Fugas - vinhos

  • Fernando Veludo/nFactos
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Ainda há Portos geniais da segunda metade do século XIX

Por Manuel Carvalho

Há um antes e um depois no vinho do Porto quanto à destruição da filoxera? Entre um Noval 1855 e um Graham's de 1895, desfilaram no DOP sete Portos novecentistas e a maioria surpreendeu pela excelência e frescura. Serão os descendentes de hoje capazes de viver assim tão bem por tanto tempo?
Georges Dos Santos apresenta-se como "Crazy Georges Dos Santos" e não é preciso mais do que uns minutos para nos apercebermos que o autoproclamado estatuto faz algum sentido. Nascido em Lyon em 1970, filho de portugueses, Georges, frenético e nada convencional, tem no seu currículo o prémio de melhor retalhista de vinho francês de 2010, uma loja com 2800 referências conhecida pelas suas raridades, um wine bar famoso e o hábito de organizar jantares com vinhos raros. Depois da Dinamarca, da Rússia ou da Argentina, George organizou no DOP, no Porto, uma prova de vinhos do Porto anteriores à filoxera (um insecto proveniente da América do Norte que, depois de 1865, devastou os vinhedos durienses). Ficou feliz: "Também se podem fazer coisas destas em Portugal", afirma.

Para Georges, a proposta era "original", principalmente porque, na sua opinião, os vinhos pré-filoxéricos "são difíceis de entender". Não podia ser de outra maneira: um vinho da Noval da vindima de 1855 ou um Ramos Pinto de 1872 têm o dever de esconder algum mistério - quanto mais não seja o de nos convocar para uma era que hoje apenas conseguimos imaginar. E sim, os autores ingleses da primeira metade do século XX, como H. Warner Allen, ajudaram a criar a ideia de que as vinhas que nasceram após a filoxera, que impôs a adopção de porta-enxertos americanos capazes de resistir à praga, produziam vinhos menos encorpados e sem aquele músculo que lhes garantia a quase eternidade. Ainda hoje o mito do Noval Nacional, que provém de vinhas de pé-franco, ajuda a manter viva essa tese.

Além destas interrogações, na prova do DOP havia ainda mais duas perguntas à procura de resposta. A primeira é a de saber se todos os vinhos em prova eram, de facto, provenientes de vinhas pré-filoxericas. Não há dúvidas de que na lista da prova o Noval de 1855 e o Ramos Pinto de 1872 eram de vinhas antigas; é muito provável que o Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro de 1886 e um Dona Antónia Adelaide Ferreira de 1887 (engarrafado após a morte dessa genial figura do Douro, em 1896) também o fossem. Mas é menos provável que o Real Companhia Vinícola da vindima de 1892, o fantástico Old Tawnie da J. Carvalho Macedo de 1893 ou o Grahams de 1895 tivessem a mesma origem.

Depois, uma outra dúvida se impõe em provas de vinhos seculares: a autenticidade das amostras. Ninguém pode determinar com certeza que um vinho tem 95 ou 125 anos. Principalmente quando não se sabe se foram engarrafados dois ou 20 anos depois da vindima - o que condiciona imenso a sua evolução. Alguns dos sintomas de Porto antigos envelhecidos em casco, como alguns reflexos esverdeados numa cor castanha escura ou a famosa impressão de vinagrinho, não se constataram. Mas nada disto obsta ao essencial: em causa estavam sem dúvida vinhos do Porto muito antigos e Georges dos Santos fez questão de rastrear o percurso de cada garrafa. O Ramos Pinto, por exemplo, foi comprado à Universidade de Oxford há seis anos e o J. Carvalho Macedo foi produzido para o célebre restaurante Maxim's de Paris e esteve escondido na primeira e na segunda Guerra Mundial.

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