Fugas - viagens

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A Catalunha vestida de branco

Por Andreia Marques Pereira

Quase não a víamos, mas a neve chegou com a Fugas aos Pirenéus catalães, cobrindo florestas e aldeias de pedra e madeira em vales profundos de natureza eloquente. Entre pistas de esqui e igrejas românicas, calçamos raquetas e entramos em cenários brancos de postal que parecem ter o sortilégio de suspender o tempo.

É difícil descansar os sentidos mesmo quando começamos a deixar os Pirenéus catalães para trás. Quando pensamos que agora temos umas horas calmas embaladas pelo ritmo do mini-autocarro turístico até Barcelona, sobressaltos invadem-nos em cada curva desfeita na estrada de montanha.

Pensamos que já vimos tudo o que podíamos ver, mas descemos o Alt Pireneo, em Pallars Sobirà, para descobrir os vales dos arco-íris - que outro nome lhes podemos dar, se em cada um se desenham, vívidas, arcadas coloridas perfeitas que se despenham nas profundezas? -, e eis que mais uma curva revela uma manada de cavalos que faz da estrada a sua passarela enquadrada por jipes que impõem a disciplina possível. Barcelona está a duas horas de distância e aqui vamos nós em compasso marcado pelo trote curto destes cavalos baixos e entroncados, patas largas e crinas e caudas fartas de pêlo amarelado.

Para trás ficou a neve a cair copiosamente, revoluteando entre pinheiros, sobre teleféricos e esquiadores, passamos chuva esparsa com o sol a espreitar nos picos montanhosos, e entraremos mais à frente na velocidade de cruzeiro do sol deste Outono prestes a passar o testemunho ao Inverno. Vales cobertos de abetos, prados salpicados de gado, rios, riachos e ribeiros cristalinos e nervosos a fugirem entre rochas, árvores que são esqueletos e parques de campismo desertos, povoações de casas de pedra e madeira desfilam lá fora.

Fugimos das montanhas em planaltos rochosos, com águias a sobrevoar, passamos para planícies de terra dourada e aldeias solitárias e já estamos a chegar às portas da Catalunha cosmopolita por que o mundo suspira. Barcelona é o rosto mais conhecido desta comunidade autónoma espanhola, cartão-de-visita deste "país" (como se lê nos panfletos turísticos), mas as raízes mais profundas estão alicerçadas nos contrafortes dos Pirenéus. Foi dali que houve Catalunha e foi por aí que a Fugas andou, atrás da neve e quem diz desta diz de toda uma nação orgulhosa da sua história e da sua cultura - à boleia desta passamos por Cataluña, Catalunya e Catalonha.

Não "saímos" de Lleida (nome oficial de Lérida) mas aprendemos a Catalunha em várias declinações percorrendo as suas montanhas. Nesta província do noroeste catalão, fronteira com França e Andorra, os Pirenéus não são apenas um cenário majestoso que a abraça em grande parte: são o actor principal. Actor-motor do quotidiano. Ainda há agricultura e a criação de gado é visível por todo o lado, nos prados que agora se cobrem de neve, permanece alguma indústria (sobretudo alimentar), mas é incontornável: os Pirenéus de Lleida descobriram a sua aptidão turística nata e especializaram-se - desdobram-se num mundo de prazeres ao ar livre que se sucedem na cadência das cores que pintam as paisagens.

Primavera, Verão, Outono. Entramos com o Inverno a bater à porta e o manto branco a começar, finalmente, a assentar no solo gélido e dar vida às 17 estações de esqui dos Pirenéus catalães - é a comunidade espanhola com mais, que são também as mais frequentadas (quase dois milhões de visitantes em 2010). Já vem fora de tempo, a neve, como nos dizem todos - estamos a entrar na semana do Natal e quase não a víamos.

