As moradas do Porto, um roteiro com alma indie
Há uma contra-revolução em curso no centro do Porto e na cidade muitos falam nela com tristeza. Há poucos anos, ninguém imaginaria que poderia vir a existir um "manual" autárquico de Medidas de actuação e utilização da Baixa da cidade do Porto, porque a Baixa se insuflava de vida durante o dia para a ver esvair-se à medida que o sol se punha. João Pedro Coimbra, compositor e letrista dos Mesa, recorda-se bem desses tempos, quando tinha estúdio na Rua de Cândido dos Reis e "não se via ninguém na rua à noite". Agora já lá andam e isso "é muito gratificante - e ver que foram as pessoas que o fizeram é algo a que dou muito valor".
O "agora" da Baixa do Porto é, diz, "um atractivo mundial". "Os estrangeiros vêm cá e ficam doidos" - a noite é interminável, bebem-se copos na rua... O "agora", que provocou o surgimento do "manual", existe porque, entretanto, uma revolução aconteceu, ou se calhar uma série de pequenas revoluções, que transfiguraram quarteirões mais ou menos decrépitos em símbolos de uma certa contemporaneidade do Porto e nova imagem da cidade - a mesma que chegou às páginas de jornais insuspeitos, como o New York Times, mostrando o Porto como uma cidade cool, harmonização exacta entre a história e a modernidade. Foram os bares que chegaram, primeiro pé ante pé, agora em sprint, foi a base da low-cost Ryanair no aeroporto Sá Carneiro que aproximou mais a cidade da Europa, foram as lojas, foram os restaurantes, foram os hostels... Não todos na mesma medida, claro, mas a movida instalou-se na Baixa portuense e poucos a querem ver sair.
Mas muitos já o prevêem, à boleia destas tais "medidas de actuação e utilização da Baixa" que restringem horários, limitam potência sonora, proíbem venda ambulante e fecham algumas ruas ao trânsito. "Não me admirava que a Baixa do Porto recuasse uns anos", admite Nelson Pedrosa, na varanda do seu Era Uma Vez no Porto, bar a mirar a Torre dos Clérigos, o ícone portuense que emprestou o nome a este olho de furacão. Muito pouco espiritual, a congregação de bares e movida que agora gravita em torno da igreja e torre construídas por Nicolau Nasoni no século XVIII e que se tornou sinónimo involuntário de um Porto cool, eleito o "melhor destino europeu de 2012" pela European Consumers Choice.
"Com a sua variedade de ofertas, o Porto conquista todos os seus visitantes", lê-se na (curta) declaração do organismo, "desde os que o procuram pela sua história e autenticidade, como os que buscam explorar uma nova cidade, mais cosmopolita e contemporânea". Do topo dos 75 metros de altura da Torre dos Clérigos, a cidade estende-se em 360 graus: a poente encontra-se com o Atlântico e é na sua orla que o Festival Primavera Sound vai assentar. Aquele que é dos principais eventos de música alternativa na Europa sai pela primeira vez de Barcelona e viaja até ao Parque da Cidade do Porto, com interlúdios pela Casa da Música e Hard Club.
O motivo da escolha do Porto? As "muitas características comuns com Barcelona" e a "inquietude cultural", justificou Gabi Ruiz, o director do festival catalão, na altura do anúncio. Pretexto, portanto, para desvendar um pouco dessa "inquietude" que vai trazer ao Porto uma média de 25 mil visitantes por dia entre 7 e 10 de Junho. E que mistura, voltamos a citar o European Consumers Choice, "o famoso Vinho do Porto, um centro histórico distinguido como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, museus, parques e jardins encantadores, boutiques de designers nacionais e internacionais..."
