Fugas - viagens

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Viagem a Portugal

Por Dragoljub Zamurovic

Um trabalho de Dragoljub Zamurovic, reputado fotógrafo sérvio, que nos conduz por quadros vivos de um Portugal que tanto ecoa na memória como supreende. Em "Viagem a Portugal, Terra Verde", Zamurovic une dois Nobel da Literatura: José Saramago e o seu clássico "Viagem a Portugal" e Ivo Andrić (servo-croata, nascido na, então, Jugoslávia) que também relatou viagens lusas (como, precisamente, em "Portugal, Terra Verde"). Um puzzle português congregado num projecto do fotógrafo com André Cunha e Maja Spanjevic.

Acordamos na fronteira. "Estranho despertar este em que o ar fresco e o verde se parecem com uma alvorada da minha infância. (...) Portugal abre a porta verde como numa manhã de festa." Ivo Andric, Nobel da literatura há 50 anos. Ele, nós os dois, o Dragoljub e a Dobrila Zamurovic, a Pilar e, claro, o José a guiar. Cabemos os sete no carro ali parado, numa ponte sobre o Douro, no "exacto centímetro por onde passa a invisível linha de fronteira", enquanto ecoa o sermão aos peixes que abriu, há três décadas, a sua "Viagem a Portugal", agora nossa. 

Dobrila explica porque Dragoljub parece meio-triste: "Perguntámos às pessoas, em Miranda, onde Saramago começou a viagem, mas ninguém sabe. O Dragoljub queria pôr metade da máquina debaixo de água e fotografar os peixes e o céu daquele lugar." Pilar também gostaria de imaginar essa foto: "Os peixes têm mais sentido de comunidade do que os humanos. As fronteiras, as bandeiras e os hinos são invenções humanas que perdem sentido perante a força prodigiosa de nos sabermos da mesma espécie. Se nos põem uns contra os outros, devemos dizer que não, que somos inteligentes como os peixes e que todos nadamos nas mesmas águas." No Douro ou no Duero, de onde o escritor partira para "olhar e ver" as cores de dentro do arco-íris português. "É o livro que levaria para uma ilha deserta", diz-nos Pilar, porque é nele que "Saramago está mais. Sem Viagem a Portugal talvez não tivéssemos o Saramago que hoje nos habita". E que agora nos guia...

Vermelho. A primeira cor do arco-íris. O vermelho das papoilas da página do lado, que, se vissem dali o Marvão, escutariam o José a compará-lo com "um daqueles mosteiros gregos do monte Athos". A mesma cor que salpica as cerejeiras do Solar de Mateus, antes que algum viajante sortudo apanhe o maravilhoso fruto: "Surpreendeu-nos ver escadas para as pessoas subirem às árvores e colherem cerejas no jardim do Palácio." Outra coisa não seria de esperar, diria o José, que ali se sentira "Viajante no País das Maravilhas", dentro do caleidoscópio criado pelo espelho dos lagos.

Laranja. "Portugal", Andric diria, "é um país associado à forma e ao sabor da laranja". Talvez porque a Sérvia pode ter a melhor cereja do mundo, os Zamurovic preferiram a fruta do sul: "Doces, grandes e sumarentas." Seriam talvez da "babilónia" de Setúbal, onde Saramago, passando fora de época, perdeu a "quinta-essência" do fruto que se chama portocal em algumas línguas dos Balcãs. "Foram as melhores laranjas que provámos na vida", assevera Dobrila.

O amarelo do sol. Aquele dos rebordos dos lares alentejanos (além do azul do mar), em contraste com o branco dominante. Fugimos pois das sete cores do arco-íris, levados por Saramago, para a brancura "dos abraços de cal que vão cingindo as ruas, luz de luar que ficou agarrada e não se apaga. (...) Quem foi que disse que o branco não é cor, mas sim ausência dela?" Dragoljub responde-lhe fotografando aquele homem que passa ali na rua. José dá a legenda: "Que paixão de branco vive na alma desta gente escura, tisnada de sol e suor." Aquele homem quase caminha para a adega onde, descreve agora a Pilar, "aqueles homens cantam segurando o mundo com as suas vidas". Dobrila brilha: "Alentejo, campo, liberdade. Percebi estas palavras e cantei com eles. De certa maneira faz-me lembrar a klapa da Dalmácia." Ouvindo a cantoria, José "fecharia os punhos sobre os olhos para não o verem chorar".

Voltamos ao arco do céu. Depois do amarelo, vem o verde de que Andric tanto gosta. Tanto que chamou à sua crónica "Portugal, terra verde", cujas frases de que apanhamos boleia foram traduzidas por Jairo Dorado. Dragoljub diz que o verde é uma cor difícil de traduzir na imagem, porque "é fria. É preciso encontrar alguma coisa de outra cor que possa acentuar um detalhe", e aponta a foto aérea daqueles agricultores do Ribatejo que, relembra-nos Saramago, estão sempre "a lavrar, semear, adubar, mondar, colher, o mesmo princípio e o mesmo fim, o verdadeiro movimento contínuo, que não precisou de inventor porque foi o da necessidade".

Azul. Do mar que espera por aquele rio na imagem do fotógrafo-pássaro ou do mar interior do escritor: "Os rios, como os homens, só perto do fim vêm a saber para o que nasceram." Ao lado, há um outro rio, uma outra cor, um quadro quase duplicado nas pinceladas de Zamurovic: "Tenho sempre uma composição na cabeça que procuro na natureza, nos vários sítios do mundo. Este pequeno rio de curvas apertadas é quase igual a uma foto do rio Uvac, na Sérvia. A fotografia aérea é muitas vezes uma pintura abstracta. Depois descobre-se um detalhe, algo de real. Sou um pintor com máquina fotográfica." Escutando-o, José avisa que "há um quadro que ninguém poderá pintar, é uma sinfonia, uma ópera, é o inexprimível. (...) A oitava maravilha do mundo". E pasmamos todos diante dos vinhedos do Douro.

Com tantas cores, vocês esquecem-se das pedras, mais importantes do que as paisagens, avisa Pilar. E José concorda porque em Monsanto "procura pedras, as que nenhum escopro bateu, ou, tendo batido, nelas deixou intacta a brutalidade (...) Junta-se um homem, junta-se uma pedra, homem, pedra, pedra, homem, (...) até à formação do inteiro corpo português". É por passagens como esta que Pilar insiste que estaViagem a Portugal não é um guia: "É um testamento e um projecto de vida. Oxalá pudéssemos voltar àquele Portugal. Modesto, com problemas, mas com consciência de ser e com uma honestidade que se derrama pelas páginas do livro."

Entre o azul e o violeta que fecha o arco-íris, está o anil, cor que muitas vezes o olho humano não distingue, mas que habitualmente não escapa à lente de Dragoljub Zamurovic. "Em cada livro ou grande projecto que faço tento sempre ter um arco." E onde foi o mais bonito? "Na Voivodina. Na planície via-se a volta completa, o que é raro. Tive imensa sorte em apanhar um homem com um burro e com ovelhas por baixo. Infelizmente, não vimos nenhum arco-íris em Portugal." No caminho de Saramago houve um, "o mais perfeito e completo de todos", anotou o escritor. E quando o nosso companheiro de viagem "passa debaixo do arco-íris, vê que lhe caem sobre os ombros tintas de várias cores, mas não se importa, felizmente são tintas que não se apagam e ficam como tatuagens vivas".

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