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Madrid das arábias, por Luís Maio (14.6.2008)
Voa-se para Madrid por 10 ou 20 euros
O Retiro é o espaço de Madrid favorito de muitos, talvez mesmo da maioria dos madrilenos. De visita indispensável para quem quiser perceber a cidade, no entanto, não resulta fácil, se não é mesmo impossível resumir o que significa para quem lá vive. É uma infinitude de experiências, de histórias e tantas ou mais fantasias que convivem e se cruzam neste enorme quarteirão verde. Importa lembrar que a cidade nasceu num descampado, por razões defensivas e depois se consolidou por exigências de centralização estatal. Um centro artificial, estabelecido longe do mar, nas margens dum rio quase insignificante, sem grandes florestas e a uma distância considerável das montanhas mais próximas. A precisar, portanto, de inventar áreas verdes e de lazer para respirar, ou para assegurar a sua própria sanidade urbana.
O Retiro foi criado com esse propósito, mas a princípio - em 1620 quando o Conde-Duque de Olivares ofereceu 150 hectares das suas propriedades a Filipe IV-, só para recreio à corte. Deixou de ser um exclusivo aristocrático, embora de acesso reservado, em 1767, vindo finalmente a abrir a todos os cidadãos com a revolução de 1868. É certo que não é a maior área verde da cidade, título que cabe à Casa de Campo com uma extensão de 4 mil hectares. Mas este coto de caça criado em 1560 só abriu ao público em 1931 e o Retiro sempre foi mais popular. Em parte porque a cidade cresceu a um ritmo vertiginoso desde o século XVIII, e o parque nascido em redor do Convento de São Jerónimo, ainda fora de portas, depressa passou a ocupar o centro da cidade. Em parte porque sempre foi um jardim, uma natureza segunda e idealizada em constante recriação, segundo o pulsar e os gostos da capital espanhola.
Não admira então se é hoje o coração de Madrid e um dos jardins mais festivos no mundo inteiro. É o lugar onde muitos dão os primeiros passos, onde experimentam os melhores e piores momentos da vida, onde eventualmente dão o seu último passeio. Madrid é uma cidade com múltiplos focos de animação, das praças históricas aos bairros boémios, mas nenhum outro concentra tanta vida e memórias e nessa medida reflecte tão exemplarmente a alma profunda da capital espanhola. É fácil tirar a prova dos nove: perguntem a qualquer madrileno sobre o parque e não será difícil que lhes resumam a história da sua vida. Não será, portanto, grande exagero dizer que não se conhece realmente Madrid enquanto não se estiver no Retiro.
Sequelas do sucesso
Vale como um observatório privilegiado e espaço ideal para socializar com os madrilenos, mas o Retiro vale também por si mesmo como jardim, ou para além de quem o frequenta. Conta actualmente com 118 hectares de terreno, 22 mil árvores, 300 mil a 500 mil plantas de florescimento anual, 3100 arbustos, 42 km de sebes. Tem 19 portas, 50 grupos de estátuas, 11 parques infantis, uma dúzia de esplanadas, além dum par de belíssimos edifícios históricos/monumentais. O seu sucesso arrisca-se, porém, a ser o seu fracasso e os ecologistas queixam-se da excessiva pressão humana que asfixia o jardim, levando nomeadamente à perda de folhas dos seus emblemáticos Castanheiros das Índias. Não admira, quando um jardim se converte numa das principais salas de espectáculos da cidade.
Arte de rua
O Lago Grande e o Mausoléu de Afonso XII não formam seguramente o conjunto mais deslumbrante do Retiro. No entanto, vá-se lá saber porquê, constituem o postal mais comum do parque e um dos ícones da cidade. Este género de postais monumentais, já se sabe, tendem a ser anacrónicos e as gerações mais novas aproveitam-nos para o regabofe, mas não na capital espanhola. Em qualquer dos muitos dias amenos que a cidade conhece por ano, quando acaba o expediente e o sol começa a descer no horizonte, mas sobretudo aos fins-de-semana e dias festivos, o lago converte-se num recinto de festa. E a maior concentração de jovens verifica-se justamente na praça em redor do mastodôntico memorial a Afonso XII.
A sombra proporcionada pela colunata a emoldurar a praça semicircular é o ponto de encontro de tocadores de djambés, flautas e mais instrumentos de desbunda. Inventando um palco ao redor dos músicos, ou evoluindo ao acaso pela praça, actuam aprendizes de escola de circo e dança do ventre, enquanto nos espaços que deixam livres se produzem círculos de artistas da bola ao primeiro toque. Já a escadaria em redor da coluna de 30 metros de altura, que suporta a infeliz estátua do rei, vai servindo de plateia, até encher e se espraiar pelo empedrado. Há gente que vem para ver ou participar no improviso, mas também que abanca a apanhar sol, a contemplar os patos, ou apenas a tagarelar. A maior parte é pessoal da trança, da manta, do cão, enfim, dessa grande congregação de neo-freaks.
