A tradução ou adaptação do termo Premier Cru, ou First Growth, para a terminologia portuguesa não é fácil nem axiomática, assentando na ideia de um vinho clássico e de historial largo, cujo valor e qualidade se vaticinem absolutamente inquestionáveis, de reconhecimento garantido e universal, sem máculas, de consistência irrepreensível, com um percurso histórico facilmente fundamentado e amplamente documentado.
Por outras palavras, um conceito de difícil aplicação à realidade portuguesa, onde não transbordam os exemplos de vinhos com um passado histórico longo e habilitado, que ultrapasse decentemente metade de um século, com uma consistência qualitativa impecável e sem brechas, e onde subsistam um número de garrafas sufi ciente que autorize provas regulares que permitam aquilatar sobre os predicados do vinho em causa.
Condições exigentes que impedem a atribuição do almejado título de Premier Cru à quase plenitude dos vinhos nacionais.
Porém, um vinho português assoma por entre a plebe, reclamando para si, com toda a propriedade, tão cobiçado brasão de nobreza. Que vinho é esse que poderá aspirar a tamanho estatuto de fi dalguia? Um vinho discreto mas erudito, um clássico entre os clássicos, um vinho invulgar e desconforme com tudo o que possa representar a rotina e os padrões estabelecidos, o Vinho do Bussaco, o verdadeiro, e eventualmente único, Premier Cru português.
Um vinho, infelizmente, pouco conhecido entre os lusitanos, sistematicamente esquecido e ignorado, sem o relevo institucional que o longo historial, e, sobretudo, a incrível qualidade, lhe deveriam proporcionar.
E no entanto, apesar de tão longos pergaminhos e de tão excelsa qualidade, o celeste Vinho do Bussaco não passa de um mero vinho de mesa, o degrau mais humilde da hierarquia vínica portuguesa, fruto da sua posição fronteiriça entre duas das grandes denominações portuguesas, a Bairrada e o Dão, desfrutando da sua localização física para agregar uvas das duas denominações, procurando justapor o melhor de cada uma das regiões vizinhas. Que o Premier Cru português seja um "vulgar" vinho de mesa é um dos maiores paradoxos e imprevistos em que o mundo do vinho pátrio é fértil. Para o enorme desconhecimento sobre os vinhos do Bussaco, mas também para a sua inegável magia, concorre a circunstância de os vinhos serem exclusivamente vendidos nos hotéis do grupo Alexandre Almeida, integrados na carta dos restaurantes, com destaque mais do que evidente para o belíssimo Palace Hotel do Bussaco, a sua casa, um dos hotéis históricos mais emblemáticos e encantadores da Europa, gizado em estilo neo-manuelino como pavilhão de caça para o oceanógrafo rei D. Carlos, vítima do regicídio que viria a marcar o desfecho da monarquia em Portugal.
Os vinhos do Bussaco foram criados por Alexandre de Almeida no início do século passado. Com notável pioneirismo realizou inúmeras viagens de estudo aos hotéis mais emblemáticos da Europa e Estados Unidos, e, fruto da experiência de hotelaria entretanto conquistada, introduziu em Portugal alguns dos conceitos e práticas hoteleiras mais avançadas da época. Entre as suas múltiplas reformas insistiu que o Palace Hotel do Bussaco, enquanto grande hotel de luxo, deveria poder oferecer os seus próprios vinhos, a exemplo do que sucedia em casos idênticos pela Riviera Italiana e pela Côte d'Azur, ter a sua própria adega, constituída por vinhos locais com marca exclusiva da casa como factor de qualificação e distinção.