Porto XX
Neste início de noite nas esplanadas da Praça Filipa de Lencastre o português está claramente em minoria. Uma babel rodeia-nos. "Sabe tão bem", afirma Paula Faria. "Antigamente", diz Gisela Duarte, "os turistas no Porto eram pessoal mais velho e [vinham] sobretudo no Verão. Agora estamos invadidos por mochileiros todo o ano". E esta é uma das zonas onde eles mais se concentram - à noite, principalmente. Faz tudo parte da "Baixa-Clérigos" que já tem subdivisões: aqui, em "Filipa de Lencastre" ou "Ceuta", como lhe chamam as amigas (do histórico café), a "idade sobe um pouco, há alguma sofisticação, que a arquitectura também proporciona", consideram as portuenses Paula e Gisela. "Muito confortável", resumem, sobretudo enquanto as multidões compactas não tornam difícil a movimentação, e com "boa música" e "diferente" em todos os bares.
O termo de comparação é quase sempre a Rua das Galerias de Paris de onde houve movida nos Clérigos (movida ecléctica, aliás, onde o mais despretensioso transeunte pode cruzar-se com trajes de noite, smoking incluído). As multidões tomaram conta desta rua, muito para além dos bares, e esse é o elemento que continua a distingui-la, para o bem e para o mal. Na paralela Cândido dos Reis a rua está mais "controlada" em esplanadas bem definidas. Por enquanto. "É mais virada para o interior, mas o seu crescimento parece potenciar estar na rua, em convívio." Quem o diz é Joel Azevedo, que, com dois sócios, é responsável pelo novíssimo maomaria, wine bar e happy bar, com clara devoção pela música indie, que no início de todo este movimento, quando os Clérigos eram apenas um enclave da noite portuense (não "a" noite portuense), era uma espécie de credo professado pela maioria dos espaços.no que pode ser visto como um regresso às origens de todo este movimento noctívago, ao início uma espécie de enclave de música alternativa.
Elisa Bessa aprecia a diferença deste novo bar. "Acho que estão a abrir sítios sem a preocupação de ser bonitos, confortáveis", considera, "estes assim não são apenas para beber finos". Elisa conhece bem a nova Baixa porque é aqui que trabalha. "Durante o dia há cada vez mais turistas e cada vez menos portuenses." Os bares, analisa, até estão a puxar novamente pela zona - os copos de fim de tarde começam até a ter seguidores entre os portuenses.
E até onde é que isso pode ir? Carla Costa não sabe, mas tem a certeza de que não vai ficar por aqui. Da sua Lemon Pie, loja de roupa e acessórios na Rua das Oliveiras, tem observado a dinâmica da zona e vai enumerando os encerramentos: as Galerias Lumière, um alfarrabista, outro alfarrabista, a loja de costura, a sex shop. Tudo em meio ano, calcula, depois de um período de aparente boom. "A tendência é piorar", diz, prevendo que rapidamente a sua rua seja só de bares - "só se os senhorios baterem o pé, como o meu".
Já há alguns bares na rua, mas quase todos instalados há bastante tempo, um hostel que abriu na porta ao lado e outro que se prepara-se para abrir um pouco acima; o bar 77, perto, aparece certificado como o que mais "minis" vende em Portugal. Carla Costa vende roupa Surkana e Pepa Loves, por exemplo, mas são as sapatilhas Victoria (que podem ser personalizadas) a grande âncora da loja, que atrai mais turistas do que portugueses. Em Junho, haverá vários eventos promocionais e festas ("sempre fomos conhecidos por elas"), uma forma de fazer frente à vizinha Rua da Cedofeita, que "se transformou em outlet" e torna muito difícil a sobrevivência do negócio. "Se estivéssemos no Aviz ou mesmo em Santa Catarina...".
Santa Catarina é a rua mais comercial do Porto e há décadas alberga um dos cafés mais bonitos do mundo - - o Majestic. Porém, há poucas surpresas na rua, composta por cadeias internacionais ou estabelecimento tradicionais que, como é comum na cidade, fecham ao domingo. Porfírios era o nome da sua loja mais alternativa nos anos 1990 - agora é a Ekstra, dos filhos dos ex-proprietários da Porfíirios e com uma oferta que agrada a vários tribos urbanas: dos rockabilly aos góticos e punks, descreve Luísa Araújo. Há uma certa influência das "Harajuku girls" e qualquer uma pode sair daqui como pin up (com um pendor gótico, reconheça-se).