"Ela veio convosco" é brincadeira recorrente. Vieram os primeiros nevões "a sério" e se apanhamos algumas estações abertas, outras vemos ainda nos preparativos, a aproveitar a boleia da neve fresca. No meio de alguma apreensão. Afinal, a "ponte da Constituição", no início de Dezembro, costuma representar 10, 20 por cento da temporada, ouvimos nas estações visitadas, e essa foi perdida por quase todas - e há a crise que também se nota na flexibilidade inaudita dos pacotes apresentados pelas estações e nos preços quase intocados relativamente a anos anteriores. É nisso que também se pensa na montanha, enquanto esta se transforma num gigantesco parque de desportos de Inverno que vive entre as pistas e o aprés-ski, entre o bulício e o bucolismo.


Território românico

A nossa porta de entrada catalã é Barcelona, mas o que importa é a porta de entrada nos Pirenéus: a nossa é Erill la Vall, povoação minúscula de pedra, madeira e umas poucas ruas. Passam dois turistas, mochilas nas costas e guias nas mãos, e chega a neve prometida - por enquanto, fiapos ligeiros.

Em volta, os picos nevados, moldura ideal para a fotografia obrigatória do ex-líbris do sítio: a igreja românica de Santa Eulália, torre esguia e pequeno cemitério adjacente. Passamos-lhe ao lado, para entrar no templo, para uma nave reduzida e de simplicidade extrema onde sobressai, no altar, um conjunto a compor uma Descida da Cruz, uma cópia; vemos as figuras cor de madeira, as originais eram pintadas. Não só as imagens eram pintadas, as próprias paredes o eram, explica-nos a guia - o ascetismo românico que chegou até nós é ilusório: o tempo despiu grande parte dos monumentos dos seus murais e estatuária.

Vamos ver alguns exemplares restaurados. Estamos em região privilegiada, ou não fossem os Pirenéus uma espécie de santuário do românico. E Eril la Vall não foi a nossa primeira paragem à toa: aqui encontramos, mesmo ao lado da igreja, o Centro do Românico de Vall de Boí - e este não é um centro qualquer, de um vale qualquer. Vall de Boí, recanto remoto de L'Alta Ribargoça, é um território a abraçar Património Mundial da UNESCO: nove igrejas românicas foram classificadas em 2000. Porque são um "paradigma" da arte românica catalã.

Alinhadas com Santa Eulália estão Sant Climent de Taüll e Sant Joan de Boí - os campanários serviam de torres de comunicação (e de vigilância). As curvas e contracurvas no caminho fazem parecer maior a distância: Sant Climent é a mais relevante das igrejas de Vall de Boí - pelo tamanho (impressiona a sua torre sineira: escadas íngremes unem seis pisos, cada qual com janelas arcadas e vistas deslumbrantes), pela conservação, pela grandeza arquitectónica das suas três naves com abside.

O seu interior revela-nos uma Idade Média mais "real" com a austeridade da pedra coberta de frescos, alguns originais, quase todos cópias - os "verdadeiros" foram retirados das igrejas na campanha de preservação (e "redescobrimento") de 1919 a 1923, quando se percebeu que estavam a ser vendidos, e agora estão em museus -, mas está preenchido com uma ausência, o célebre Cristo Pancreator, considerado uma das obras-primas do românico está no Museu Nacional de Arte da Catalunha.

Às portas da povoação, esta não é a única igreja românica de Taüll. Bem dentro do emaranhado de ruas empedradas, entre casas típicas de montanha, dois andares de pedra e varandas alpendradas de madeira (muitas segundas residências e casas para alugar), encontramos Santa Maria de Taüll. A sua localização distingue-a: é a única do Vall de Boí que está dentro de um pueblo.

Começamos pelo aprés-ski a nossa investida pirenaica - mas com um bom motivo, está visto. Neste Vall de Boí, uma das entradas para o único parque nacional da Catalunha, o de Aigüestortes i Estany de Sant Maurici que aqui se desdobra em florestas, lagos, nascentes de água quente, a neve começa a fazer-se notar mais forte durante a tarde e à noite percebe-se que veio para ficar. Nessa altura já estamos no resort de Boi-Taüll.

