Fugas - vinhos

Carla Carvalho Tomás/Arquivo

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A diferença como uma virtude

Surpreendente e revigorante, eventualmente difícil de encontrar no continente, o espanto proporcionado pelo Seiçal Latadas Reserva 2007, um tinto madeirense estreme da casta Touriga Nacional, só é suplantado quando se descobre como o vinho é diferente, viçoso, frutado e alegre. Adornado de cor vermelha rubi de concentração ténue, o nariz saltarica entre as notas florais primaveris e a fruta delicada, com muita framboesa e romãs, a que se juntam algumas notas bem evidentes de pó de talco. A boca anuncia um vinho frutado e alegre, delicado, viçoso na frescura e delgado no corpo, de final feliz, ainda que relativamente curto. Mais um tinto a provar de espírito aberto.

Clássico e intemporal, algo rústico mas pleno de temperamento, apresenta-se o Serra Mãe Reserva 2005, um Castelão estreme de Setúbal, da Sivipa, detentor de um encanto quase naïf que lhes assenta especialmente bem, num apelo campestre e charmoso que acaba por atenuar alguns dos defeitos e teimosias do vinho, onde predominam as notas de caça mortificada, terra húmida, tabaco e cereja preta, embaladas por um vinho de cunho tendencialmente rústico mas genuíno, de corpo mediano e final intenso. Apesar de inegavelmente demodé, o resultado final é feliz e merece ser conhecido.

Das Beiras emergem diversas surpresas agradáveis. Entre elas, o Raya 2008, um vinho do produtor Horta de Gonçalpares, um tinto de cor vermelho rubi cintilante. A frescura é a nota dominante deste tinto beirão, desde a fruta bem medida e sem sobrematuração até à acidez sensata que compõe o final de boca. É um tinto elegante e bem composto, harmonioso e delicado, original e melódico.

Um nome a reter na denominação. De cunho bem diferente, mas igualmente atraente, aponta-se o Gravato Touriga Nacional 2006, com as vinhas situadas a meio caminho entre o Douro e as Beiras, radicalmente diferente dos restantes Touriga Nacional do país, num estilo mais rústico, austero, quase duro... mas terrivelmente sedutor. Este, da colheita 2006, anuncia cor vermelha retinta com bordo violeta. Autêntico como poucos, revela uma rara beleza interior, apresentando-se generoso nas notas de terra húmida e barro. Um vinho como muitos outros deveriam ser, gastronómico e austero, amigo da mesa, tenso e mineral, pujante, rústico e irrequieto mas, felizmente, suficientemente urbano para terminar cortês, num fim de boca encantador.

Vinhos diferentes, de regiões raramente valorizadas, de produtores menos mediáticos, de castas nem sempre reconhecidas, de escassa exposição pública, mas que merecem uma oportunidade séria para serem provados com atenção. Afinal, a diversidade do vinho português é uma das grandes mais-valias do sector.

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