Uns números acima, na esquina com a Rua de 31 de Janeiro - o Teatro Nacional São. João a espreitar, o antigo cinema Batalha a decair e a Igreja de Santo Ildefonso a brilhar em azulejos - a alternativa não é tão radical, mas é eminentemente urbana. A Taken Urban.Culture.Store é o paradigma do Porto cosmopolita: edifício centenário (em restauro exterior e magníficos tectos) e conteúdo contemporâneo. Marcas como a Fred Perry (colecção Amy Winhouse em abundância), Skunk Funk, Carhartt, Insight, entre outras, compõem uma oferta respeitável em roupa, acessórios, sapatilhas (e há um canto de skate).
Porto Spiritualized
Já recebeu o epíteto de "Soho portuense" e agora a Rua de Miguel Bombarda é o centro do chamado "quarteirão das artes", com tentáculos por ruas vizinhas. Pintura, escultura, instalações enchem galerias que se sucedem quase sem descanso, e um inesperado centro comercial. Dizem-no "alternativo" e o certo é que as lojas que se encontram no Centro Comercial Bombarda (CCB) são edição única. Há roupa de jovens designers, artesanato urbano, mobiliário de autor, produtos gourmet (portugueses e não só) e vintage, merchandising pop, jardim com esplanada...
A Ó! Galeria é a "montra" do CCB e a ilustração a sua religião. Tem espaço expositivo, ao fundo, onde encontramos mostra de Rita Wasted, incluindo uma intervenção na parede "Fuck you, world, I'm out" (e quem o diz "é" Amy Winehouse); e espaço de venda. Grande parte do acervo dos 40 artistas da galeria está em capas, outro cobre paredes, "em constante transformação", uma "forma de dinamizar a galeria", declara Ema Ribeiro, a responsável. Uma parte, pequena, vai viajar até ao Primavera Sound, onde vai dividir espaço com a vizinha Águas Furtadas. "Vamos levar mais merchandising", revela Ema, "que os autores estão a produzir agora". T-shirts, sacos, postais, cadernos, zines, pins, portanto, e "provavelmente uma capa com trabalhos mais acessíveis". No CCB, as portas mantêm-se abertas, até porque o próximo sábado é dia de inaugurações simultâneas, que é como quem diz, é dia de festa na Rua de Miguel Bombarda. "É um dia fantástico", considera Ema, "não pelas vendas, mas porque as pessoas voltam".
Galerias, lojas, bares, restaurantes unem-se para proporcionar uma experiência única que vale pelo movimento que gera. Uma oportunidade para uma espécie de operação de relações públicas, como confirma Ricardo Rodrigues, na Coisas d'Homem, acabada de sair do fundo do labiríntico CCB para uma nova loja nas margens do jardim, onde os seus "clássicos com um twist [algo como british chic, atrevemo-nos] ganham nova visibilidade". Ricardo e Carlos Carneiro, o designer, não querem "que os homens tenham uma imagem aborrecida" e o seu contributo passa por uma marca própria de acessórios, a CDH, "em padrões e tecidos pouco usuais" a complementar oferta de etiquetas como Ben Sherman e Dr. Denim. "Quando andávamos à procura de espaço, queríamos algo alternativo, Bombarda foi como uma luz ao fundo do túnel", lembra Ricardo. "Esta zona acabou por ajudar a definir o projecto. Aqui sentimos liberdade de ir um bocadinho mais longe." Porque, justifica, aqui "as pessoas não têm medo de ser elas próprias, correm riscos".