Quando chegamos, vai a tarde a meio, o complexo de seis hotéis (de duas, três e quatro estrelas) e uma série de edifícios residenciais a 1600 metros de altitude parece uma aldeia fantasma: ninguém nas ruas, a grande piscina e campos de jogos centrais abandonados ao Inverno. É no crepúsculo que tudo começa a mexer por aqui, quando as pistas dão o dia por terminado - as lojas despertam (de material de esqui e de souvenirs, sobretudo, mas também supermercados, por exemplo), os bares compõem-se, os restaurantes também e nas ruas os passos já não são solitárias.

Mas a meio da tarde, dizemos, não há muita gente ("Isto deveria estar a tope", desabafará mais tarde o director, "mas não há neve, por isso está parado") - nem no spa Augusta, 1200 metros quadrados no hotel homónimo, o único quatro estrelas do resort, onde temos mais um aprés-ski antes do esqui, entre piscina dinâmica, sauna, banho turco. E para a experiência de resort de neve ficar completa, a noite termina na discoteca, onde todos os caminhos vão dar - La Fiesta Flash leva grupos de estudantes arriba e abajo - , mas termina cedo, porque a neve também começa cedo e quem aqui está não a troca por uma pista de dança.

O termómetro na base da estação de Boi Taüll indica oito graus negativos. São nove horas da manhã e de maneira alguma sentimos essa temperatura - e, em abono da nossa objectividade, ainda nem sequer começamos a esquiar, altura em que, aí sim, o frio parece desaparecer milagrosamente. Não vamos sair das redondezas da cota mínima (2020 metros) desta estação, o que significa que não vamos subir até ao ponto esquiável mais alto dos Pirenéus (2751 metros), um dos seus principais atractivos.

A estação desdobra-se em cone invertido, o que a torna user friendly (dificilmente alguém se perderá aqui), com todas as pistas desenhadas na mesma face da montanha e a desembocar aqui, aos pés deste terraço que enche e esvazia ao ritmo do esqui. Local de descanso, miradouro para as diversas faixas brancas onde deslizam personagens coloridas com maior ou menor proficiência: mesmo à frente, por exemplo, termina uma pista vermelha, mas este final é uma pista azul, onde iniciantes-avançados evoluem - por cada chegada "em estilo", com neve a voar, há outra tímida, com esquis em cunha desde meio da encosta.

À hora do almoço, a estação está no seu pico de movimento - nas pistas como no terraço de La Carlina, um dos seus restaurantes, na base. Grupos de crianças de escolas, roupas iguais com emblemas de patrocínios e capacetes, deslocam-se em uníssono, grupos de jovens de escolas com roupas distintas, grupos de amigos, jovens e menos jovens, pranchas de snowboard, esquis e batons e música a explodir das colunas.

Durante a manhã, ouvira-se uma série de "campiones, campiones" e foi fácil saber que o Barcelona acabara de ganhar a Taça Intercontinental - nem prestámos atenção, na azáfama de subidas e descidas da pequena colina onde Nacho, o instrutor, ajudava os neófitos nos primeiros passos. Há duas escolas na estação, uma da própria e outra do município; vários grupos dividem o espaço tentando não se atrapalhar mutuamente e, sobretudo, não resvalar para a pista que passa mesmo ao lado com uma velocidade incomparável. Não será bem como andar de bicicleta, mas quem esquia uma vez, à segunda pode saltar os básicos sob o risco de se aborrecer de morte.


Terras aranesas

Não é um portal para outro tempo, mas é fácil deixar a imaginação à solta quando sabemos que só com a abertura do Túnel de Vielha, em 1948, este território passou a estar comunicado com o resto do país durante todo o ano, sem estar sujeito aos caprichos do tempo da alta montanha (30 por cento do território está acima dos dois mil metros). É um local especial, este Vall d'Aran, fronteira com França, e o facto de ser o único vale Atlântico dos Pirenéus é a menor das suas idiossincrasias - excepto quando se fala de neve: aí, tem uma importância superlativa essa espécie de microclima que aqui é quem mais ordena. Mas ainda não chegamos às estâncias, essa será a última etapa na descoberta deste "país" occitano.

