Sim, com a nossa arrogância costumeira poderemos sempre pretender esgrimir que não passa de um vinho nascido nos confins da jovem nação australiana, país sem história e sem tradição, pátria dos Yellow Tail e dos vinhos Coca-Cola, país dos vinhos sem alma e sem distinção.
Porém, e possivelmente para sobressalto de muitos, o entusiasmo esmorece quando nos apercebemos que a primeira colheita do Grange despontou na vindima de 1951, um ano antes da primeira edição do Barca Velha. E o sentimento recrudesce quando distinguimos que, ao contrário do Barca Velha que foi editado unicamente em anos excepcionais, num total de 16 edições, o Grange foi editado de forma contínua, sem ressalvas nem interrupções, com 55 edições aprontadas ao longo destes quase sessenta anos de vida! Seria confortável poder afiançar que o Penfolds Grange não passaria de uma mera singularidade, a excepção que confirme a regra, um vinho histórico no meio de um país sem tradição. Desventuradamente o Grange está longe de ser o vinho mais antigo da Austrália, tal como a Penfolds, o produtor responsável pelo Grange, está longe de ser a casa mais antiga da Austrália. Tais atributos recaem sobre a Wyndham, com mais de 183 anos de crónica ininterrupta, na Olive Farm Wines, com 182 anos de existência, na Houghton, com 175 anos de experiência, na Magill, mais tarde englobada na Penfolds, com 176 anos de vida, na Yalumba, com mais de 162 anos de narrativa, na Morris com 152 anos de presença, e em tantos outros produtores, especialmente no campo dos vinhos generosos que emulam os estilos Porto, Madeira, Moscatel e Jerez. Permanecem actualmente no activo 22 produtores australianos com mais de 150 anos de história contínua, todos eles ainda hoje em actividade.
Mas esta não é uma matéria exclusiva ou monopólio de australianos. Basta pensar nos vinhos de Constantia, da África do Sul, vinhos com mais de trezentos anos de história que nos séculos XVIII e XIX eram amplamente considerados na Europa, reconhecidos nas cortes europeias entre a elite mundial, alcançando preços assombrosos em cidades como Londres, Paris, Berlim e afins. Ou, se quisermos dilatar o espectro de acção, podemos ainda incluir alguns dos vinhos norte-americanos que, apesar da lei seca, da proibição dos anos vinte que quase destruiu a indústria vitivinícola americana, permite anunciar produtores como a Inglenook, que já com 150 anos de história, ou a Beaulieu com 110 anos de vida activa. Afinal, onde estão o Novo e o Velho Mundo?