Fugas - vinhos

Pela rolha morre o vintage

Por Rui Falcão

Descobrir que um vinho feito para durar décadas pode morrer pela rolha pode ser uma surpresa. Mas mais surpreendente é saber que pouco ou nada se faz para resolver o problema.

A história é sobejamente conhecida, não é fácil impor uma marca portuguesa fora de fronteiras, não é fácil conquistar o reconhecimento internacional de um nome português, não é fácil impor e definir um produto nacional como referência absoluta dentro de um sector ou de uma categoria.

E no entanto, apesar de todas as dificuldades e contra todas as probabilidades, o Vinho do Porto conseguiu elevar-se a esse mesmo estatuto, à condição de referência incontestada entre os melhores vinhos do mundo, assumindo uma posição cimeira entre os melhores, elevando-se à categoria de vinho padrão que tantos pelo mundo inteiro tentam copiar.

Ao longo de séculos de trabalho, o prestígio do Vinho do Porto foi-se consolidando, acarinhando mais de dois séculos de vinhos excepcionais com um potencial de guarda impressionante. Graças a um excelente trabalho na produção, promoção e fiscalização, passando por alegrias e desventuras, períodos de bonança e tempestades, o Vinho do Porto é desde há muito um dos grandes vinhos do mundo, o único vinho português de verdadeiro e inquestionável prestígio internacional.

É também um dos mais tenazes, com maior capacidade de guarda, sendo habituais os exemplos de vinhos em perfeito estado de saúde após mais de um século de cativeiro em garrafa. É nas duas categorias mais especiais, os Colheita e os Vintage, o primeiro da família dos Tawny, o segundo da família dos Ruby, duas categorias com data de colheita, que o fenómeno da longevidade melhor se observa.

Porém, se no primeiro caso, o dos Porto Colheita, o vinho é longamente envelhecido pelo produtor nas caves de Gaia, sendo relativamente comuns os episódios em que um vinho é engarrafado somente no final de mais de 40, 60 ou mesmo 100 anos de estágio em pipa, o mesmo não acontece com os Porto Vintage, onde o envelhecimento é assegurado pelo cliente, já que por lei o Vintage tem de ser engarrafado entre o segundo e o terceiro ano após a vindima.

Estamos, pois, perante um vinho com uma capacidade de envelhecimento notável que é colocado no mercado dois a três anos após a vindima, um vinho ilustre que só é produzido em anos excepcionais, um Porto que por regra se mostra agreste e violento enquanto jovem, ganhando complexidade e suavidade com o vagaroso passar do tempo. Um vinho que poderá e deverá ser bebido muito mais tarde, um testemunho que em muitos casos passará para a próxima geração.

O único senão é que enquanto o Porto Vintage é um vinho seguro e quase inabalável, capaz de sobreviver a quase todas as atrocidades do tempo, a rolha de cortiça natural que o aferrolha na garrafa... não é! Na verdade, e apesar das virtudes congénitas da cortiça, o período de vida útil de uma rolha ronda os 20 a 30 anos, ciclo durante o qual consegue garantir a elasticidade que lhe permite manter-se estanque e proficiente. Após este longo período de tempo, torna-se virtualmente impossível garantir a eficácia da rolha como vedante, passando a rolha a coibir e por vezes a comprometer a correcta evolução do vinho, podendo mesmo chegar a colocar o futuro do vinho em causa.

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