Foi durante séculos um enclave, isolado pela neve durante longos invernos e protegido de influências externas por montanhas de mais três mil metros de altitude - o rio Garona, que aqui nasce para correr em direcção a norte, a França, foi a via de comunicação mais constante nestas paragens que, portanto, se desenvolveram mais em proximidade com o país vizinho do que propriamente com a Catalunha, de que fazia parte administrativa. O aspecto mais visível deste "namoro" é a língua que se desenvolveu no Val d' Aran, o aranês, a terceira língua oficial da Catalunha, descendente directa da Língua d' Oc e que não é uma peculiaridade abstracta do vale, é uma presença viva no quotidiano.

Vielha é a capital do vale e é tão velha quanto a presença romana por aqui, quando era conhecida por Vétula. Dos romanos reza a história, é medieval o seu rosto mais antigo, escondido entre a cidade moderna onde avultam hotéis ao longo da avenida principal, lojas de desporto que se cobrem agora de equipamento de neve já com saldos anunciados. Caminha-se evitando as armadilhas do gelo, encontra-se o conforto de calor em pequenas pastelarias e no restaurante Era Plaça há quem se esqueça do frio na esplanada, debaixo de aquecedores - com vista para o edifício arcado do Ayuntamiento, a praça, onde as árvores são troncos e ramos cobertos de neve e as casas castanhas, amarelas, rosa-velho, terminam em triângulos que são telhados inclinados, e a icónica igreja Sant Miqueu, românica.

Antes das 19h, começa a juntar-se gente na sua porta, lateral, embutida em cinco arquivoltas com cenas do juízo final na torre octogonal, e quando a hora bate certa há um coro que canta, em aranês, para o serviço religioso a que assistem várias famílias sob a abóbada de berço da nave central, ladeada por capelas laterais que são quase nichos, onde pinturas murais do século XII sobrevivem - como sobrevive uma pia baptismal românica e o famoso Cristo de Mijaran, torso de madeira inclinado, cabelo e barba escuros, olhos fechados e costelas marcadas em traços paradigmáticos da iconografia românica, que será um fragmento de uma maior Descida da Cruz.

O rio Nère corre ali, estreito mas barulhento, saltando pedras e enfiando-se debaixo da ponte - atravessamo-la e, do lado esquerdo, o casco antigo desfaz-se em ruas estreitas e casas brasonadas, pouco iluminadas debaixo da neve que cai regular brilhando sob os candeeiros de luz amarela. Uma das "instituições" gastronómicas da cidade encontra-se aqui, em vielas de casas de pedra sem saída: a Sidrería Era Bruisha, paredes de pedra e mesas de madeira com bancos corridos, a servir comida típica do Val d'Aran, da carne assada na brasa mesmo ali ao lado ao peixe dos rios da montanha - tudo acompanhado de sidra (e não só) em ambiente de descontracção.

Arties está a poucos quilómetros de distância, os suficientes para recuperar os Pirenéus mais naturais - é a porta aranesa para o Parque Nacional d'Aigüestortes i Estany de Sant Maurici. Não há avenidas, não há palácios de gelo, nem centros comerciais de que os menos de três mil habitantes de Vielha usufruem: o gelo aqui está por todo o lado - que é como quem diz, de ambos os lados do rio que corta a povoação tipicamente pirenaica unida por pontes graciosas: dédalo de ruas marginadas por casas de pedra, algumas renascentistas, muitas no estilo tradicional com twist contemporâneo abrindo-se em largos, varandas de madeira, telhados de ardósia, janelas de guilhotina. Duas igrejas de referência (uma românica de origem e outra gótica pura), pequenos hotéis de charme onde o aprés-ski se vive de forma mais intimista em lareira de pedra, com chá quente ou vinho que aquece, bares de tapas, bares de copas que continuam à espera de clientes - de neve na estância, portanto.

Estamos a percorrer os Pirenéus profundos, mas estamos na órbita de Baqueira Beret, o farol turístico destas paragens, garantindo casas bem compostas nos hotéis, pousadas e pensões dos vários pueblos do vale durante a temporada de esqui. Aglutina todos os que procuram desportos de Inverno, mas estes não se confinam à estância.