Se calhar por isso mesmo tantos jovens criadores têm encontrado aqui um porto seguro, mais propriamente na Rua do Rosário, que cruza a Miguel Bombarda. Em nome próprio ou em projectos colectivos - como o Muuda, o Artes em Partes ou o Cru, espaços multidisciplinares -, a rua acolhe novos talentos e valores reconhecidos da moda portuguesa. Entre eles Mariana da Fonseca, que passou por Paris e regressou para criar a sua Punch Couture, numa esquina redonda abrindo à curiosidade da rua a sua colecção, feita de peças únicas e limitadas. Totalmente made in Portugal, inclui desde os "básicos" twin-sets aos vestidos, em cores neutras ou em explosões calorosas. Veio "pelo ambiente criativo, artístico" e sente "essa imersão". Sobretudo em dia de inaugurações simultâneas, quando aproveita para promover eventos: no próximo sábado, o "Flowers Punch" vai dar música e flores a quem passar.
No outro extremo da rua, o que caminha para o Museu Soares dos Reis, a Oliva & Co, "da e para a oliveira", também correu riscos. Quando se instalou estava praticamente sozinha, agora juntaram-se-lhe vizinhos com artesanato urbano e design. "Somos o novo eixo e isso sente-se e ressente-se", admite Helena Ferreira, uma das sócias, "mas como diz uma colega, se Bombarda tem muita vida é porque alguém a criou". Por isso, arregaçam-se as mangas para atrair o público até este canto, que até tem "uma melhor qualidade de espaço público". A Oliva & Co faz a sua parte com as suas degustações de azeite (acompanhado por outros produtos, de conservas a sabonetes, passando por bombons) e, em breve, com uma carta de petiscos - os sábados são eleitos para provas de vários produtos derivados, incluindo chás.
Porto, The Rapture
Mas a tradição ainda é o que era, por paragens portuenses, se bem que se possa revestir de formas diferentes: o vinho do Porto pode já não ser o motivo principal de atracção, porém ainda dá mote a visitas. Como a de Mark Tachovsky que está na Mercearia das Flores a ver garrafas, depois de ter passado pelas caves de Gaia. Vem de Vancôver (Canadá), onde estuda vinhos, e já leva muito Portugal na bagagem - culpa da namorada, Jessica Hollander, sobrenome que esconde as origens portuguesas. Ela busca as suas raízes e, afinal, os doces que espreita também são parte delas. Iam a passar, à procura de "coisas artesanais, portuguesas" e acabaram nesta mercearia, visual retro a servir produtos regionais, os de sempre e os gourmet, a servir turistas e moradores, aqui na Rua das Flores, encravada em plena zona histórica, a ligar os Aliados à Ribeira. Gostam de vinho e de comida; gostam deste tipo de lojas, "é melhor do que ver as toalhas junto do rio".
A mercearia aterrou aqui também para ser janela do que se faz (e come, sobretudo) em Portugal e para usufruir do roteiro turístico que cruza a rua, mas acabando por ter "algum ambiente de bairro", conta Joana Osswald, uma das "joanas" da mercearia - a outra é a sócia, Joana Oliveira. Há "estudantes e jovens" que vivem perto e até da Rua Escura, na encosta da Sé, do outro lado da Rua de Mouzinho da Silveira - o eixo que divide (informalmente) a zona histórica cortando o emaranhado de ruelas numa grande via que une a Estação de S. Bento à Ribeira-, vem gente vem gente em busca do pão, da broa de Avintes, das azeitonas... Nos armários com portas de rede alinham-se ainda vinhos e licores, arroz e compotas biológicas, azeites e azeitonas, batatas fritas transmontanas e Sovina, a cerveja artesanal feita no Porto, um best-seller. Aqui também se servem refeições leves (dos aperitivos, saladas e pratinhos de conserva, às tostas, sandes doces, lanches), acompanhadas de bebidas quentes e frias, cervejas e vinho a copo, todo o dia - hoje há provas: queijo dos Açores e Moscatel de Setúbal. "Fechamos às 19h durante a semana e às 20h ao fim-de-semana", explica, "porque a partir de essa hora a rua morre um bocadinho". Descem apenas os turistas para a Ribeira, para jantar.
