediterrâneo em duas versões - ilhas gregas e Turquia (alternando passagem por Santorini e Mykonos), Veneza e Croácia. Em Novembro regressa ao Dubai e os próximos Dubai-Índia estão marcados 26 de Março e 7 de Abril.

Preços: No próximo ano, o cruzeiro Dubai-Índia terá preços de €1300 (cabinas interiores) a €3400 (suites) - a este valor é necessário acrescentar algumas taxas e as "gorjetas".

Como ir

A Turkish Airlines voa de Lisboa para o Dubai (escala em Istambul) com preços a rondar os €600.

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