Se numa manhã de Inverno um viajante decidir caminhar, pode ir de Arties a Salardú a corta-mato: entrar na paisagem imaculadamente gelada, esquecer o tempo e viver a natureza mano-a-mano. Raquetas de neve nos pés é o necessário para nos aventurarmos em cenários de postal, que de outra forma só conheceríamos assim mesmo, em postais. A neve tem vários, muitos, centímetros de altura, as árvores estão despidas de folhas e vergadas de neve como lingotes brancos pousados nas ramagens - a tentação é tocar-lhes, agarrar a neve com as mãos, mas não queremos perturbar a beleza quase insustentável - e marchamos ritmadamente por caminhos estreitos que são como naves desta catedral natural.

Já lá vão quase duas horas profanando a neve com pegadas profundas quando tiramos as raquetas num parque de estacionamento com auto-caravanas paradas aos pés de Salardú, restos de muralha a confundirem-se com os típicos muros de pedras da região nesta aldeia rodeada de água. O rio Garona e o rio Unhola circundam-na para depois se encontrarem encapsulando o casario de típico perfil pirenaico, em que os edifícios de pedra, madeira e ardósia se misturam com uns poucos de cores fortes, todos sob telhados inclinados.

Um grand danois passeia, alheio à neve, à porta do café onde o dono, Patxo, e o grupo de amigos fazem horas, já equipados para "atacar" as pistas de Baqueira Beret - as armas preferidas: pranchas de snowboard. Nós bebemos chocolate quente e subimos, com dificuldade, até à igreja de Sant Andréu: montanhas erguem-se acima, a aldeia estende-se colina abaixo; à nossa frente os muros amarelados da igreja surgem manchados, nos seus contrafortes e maciça torre-campanário. De origem românica preservada no exterior, rendeu-se ao gótico no seu interior de forma exuberante: murais cobrem paredes e elegantes abóbadas cruzadas fazendo-nos andar constantemente de cabeça no ar. Baixamo-la na abside, onde o Cristo de Salardú a tudo preside com ar contrito e resignado.

Chegamos a Baqueira Beret, a maior estância dos Pirenéus espanhóis, em pleno nevão: os flocos caem, fofos, constantes. É uma ironia, neva e há um manto de altura bastante considerável ("entre 60 e 100 centímetros", ouviremos o director da estação dizer, em francês, ao telefone), mas não é o suficiente para experimentarmos as pistas da mais famosa estância de esqui espanhola - mais que não seja por ser a eleita da realeza -, que abrirá no dia seguinte.

Hoje a azáfama é quase toda de bastidores: no centro de acolhimento são vendidos forfaits a uns quantos; nas pistas sobem e descem máquinas e especialistas que vão assegurar que a neve está à altura dos pergaminhos - a melhor de Espanha, diz quem sabe. "A neve fez-se esperar", brinca o director, Aureli Bisbe. Até agora, nevou três vezes. As duas primeiras apenas acima dos dois mil metros, aqui, a 1500, já era chuva.

A estação de Baqueira Beret é na realidade Baqueira, Beret e Bonaigua, três áreas distintas mas integradas e ligadas entre si por um número elevado de meios mecânicos. A de Beret, explica Aureli Bisbe, é a melhor para debutantes, a de Bonaigua para "fora de pista" e Baqueira para esquiadores avançados - o que não invalida que cada uma tenha pistas para todos os perfis. Vemos o mapa das pistas e temos uma ideia da imensidão do domínio esquiável, que tem uma área de 1922 hectares (e um desnível de 1010 metros), passando do Vall d'Aran e entrando no Vall d' Àneu, em Pallars Sobirà.

Não vemos muito da estação, confinados que estamos às áreas de recepção, junto à única telecabina da estação, que recentemente alargou os seus serviços, passando a descer até ao complexo residencial do Vale de Ruda, em Baqueira 1500, o núcleo habitacional aos pés da estação. É aqui que se desenvolve parte do afamado aprés-ski de Baqueira Beret, que lhe dá tanta fama quanto a neve. Restaurantes para vários gostos, bares e discotecas compõem uma oferta atractiva neste aglomerado de arquitectura típica mas em versão ampliada (e por vezes estilizada) para albergar prédios e hotéis - Baqueira tem o maior número de hotéis de montanha de luxo dos Pirenéus catalães. Os dois últimos foram inaugurados aqui em Ruda 1500 em 2008 - visitamos um, o Hotel Val de Neu, vale de neve, e pareceu-nos digno de reis.

