Fugas - vinhos

Quinta do Vesúvio§ propriedade da família Symington

Quinta do Vesúvio§ propriedade da família Symington Paulo Ricca

As famílias do vinho

Por Rui Falcão

Imbuído nos valores familiares da tradição e identidade, da perpetuação de um nome, o vinho assegura, por vezes, a identidade e continuidade do nome familiar. Conheça a história de algumas das famílias mais antigas do vinho.

Continuarão as empresas familiares a fazer sentido na vida contemporânea, cravadas numa sociedade refém de uma padronização social e económica que nos habituámos a proclamar como globalização? Poderão as empresas familiares continuar a assegurar a sua viabilidade económica de uma forma sustentável que lhes permita salvaguardar um futuro próspero... ou estarão as empresas de natureza familiar condenadas a uma extinção programada, mesmo que de forma lenta e gradual? As sociedades familiares albergam vícios de forma que se podem mostrar absolutamente desastrosos, fraquezas e dificuldades inerentes à sua condição, sujeitas a contrariedades simultaneamente tão concretas e abstractas como as regras e timings de sucessão, o pagamento de impostos sucessórios, a pulverização accionista resultante das partilhas determinadas segundo o código napoleónico, o risco recorrente de assaltos bolsistas especulativos... para não aludir às sempre difíceis condicionantes da delicadeza de trato e regras do foro familiar.

Porém, independentemente dos entraves que se possam colocar ao sucesso das sociedades familiares, estas são seguramente a melhor forma de estar no mundo do vinho, um universo tão especial e que implica um envolvimento pessoal titânico, um mundo que privilegia os princípios da continuidade, valores e alma.

Só mesmo tal realidade poderia evidenciar os fundamentos para que a concepção de família e herança se tenham entranhado de forma tão vincada na cultura do vinho, insistindo nas noções de sucessão e continuidade, na percepção das palavras tradição e património, entendidos de forma equitativa entre o sentido material e espiritual do vocábulo.

Para o velho mundo, para a Europa, o vinho é, em muitos casos, sinónimo directo de legado familiar, de perpetuação de um nome, de manutenção de velhas memórias e tradições.

Veja-se, por exemplo, o caso paradigmático de Château de Goulaine, produtor francês da região do Loire, reconhecido como a mais antiga empresa familiar ligada ao vinho. e segunda empresa familiar mais antiga do planeta, superada apenas pela incrível proeza da família Houshi, no Japão, proprietária de um pequeno hotel fundado no ano de 718, que recebe hóspedes sem interrupções há 1293 anos. O Château de Goulaine, apesar de claramente mais jovem que o hotel nipónico, compreende pouco mais de um milénio de existência, tendo sido estabelecido no já muito distante ano 1000, precisamente na transição do primeiro para o segundo milénio. Para ajudar a colocar alguma perspectiva nas datas, talvez seja relevante recordar que a sua instituição, no ano 1000, superou em cerca de um século e meio a assinatura do tratado de Zamora... que deu origem à fundação do reino de Portugal! Longe de constituir uma excepção, o feito da família Goulaine inscreve-se no registo mais dilatado de muitas outras famílias europeias que perduram e perpetuam a sua paixão pelo vinho ao longo do tempo, cativando e entusiasmando sucessivas gerações orgulhosas dos seus excelsos pergaminhos no vinho. Elevação bem presente em famílias como os Ricasoli, da Barone Ricasoli, de Siena, na Toscana, a quarta empresa familiar mais antiga do planeta, a produzir vinho sem interrupções desde o ano 1142, há 870 anos, sob a batuta do aclamado rótulo Castello di Brolio. Ricasoli que se orgulham ainda de terem criado a fórmula original, e hoje clássica, dos vinhos de Chianti, com a disposição dominante da variedade local Sangiovese a ser apimentada por outras variedades, a que se somava a casta branca Malvasia para os vinhos de consumo mais precoce.

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