Fugas - vinhos

Domingos Soares Franco

Domingos Soares Franco DR

Opinião: O perigo de se plantar castas a eito

Por Opinião de Domingos Soares Franco

Domingos Soares Franco, enólogo e vice-presidente da José Maria da Fonseca, é um dos mais irreverentes e inovadores criadores de vinho da sua geração. Neste artigo põe o dedo na ferida aberta pela plantação indiscriminada de castas em zonas para as quais não têm aptidão. E deixa um lamento sobre a qualidade dos vinhos tintos levados ao concurso da Viniportugal.

Segundo parece, todos estávamos errados quando se dizia que a origem das castas (Vitis vinífera) se situava no que é hoje conhecido como Montes Urais e como Iraque. De acordo com as mais recentes teorias, a maioria já comprovadas cientificamente, se algumas castas poderão ter tido origem na região atrás mencionada, muitas outras são originais da bacia mediterrânica. Na última Era Glaciar, a camada de gelo fez com que a Vitis sylvestris (parente ancestral da Vitis vinífera) só sobrevivesse à volta do Mediterrâneo. Nos últimos anos tem-se vindo a encontrar em várias zonas, especialmente perto de rios, lagos ou ribeiras, populações de Vitis sylvestris muito importantes em países como Itália, França, Espanha e Portugal. No nosso país existem vários locais com esses vestígios, mas o mais importante até agora encontrado localiza-se nas margens do rio Sado.

Até ao momento estão identificadas como portuguesas cerca de 250 castas diferentes, entre brancas, rosadas e tintas, muito delas com imensos clones, comprovando assim a sua antiguidade no nosso pais. Como por exemplo a Fernão Pires e a Viosinho.

Para preservar toda esta heterogeneidade de castas nacionais, foi criada recentemente a Associação Portuguesa para a Diversidade da Videira - PORVID, da iniciativa do Professor Antero Martins e sua equipa, com diversos associados ligados ao sector. Fazem parte da PORVID, universidades, institutos de investigação, associações de viticultores e empresas vitivinícolas. Para este efeito, foi cedido pelo estado português, a título temporário, parte do Posto Experimental de Pegões, para aí se plantarem ao longo dos próximos anos todas as castas nacionais e respectivos clones. Quando estiver tudo plantado serão, ao todo, 50.000 clones. Estarão todos envasados e também todos plantados a campo.

Com tanto manancial de castas à nossa frente, Portugal tem uma mais-valia só ultrapassada pela Itália, devido à sua área territorial. O que nos impõe uma obrigação: temos de mostrar ao mundo o valor qualitativo das nossas castas. Muitas delas ainda continuam a ser bastante desconhecidas para nós.

A viticultura portuguesa tem de dar o "pontapé de saída" neste caminho. E, para cxomeçar, tem de parar com a plantação indiscriminada de castas pelo país inteiro, em locais de difícil adaptação. Como acontece com a Touriga Nacional, talvez a casta portuguesa mais conhecida a nível mundial. Depois de adquirido este estatuto, então vá de a plantar indiscriminadamente pelo pais inteiro, sem olhar ao clima/solo, quais clones se devem usar e, sobretudo, sem fazer pequenos ensaios nessa área para ver qual é o resultado dessa plantação e qual a qualidade do vinho daí produzido.

Quantas vezes já se arrancou uma vinha ao fim de 10 anos por se realizar que essa casta ou os clones utilizados não são os mais apropriados para essa área? Por que razão se plantaram tantos hectares de Touriga Francesa por esse país fora e agora se vê, ou se diz, que a casta não tem qualidade ou aptidão para a grande maioria das regiões? A resposta é simples: porque foi plantada sem haver a mínima noção das características desta variedade, mesmo sendo ela umas das incluídas no top ten das castas nacionais em termos de qualidade, quando plantada nos locais certos e com o devido acompanhamento de viticultor

--%>