Também Baqueira Beret pareceu um dia merecedora de reis e então surgiu um real golpe de marketing, como ouvimos alguém comentar: a casa da família real espanhola - este ano, não se espera que a realeza se faça às pistas, mas "à conta dela vem muita gente", aristocratas e colunáveis incluídos, que põem a estação na boca do mundo. Passamos pela casa de Juan Carlos e família, quase indistinta das outras que compõem a Pleta Baqueira, na estrada que se faz e desfaz em curvas trepando entre a cota 1500 e a cota 1700.

É aqui que estão os hotéis mais altos de Baqueira Beret (a estrada continua a subir para Beret, mas aí não há hotéis) juntamente com prédios, supermercados, escolas de esqui que formam o núcleo Tanau, servido por telecadeiras: daqui de cima, vendo o emaranhado de cabos que sobe montanha acima, imaginamos uma rede de metro, que sobrevoa a montanha unindo todos os pontos importantes da que é considerada a estância mais alpina da península.


Pallars Sobirà, agreste e pura

Até à abertura do túnel de Vielha, o Port de Bonaigua era a única via de comunicação para o exterior de Val d'Aran e é por ele que nos despedimos. O clima ainda condiciona a circulação por esta estrada de alta montanha: tivemos sorte, conseguimos passar embora a neve caísse com vontade. Val d'Aran, Val d' Àneu um prolongamento natural que Baqueira Beret acompanha e já estamos em Pallars Sobirà, terra antiquíssima, cheia de pergaminhos. Históricos e naturais: ocupada desde a pré-história, polvilhada de castelos medievais, é hoje território eminente de desportos ao ar livre, com ênfase nos de aventura, por obra e graça de uma natureza pródiga, a mais agreste e pura dos Pirenéus, clamam as suas gentes.

O pico mais alto da Catalunha (Pica d' Estats, 3143 metros) e o maior lago dos Pirenéus (Certascan) são a jóia da coroa desta comarca que na sua maioria é área protegida (é aqui, por exemplo, que se encontra a maior porção do Parque Nacional de Aigüestortes i Estany de Sant Maurici) e possui aquele que é considerado o melhor rio europeu de águas bravas, ideal para a prática de rafting, o Noguera Pallaresa (que dá nome a uma reserva natural).

Llavorsí, cidade rodeada por três vales (Àneu, Cardós e Vall Ferrera) é a principal porta de entrada para os desportos de aventura que o rio oferece. Nós passamos lá a noite, mas do rio, devemos confessar, nem vislumbre temos. É no dia seguinte, em Port Ainé, que dele ouvimos falar mais entusiasticamente. Bernat passa o Verão ao ritmo das águas poderosas do rio, entre caiaque e rafting, por exemplo. Agora que a neve tudo cobre, e enquanto não chega o "rafting de neve" à estação de Port Ainé, Bernat dedica os dias a dar aulas de esqui. Entre outras coisas: ia ser o nosso guia num abortado passeio de raquetas, acabou por ser o nosso guia num rápido passeio pela estação e instrutor informal na construção de bonecos de neve.

Nas redondezas de Port Ainé a neve parece escassa e custa a crer que a estação está aberta. Mas quando chegamos à cota 2000, onde também se situa o hotel, o cenário já está outra vez branco, no céu como na terra. A neve intensifica-se ao longo da manhã e quando subimos em telecadeira com o vento mais forte parece que chicoteia levemente a cara. A estação abriu a 8 de Dezembro, como Boi Taüll, e por estes dias o hotel está cheio de grupos de estudantes e bastantes particulares - quem não estiver hospedado no hotel também faz a sua entrada na estação por aqui.

