Nem mesmo com toda a boa vontade do mundo seria possível ignorar a permanente manifestação de sobranceria no discurso vinícola comum europeu, justificada através de tiques recorrentes de afectada altivez, pequenos sinais de menosprezo para com os novos países produtores, invocando estereótipos estéreis que continuamos a associar ao Novo Mundo, zombando discretamente com os países que nasceram sem a fortuna de possuir castas autóctones. Por vezes de forma mais explícita, por vezes de forma mais sorrateira, infelizmente os pequenos indícios de prosápia e pretensiosismo continuam a evidenciar-se em quase todos os discursos e comentários, nos pequenos e grandes gestos de vaidade.
Assumimos, no nosso íntimo, de forma mais ou menos declarada, um leve assomo de superioridade, assente nos princípios ilustres da grande tradição europeia, na longa e profusamente documentada história milenar, na cultura popular e erudita do vinho, na vivência e coexistência de milhares de anos, na originalidade da justificação histórica da demarcação das denominações de origem europeias. Mesmo quando nos avocamos a um papel mais diplomático e politicamente correcto não conseguimos dissimular a indelével sensação de que os países do Novo Mundo continuam a ser catraios, países adolescentes e sem historial, nações jovens e ainda sem pergaminhos.
Desventuradamente, para além de perigosa pelo falso sentimento de superioridade, pela bazófia inerente, tal premissa assenta num pressuposto profundamente falso, num erro grosseiro que urge desmistificar.
Sobretudo quando os factos não ratificam a narrativa, como no caso dos vinhos portugueses, paradigmáticos deste tremendo e pernicioso erro de cálculo, fruto de uma auto-avaliação demasiado condescendente e optimista.
Atentemos, como exemplo prático, no vinho mais ilustre de Portugal, o Barca Velha, o vinho nacional mais aplaudido, estudado e valorizado, emblema inquestionável dos vinhos portugueses, dentro e fora de fronteiras, detentor de história e estórias inestimáveis. Será, seguramente, o vinho mais prestigiado e considerado de Portugal, corolário de um passado e presente tão opulentos, consagrado pela dilatada biografia de colheitas já editadas. Se recuarmos na história, apercebemo-nos de que o primeiro Barca Velha foi anunciado no já distante ano de 1952, testemunho claro do seu longo historial, com quase sessenta anos de história documentada, data relevante para qualquer vinho. Exemplo que atesta de forma elucidativa a superioridade histórica dos vinhos nacionais. quando comparados com a simples puberdade dos vinhos do Novo Mundo, adolescentes e sem passado.
A alegação, infelizmente, não oferece qualquer fundamento, anunciando-se desacertada. e profundamente ilusória! Se invocarmos o equivalente australiano do Barca Velha, aquele que é universalmente reconhecido como o representante modelar da nobreza e tradição australianas, o Grange, da Penfolds (em tempos denominado Grange Hermitage), facilmente percebemos a falta de sustentação da argumentação.