Seguimos esses passos até lá, passando o Palácio das Artes, o Mercado Ferreira Borges convertido em Hard Club, sempre em ferro vermelho ocre a olhar o Infante D. Henrique que aponta na direcção do mar. A casa onde nasceu está mais abaixo, já no dédalo da Ribeira, onde poucos bares sobrevivem mas onde os restaurantes resistem e os wine bars começam a surgir, quase todos a olhar o rio, para as caves do vinho do Porto que à noite são luzes de néon. É o coração turístico do Porto, esta Ribeira postal ilustrado vista do outro lado do Douro, escura, estreita e labiríntica em contacto directo, povoada de escadinhas e pracetas inesperadas onde a vida segue à margem do movimento turístico, lojas de artesanato e souvenirs. Porém, ao contrário do que os turistas canadianos viram, entre aquelas onde abundam os atoalhados e cachecóis da selecção, nasceram projectos em que o nome Porto equivale a design. A Take Away Porto é paradigmática: o conceito é apresentar artistas portuenses a trabalhar sobre o Porto, em declinações que passam pela pintura, artesanato, decoração, edição. Inclui uma galeria no primeiro andar e no rés-do-chão tanto se encontram peças de Siza Vieira como t-shirts, sacos e postais de autor.
Em alguma destas lojas que pululam na zona histórica à beira-água se calhar encontrar-se-ão t-shirts "I (heart) Opo". E neste contexto talvez não se coloque a dúvida quanto ao "Opo", diminutivo de Oporto. Mas foi esse desconhecimento que levou Ana Luandina a uma espécie de epifania. Daí até ao Miss'Opo (ou, deveríamos dizer, "a") foi o passo de um projecto de café-bar e guest house, que se materializou entre a Rua dos Caldeireiros e a Rua de Trás - literalmente, uma porta em cada uma das ruas -, em pleno bairro típico e à sombra dos Clérigos. Crianças brincam na rua, conversa-se janela-a-janela e no São. João ainda se saltam fogueiras. "Os vizinhos são muito coloridos, dão a cara", diz Ana.
As máquinas fotográficas viram-se para a Capela de Nossa Senhora da Silva, frontaria clara marcada por oratório no primeiro andar e devotos insuspeitos a deixar, entre gritos de discussão, esmola na caixa; os rostos espreitam ao lado, pelas janelas do Miss'Opo, versão bar-restaurante. O que vêem são mesas de várias formas, cadeiras desirmanadas, sofás, armários retro com livros, panos de renda, jarros de flores e vasos de plantas: uma turista pede "aquela cerveja", que é a Sovina; outros pedem para ver o espaço soltando "It's beautiful". A curiosidade é tanta que se fazem visitas guiadas, refere Paula Lopes, a outra sócia, incluindo à casa de hóspedes (t0 e t2): "As pessoas olham, entram e ficam... maravilhadas. Dizem que não se sentem no Porto". Berlim é comparação habitual.
Em breve haverá aqui "Trocas por Arte" (Julho, esperam) e o turismo cultural é uma aposta. Por enquanto, servem-se refeições (mais ou menos) ligeiras - menu de petiscos a giz na parede - e jantares quase de improviso, o que significa sem menu fixo, ao sabor das idas ao supermercado. "Como se fosse um jantar de amigos", afirmam.
Seguindo rua acima, chega-se ao Centro Português de Fotografia - a antiga Cadeia da Relação onde Camilo Castelo Branco esteve encarcerado e onde uma exposição apresenta até final de Junho As mulheres de Camilo - e pelos interstícios dos edifícios repletos de roupa a secar e antenas parabólicas, espreita-se a sé, que surge na colina em frente, para além do mar de telhados de toda a zona histórica do Porto.