É pequena, esta estação (uma área esquiável de 48 hectares e 32 quilómetros de pistas), e o hotel que faz as vezes de recepção principal, com a sua arquitectura tipicamente alpina de pedra, madeira e mansardas ali no meio da encosta, empresta-lhe uma atmosfera muito familiar - nada prejudicada pelo facto de o hotel estar com os pés nas pistas. Elas estão logo aí, descem até 1650 metros e vão subindo até ao Pic de l' Orri, o ponto mais alto da estação, com 2440 metros, e um miradouro de 360 graus -  quando está claro, o horizonte estende-se de Aragão a Montserrat.

Não chegamos lá acima, onde até há uma pista de iniciantes, porque o frio o desaconselha, nem damos a volta à estação em "forma de coração". Na verdade, nem os esquis calçamos: enterramos as botas e enfiamos as mãos na neve para construir Porti, testemunho, certamente efémero, da passagem dos portugueses por Port Ainé (o nome foi sugerido pela guia catalã).

Mesmo em frente ao terraço do hotel, algum equipamento lembra as actividades de Verão que Port Ainé também oferece. Porque aqui, como noutras estações, há a temporada de Inverno - normalmente de Dezembro até à Páscoa, mesmo que tenham de socorrer-se de neve artificial (todas as estações estão equipadas com dezenas de canhões) - e a de Verão, Julho e Agosto. Estão fechadas o resto do ano, mas não os Pirenéus. Voltamos ao início: aqui, tudo corre ao sabor das estações.

Mesmo agora, que os serviços constituem grande parte da actividade - serviços turísticos, bem entendido. Bernat, o instrutor de Port Ainé, é exemplo disso. Nasceu nas redondezas, com os esquis nos pés, praticamente. Chegou a competir profissionalmente, em esqui e também caiaque. Até aos 22 anos. Os pais advertiram-no da segurança de ter um curso e ele ouviu-os. "Pensei: ‘Chego aos 30 anos e que vou fazer?'" Estudou turismo. Fez cursos de esqui e caiaque. "Faço tudo o que gosto." Aqui, nos Pirenéus.


Boi Taüll, ninho de águias

Havia falta de neve nos Pirenéus quando por lá andámos, mas a Estação de Boi Taüll já estava a funcionar há algumas semanas - ainda que muitas vezes a meio-gás, em sobressalto quase diário para avaliar a abertura de pistas. É a estação mais alta dos Pirenéus espraiada em 46 quilómetros distribuídos por 48 pistas desenhadas para servirem vários níveis de esqui (seis verdes, oito azuis, 25 vermelhas e nove negras) - e é necessário contar com o domínio "fora de pistas", que não é menosprezável. Recentemente recebeu a companhia de um snowpark, para a prática de freestyle, que já é considerado um dos melhores da península e tem duas escolas; para as crianças, há jardim de neve e infantário, com monitores. Além dos desportos em pistas, com quatro restaurantes, oferece outras actividades, como passeios em motas de neve e com raquetas.

Aberto no início dos anos 1990, o Boi Taüll Resort tem um complexo hoteleiro que fica a sete quilómetros das pistas. Aqui, tivemos um relance da vida no resort, um aldeamento turístico que inclui seis unidades hoteleiras - de residenciais a hotéis de duas, três e quatro estrelas, assegurando oferta para bolsas variadas. A animação está incluída, com bares, restaurantes e até discoteca, lado a lado com comércio, incluindo supermercados, e para as crianças há clube infantil com monitores (grátis até seis a anos).

No Verão, a zona de piscinas (comuns - alguns hotéis tem as suas), parque de jogos (ténis e miniténis, minigolfe, entre outros) está à disposição; no Inverno, o spa Augusta oferece relaxamento, especialmente bem-vindo depois do esqui. Entre o complexo hoteleiro e as pistas há um serviço de autocarro regular e o aluguer de equipamento pode ser feito num sítio ou noutro - sempre com a garantia de que pode ficar guardado nas pistas.

Como resort que é, Boi Taüll oferece um serviço integrado, que permite reservar hotel e forfait num mesmo pacote e ter tudo pronto e à espera à chegada.

Estação de Esqui Boí Taüll Resort
Valle de Boí - 08021 Zona Taüll (Lleida)
Tel.: (+34) 902406640
Email: reservas@boitaullresort.es
www.boitaullresort.es/

Tarifas de forfait: Adultos de 37€ (um dia) a 180€ (sete dias); crianças de 27€ a 116€. Meio dia: 26€ (adultos) e 22€ (crianças) - temporada alta.


