Em 1834 D. Pedro IV obriga o seu irmão Miguel a assinar a Convenção de Évora Monte, com a qual se encerra o longo capítulo das guerras liberais. No final do Verão desse ano, o Douro regista uma das duas mais consagradas vindimas da primeira metade do século XIX (a outra é a de 1820). Nas caves da Ferreira, existem ainda alguns exemplares desse extraordinário vintage. Na semana passada, foi possível admirar a sua longevidade e a sua excelência numa prova que a empresa organizou na Essência do Vinho com três vintage da era de D. Antónia Adelaide Ferreira, que nasceu em 1811. Um vinho com quase 180 anos o que é? Ainda vinho do Porto, ainda vivo, ainda cheio de aroma, de músculo e de carácter; mas é mais do que isso: é um emocionante testemunho do passado cuja prova delicia e emociona.
No Salão Árabe do Palácio da Bolsa, no Porto, os presentes sentados em mesas alinhadas pressentiram o início da prova quando o ar começou a transportar aromas quentes de velhos Porto. Raul Ramos Pinto, da Ferreira, fez o contexto histórico dos três vinhos em prova: 1834, ano em que D. Antónia se casou com o seu primo direito António Bernardo Ferreira; 1847, quando a Ferreirinha começa a governar sozinha o império agrícola e exportador da família após a morte do marido, com apenas 32 anos; 1863, o ano em que a filoxera, um insecto proveniente da América que em duas décadas quase arruinou a produção duriense, fez os seus primeiros estragos nas vinhas de Gouvinhas.
A prova começou com o 1863, que Ernst Cockburn, que escreveu um belo livro de memórias sobre o vinho do Porto por volta de 1930, considerava uma das melhores colheitas de sempre. "Um monumento ao vinho que fascina e encanta", como o definiu Luís Sottomayor, enólogo da Ferreira a quem coube a apresentação e comentário da prova. Além da data da vindima e das memórias que lhe estão associadas, sabe-se muito pouco da sua enologia. Desconhece-se, por exemplo, que quantidade de aguardente entrou na sua vinificação, ou quando foi adicionada ao vinho - em 1854 Dona Antónia advertia os seus feitores para não "lançarem aguardente aos vinhos na incuba", dando seguimento à resistência da família em adoptar os processos que se impuseram depois de 1820 e que propunham a adição de crescentes quantidades de aguardente no mosto no momento da fermentação. Um jornalista inglês perguntou que castas integravam o lote: outra pergunta sem resposta porque, como ainda hoje se verifica em vinhas velhas, nas mesmas vinhas existiam dezenas de castas misturadas. Luís Sottomayor admite que estes vinhos tenham sido feitos com quantidades apreciáveis de castas brancas.
Seguiu-se o vintage de 1847, ano de vindima tardia. Outro vinho de grande complexidade aromática e, embora menos intenso na prova que o anterior, revelou uma enorme elegância. A sua fineza aromática leva Luís Sottomayor a admitir que no lote tenha entrado moscatel galego. Relatos da época informam que os vinhos desta colheita terão sido os primeiros a ser geralmente enriquecidos com aguardente no momento da fermentação, acabando aqui o tempo em que "o processo antigo", com pisas longas e a beneficiação feita com quantidades moderadas de aguardente em Dezembro ou Janeiro, cedeu definitivamente lugar ao modelo de vinho do Porto que chegou aos nossos dias.