É difícil descansar os sentidos mesmo quando começamos a deixar os Pirenéus catalães para trás. Quando pensamos que agora temos umas horas calmas embaladas pelo ritmo do mini-autocarro turístico até Barcelona, sobressaltos invadem-nos em cada curva desfeita na estrada de montanha.
Pensamos que já vimos tudo o que podíamos ver, mas descemos o Alt Pireneo, em Pallars Sobirà, para descobrir os vales dos arco-íris - que outro nome lhes podemos dar, se em cada um se desenham, vívidas, arcadas coloridas perfeitas que se despenham nas profundezas? -, e eis que mais uma curva revela uma manada de cavalos que faz da estrada a sua passarela enquadrada por jipes que impõem a disciplina possível. Barcelona está a duas horas de distância e aqui vamos nós em compasso marcado pelo trote curto destes cavalos baixos e entroncados, patas largas e crinas e caudas fartas de pêlo amarelado.
Para trás ficou a neve a cair copiosamente, revoluteando entre pinheiros, sobre teleféricos e esquiadores, passamos chuva esparsa com o sol a espreitar nos picos montanhosos, e entraremos mais à frente na velocidade de cruzeiro do sol deste Outono prestes a passar o testemunho ao Inverno. Vales cobertos de abetos, prados salpicados de gado, rios, riachos e ribeiros cristalinos e nervosos a fugirem entre rochas, árvores que são esqueletos e parques de campismo desertos, povoações de casas de pedra e madeira desfilam lá fora.
Fugimos das montanhas em planaltos rochosos, com águias a sobrevoar, passamos para planícies de terra dourada e aldeias solitárias e já estamos a chegar às portas da Catalunha cosmopolita por que o mundo suspira. Barcelona é o rosto mais conhecido desta comunidade autónoma espanhola, cartão-de-visita deste "país" (como se lê nos panfletos turísticos), mas as raízes mais profundas estão alicerçadas nos contrafortes dos Pirenéus. Foi dali que houve Catalunha e foi por aí que a Fugas andou, atrás da neve e quem diz desta diz de toda uma nação orgulhosa da sua história e da sua cultura - à boleia desta passamos por Cataluña, Catalunya e Catalonha.
Não "saímos" de Lleida (nome oficial de Lérida) mas aprendemos a Catalunha em várias declinações percorrendo as suas montanhas. Nesta província do noroeste catalão, fronteira com França e Andorra, os Pirenéus não são apenas um cenário majestoso que a abraça em grande parte: são o actor principal. Actor-motor do quotidiano. Ainda há agricultura e a criação de gado é visível por todo o lado, nos prados que agora se cobrem de neve, permanece alguma indústria (sobretudo alimentar), mas é incontornável: os Pirenéus de Lleida descobriram a sua aptidão turística nata e especializaram-se - desdobram-se num mundo de prazeres ao ar livre que se sucedem na cadência das cores que pintam as paisagens.
Primavera, Verão, Outono. Entramos com o Inverno a bater à porta e o manto branco a começar, finalmente, a assentar no solo gélido e dar vida às 17 estações de esqui dos Pirenéus catalães - é a comunidade espanhola com mais, que são também as mais frequentadas (quase dois milhões de visitantes em 2010). Já vem fora de tempo, a neve, como nos dizem todos - estamos a entrar na semana do Natal e quase não a víamos.