Baqueira Beret, a real

É a maior estação dos Pirinéus catalães e a mais famosa, símbolo de status que lhe empresta a fidelidade da família real. Baqueira Beret - distribuída pelas zonas de Baqueira, Beret e Bonaigua - foi declarada Centro de Interesse Turístico Nacional e nos últimos anos não se cansou de fazer melhorias à altura dos pergaminhos. Os seus números destacam-na: 120 quilómetros em 78 pistas (seis verdes, 36 azuis, 29 vermelhas, sete pretas), dois snowparks, um estádio de slalom, 33 teleféricos e 17 restaurantes e cafetarias em pistas (incluindo um de alta de cozinha a 200 metros do núcleo Bonaigua 2072, em plena alta montanha, portanto). Há pista de esqui nórdico e um domínio enorme de fora de pista - as actividades extra-esqui incluem passeios em trenó puxados por cães, motas de neve, raquetas, visitas guiadas à estação, piqueniques (semanais) nas pistas.

Para usufruir plenamente de tudo, sem complicações, há seis pontos de aluguer de equipamento, distribuídas pelo domínio, e 16 escolas de esqui asseguram que ninguém tem desculpas para não experimentar as pistas. As crianças têm três parques infantis em pista e uma creche e os debutantes têm forfait reduzido na zona de Beret.

Na órbita de Baqueira Beret, no pé das pistas e nas povoações em redor, há 7200 alojamentos e transportes públicos de acesso à estação - do lado do Vall d'Aran, não em Pallars Sobirà. Os vários núcleos têm parques de estacionamento. Quando se faz a reserva do forfait na estação há a possibilidade de ter tudo à espera no hotel escolhido.

Baqueira Beret
(Vielha) - 25530 Baqueira Beret (Lleida)
Tel: (+34) 973 63 90 10
Fax: (+34) 973 64 44 88
Email: baqueira@baqueira.es
www.baqueira.es/

Tarifas de forfait: Adultos de 46€ (um dia) a 237€ (sete dias); crianças de 30,50€ a 150€. Temporada alta.


Port Ainé, esqui à medida

Não é grande a estação de Port Ainé, mas "dá acesso a uma importante área esquiável". Isto porque há quatro anos se juntou a outras duas estações fornecendo o mesmo forfait - Espot e Tavascan, que constituem o grupo Ski Pallars. Pode ser apenas uma porta de entrada, portanto, mas para famílias e principiantes é aconselhada: a oferta está concentrada num sítio. Afinal, aqui até há um hotel ao pé da pista - pode sair-se literalmente de esquis e evitar a logística que chega a confundir no início.

Pequena, portanto, mas com tudo que um neófito necessita - e não só: entre as suas 22 pistas (num total de 32 quilómetros), há seis negras e sete vermelhas que convivem com sete verdes e duas azuis. Tem aluguer de material nas suas duas "entradas", uma escola de esqui e um snowpark. É servido por seis restaurantes e cafetarias, duas lojas, e as crianças têm um jardim de neve mesmo em frente ao hotel, que possui um infantário. Extra-esqui, Port Ainé oferece um circuito de quads e outro de orientação na neve, excursões de raquetas e construção de iglus.

O hotel é de três estrelas, a dois mil metros de altitude. Em redor, só encostas de neve e floresta; lá dentro, salas de jogos, bares, ginásio com sauna, jacuzzi e massagens e um miniclube para crianças. Na central de reservas, fazem-se programas à medida de cada um, respondendo às necessidades individuais.

Estação de Port-ainé
Estació de Muntanya Cota 2000
Rialp 25594
Tel.: (+34) 973 627627
Fax: (+34) 973 627620
Email: hotel2000@skipallars.cat
www.skipallars.com/

Tarifas de forfait: Adultos de 35€ (um dia) a 184€ (sete dias); crianças de 25€ a 129€. Meio dia: 29€ (adulto) e 20€ (crianças). Temporada alta.

A Fugas viajou a convite do Turismo de Espanha

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