Porto Beach House
Há uma imponência cansada na velha catedral portuense, erigida nos séculos XII e XIII sobranceira ao rio. A ponte de D. Luís I, ali ao lado, continua a unir as duas margens, o tabuleiro superior agora reservado ao metro, o inferior continua a percorrer o caminho para as caves do vinho do Porto. Pelo morro da Sé em ruelas até à Ribeira, da Ribeira até à Foz em marginal que corre com o rio para o mar mas entra em devaneios quando se encontra com as palmeiras do Jardim do Passeio Alegre.
Por estes dias é na sua órbita que o restaurante Sol em Sol espera estar a aproveitar a benevolência do astro-rei. NeEste restaurante nómada, que encontrámos em Maio no Parque da Cidade, cozinha-se em fogões solares e assume-se o compromisso "com uma restauração mais sustentável", explica José Pedro, o cozinheiro. Cada mês tem uma localização diferente na cidade, em Agosto vai em "digressão" pelo país, prometendo uma cozinha com ingredientes nacionais, "incluindo frutas e legumes biológicos". Dependendo das benesses naturais, a ementa é diferente a cada dia - "Vivemos muito do improviso", assume José Pedro - mas há sempre petiscos depois do almoço, "para rentabilizar a hora solar".
Quando a Foz olha o mar de frente são quilómetros de passeio pontuado de esplanadas raramente vistas da rua, estão um "andar" abaixo, quase com os pés na areia; quando a Foz se vira para dentro descobre-se o emaranhado da Foz Velha, antigo povoado piscatório, e os quarteirões da "nova" Foz, abertos geometricamente. O comércio local mistura-se com lojas de autor - uma das mais recentes, a de Luís Buchinho, virada para o Forte de São João da Foz (também conhecido como Castelo da Foz, construção militar quinhentista), não muito longe o atelier de Anabela Baldaque, e, mudando a bitola, as especialidades bretãs da La Bombarde, crepes e galettes à cabeça, acompanhados pela sidra Kerné.
O Parque da Cidade já se avista deste cantinho paralelo à Avenida da Boavista conhecido por Aviz, graças ao edifício com o mesmo nome que alberga escritórios, lojas, residências. E Aviz é sinónimo de luxo e exclusividade: tem a fama de ter as melhores lojas da cidade, com marcas internacionais de prestígio. É aqui que o restaurante Sensível dá os primeiros passos, oferecendo todas as refeições do ciclo diário. Espaço irrepreensivelmente moderno, enclausurado em vidro por todos os lados menos um, para o projecto da arquitecta Anabela Rodrigues e do músico João Pedro Coimbra, que inclui uma pequena secção gourmet. À mesa, a oferta é "diferente", concebida (e cozinhada) pela própria Anabela: "Nunca gostei de comida enfadonha."".
As tapas constituem uma boa porção da carta, uma entidade em permanente evolução, de acordo com o feedback dos clientes. Foi por eles que o horário foi alterado - passando a servir-se jantares e a abrir ao domingo -; foi por eles que surgiu a ideia do brunch que acontece ao fim-de-semana e feriados. É nestes dias que público é mais imprevisível nestes lados da cidade, e que, curiosamente, inclui turistas, sobretudo, sublinha João Pedro, os "da arquitectura", ou não estivéssemos em "território Siza", com o Museu de Serralves a pouca distância, por exemplo, e, a algumas centenas de metros na avenida, o Edifício Vodafone, dos arquitectos Barbosa e Guimarães, já atraía olhares antes de ganhar prémios. O "diamante" chamado Casa da Música, que é incontornável em qualquer roteiro, arquitectónico ou não, também está na avenida, mas onde ela principia, na rotunda.
Ao fundo da avenida da Boavista, o Castelo do Queijo divide o norte e o sul das praias portuenses. Para norte fica também o Parque da Cidade que só termina no areal, ao lado do Edifício Transparente: esplanadas no rés-da-praia, de cafés, restaurantes e bar; lojas nos outros pisos, que já viram maior ocupação. E praia que já vê banhistas. É sempre uma alternativa no Porto, cidade à beira-rio e à beira-mar.