Fugas - vinhos

Jean Daniel Sudres

A nobreza dos vinhos de Tokaji

Por Rui Falcão

Que vinho conseguiu congregar o aplauso directo e emotivo de Luís XIV, o czar Pedro o grande, a czarina Catarina, o imperador Frederico II, Voltaire, Goethe ou Schubert, referido como "vinho dos reis, rei dos vinhos"?

Apesar de a Hungria não ser certamente um dos primeiros nomes a saltar à cabeça quando pensamos em vinho, o país conta com um dos nomes mais ricos e sonantes da história dos vinhos europeus, os vinhos da região de Tokaji, também conhecidos sob os nomes Tokaj ou Tokay, num conjunto de declinações nem sempre fáceis de decifrar. Vinhos de tradição antiga, de nobreza e elevação certificadas, vinhos brancos doces que antes dos desgostos da Segunda Guerra Mundial e da posterior degradação e isolamento impostos pelas agruras dos anos passados sob o regime comunista, eram parte integrante da elite vínica mundial, inscritos entre os vinhos mais cobiçados e comentados do mundo.

Na verdade, e apesar de universal e acertadamente assumirmos o Vinho do Porto como a denominação de vinhos mais antiga do mundo, a primeira a ter sido alguma vez implementada como princípio filosófico e material, a região de Tokaji reclama para si o mesmo título, assegurando que a sua implementação legal se teria dado na região em 1730, alegadamente 26 anos antes da data oficial de criação da denominação do Vinho do Porto. Uma disputa inócua e pouco relevante para as duas regiões mas que serve como referência do estatuto de prestígio e antiguidade dos vinhos húngaros de Tokaji, estatuto que, infelizmente, se esbateu durante os longos anos do regime comunista e da colectivização da terra.

Hoje, alguns anos passados após a reintegração europeia da Hungria e consequente retomar do investimento privado na região, o número de admiradores dos vinhos de Tokaji espalhados por todo o mundo não pára de crescer, permitindo o renascer de um dos grandes vinhos internacionais. O orgulho húngaro pelo vinho de Tokaji é de tal forma elevado que até no hino nacional as suas qualidades e predicados são explicitamente louvados. A região encaixa-se no nordeste do país, no sopé das montanhas Zemplén, adjacente à fronteira com a Eslováquia, país que depois da queda do império austro-húngaro, e ainda no anterior formato Checoslováquia, herdou uma pequeníssima fatia da denominação previamente estabelecida, ganhando assim o inaudito direito a poder produzir vinhos com o selo de garantia Tokaji, naquela que será a única denominação transfronteiriça europeia... facto que compreensivelmente perturba de forma marcada as autoridades húngaras.

As castas permitidas são as variedades locais Furmint e a Harslevelu, as duas castas dominantes e quase soberanas absolutas, bem como uma variante local de Moscatel, a Muskotalyos e as misteriosas e raras Zeta e Koverszolo. A região produz três tipos de vinhos brancos, os que se limitam a indicar a casta, os mais básicos e de interesse reduzido, os Szamorodni, que numa tradução livre significam "feito por si próprios" ou "tal como nasceu", e os Aszú, os que verdadeiramente interessam e que alimentaram o prestígio mundial da região de Tokaji.

Para poderem ser qualificadas como Aszú as uvas das duas castas principais, Furmint e Harslevelu, têm de estar forçosamente infectadas com o fungo Botrytis Cinerea, firma daquilo que é tradicionalmente conhecido como "podridão nobre", e apresentar um teor de açúcar mínimo de vinte gramas por litro, sendo tradicionalmente vindimadas entre Outubro e Novembro, sujeitas a uma selecção na vinha que é feita bago a bago. Estas uvas atacadas pela podridão nobre, de aspecto ligeiramente repulsivo, são maceradas e esmagadas em pequenos "baldes" de 25 quilos, apelidados localmente de puttonyos. Ao vinho branco base da região, estagiado em velhas barricas ou depósitos de 136 litros de mosto que dão pelo nome de Gonc, são posteriormente adicionados 3, 4, 5 ou 6 puttonyos, ou seja, são posteriormente adicionados 3, 4, 5 ou 6 baldes de 25 quilos de mosto de uvas infectadas com o fungo Botrytis Cinerea.

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