Os shows em redor de Afonso XII são assim amadores, improvisados e gratuitos. Já do outro lado do grande lago, no chamado Salón del Estanque, há artistas de rua que se produzem em troca do-que-quiserem-dar. Chegam a ser um batalhão aos domingos e feriados. Em termos quantitativos, a primazia cabe às chamadas músicas do mundo, desempenhadas por emigrantes mais ou menos ilegais. Vai de miúdas chinesas de rosto de porcelana que cantam sobre música pré-gravada a grandes ensembles de índios peruanos e ciganos balcânicos. Não serão génios artísticos, mas a concorrência é grande e a fasquia qualitativa é mais que satisfatória.
Acrobacias radicais
Há muito mais a acontecer nos palcos improvisados em redor do lago, incluindo números de actores stand up, acrobatas, mimos, adivinhos e retratistas, teatro de robertos brigões e fantoches com figuras Disney. O público de ocasião é generoso, gosta de interagir e fazer de figurante, criando grandes círculos, que provocam uma enorme balbúrdia e tornam a circulação virtualmente impossível. Até porque pelo meio, sempre que a polícia fecha os olhos, também se exibe um batalhão de vendedores ambulantes, apregoando artigos que vão dos sacos de gomas aos DVD piratas. Esta mistura de feira e arte popular que acontece no Salão do Estanque é igual ou quase à que faz a celebridade da Praça Djemaâ-el-Fna, em Marraquexe. Não há, de resto, melhor testemunho da prevalência de afinidades culturais entre os dois lados do Mediterrâneo que a gritante semelhante que hoje mantêm esses dois palcos de animação popular.
O que já não se passa nas praças marroquinas, mas é comum no Retiro são os espectáculos desportivos. O parque integra o pavilhão da Chopera, apetrechado com vários campos de futebol, courts de ténis e ginásios. Mas, para além disso, a toda a hora, todos os dias do ano, desde que o tempo o permita, há gente a praticar desporto ao ar livre, incluindo caminhar, correr, patinar, andar de bicicleta e de skate, fazer ginástica, dançar, jogar à bola, ou remar no grande lago artificial. Não haverá nada de muito extraordinário nisso, excepto que aos fins-de-semana há verdadeiros talentos nalgumas dessas modalidades que vão não apenas treinar, mas dar show.
Os do skate reúnem-se na esplanada da fotogénica Casa das Vacas, aproveitando as suas escadarias para executarem saltos aparatosos. Já o coreto que fica ali ao lado serve para as escolas de dança treinarem as suas coreografias em registos que vão do flamenco ao tango, passando pelo samba e pelas danças orientais. Mas é sobretudo no antigo Paseo dos Coches, avenida longa, ampla e frondosa, que o desporto se torna espectáculo com jovens prodígios dos patins em linha e das bicicletas Bmx a concorrerem na destreza e na admiração de quem passa.
Jardim e salão de exposições
O parque madrileno é festa, mas também descanso e recato. A mais-valia neste departamento é também a diversidade, quando o Retiro é um jardim que integra vários jardins, correspondendo a épocas e conceitos diferentes de entender a arquitectura paisagística. O jardim mais concorrido é, curiosamente, o mais selecto - o Parterre, mandado desenhar por Filipe V (1700-1746) à maneira dos luxuosos jardins franceses, frente ao antigo salão de baile, o Cason Del Buen Retiro (hoje extensão do Prado). A sua combinação pomposa de filas de ciprestes de copas aparadas, sumptuosos canteiros de flores e estatuetas barrocas certificam-no como o recanto favorito das beldades madrilenas e dos turistas à procura de oportunidades fotográficas. A jóia botânica do parque mora, de resto, no Parterre: é o cipreste calvo, também conhecido pelas alcunhas de “árvore do casório” ou “do velho”, uma espécie exótica originária da América Central, que alcançou 30 metros de altura em 400 anos. É a árvore mais velha do jardim e a mais valiosa de Espanha.
Outros jardins que justificam menção especial no Retiro são o Roseiral, uma recriação do seu homólogo no parisiense Bosque de Bolonha, actualmente constituído por 4000 roseiras, o mediterrânico e modernista jardim de Cecílio Rodriguez, e ainda o Bosque da Recordação ou dos Ausentes, o mais recente, constituído por 119 ciprestes, tantos quantas as vítimas dos ataques terroristas de 11 de Março de 2004. Onde há jardins há água, o que no Retiro é sinónimo de lagos, canais e fontes. Alguma dessas fontes são singulares obras de arte, como é o caso da feérica fonte da Alcachofra (1781), ou ainda da espantosa Fonte do Anjo Caído (1874), única no mundo dedicada ao Demónio.
A maior concentração de estátuas ocorre no passeio que lhes é dedicado, oficialmente chamado Paseo de la Argentina. São duas filas de figuras de reis espanhóis, distribuídas ao longo da longa alameda sobranceira ao Parterre, originalmente encomendadas por Filipe V para decorar o Palácio Real. Hoje roçam o kitsch e talvez por isso tendem a submergir no arvoredo que as emoldura. Mais interessantes são, sem dúvida, o Palácio de Cristal e o Velásquez, ambos destinados a acolher eventos expositivos ao gosto do final do século XIX, ambos encomendados ao arquitecto Ricardo Velásquez. Edifício mais emblemático do Retiro, o Palácio de Cristal nasceu como uma estufa integrada na Exposição das Filipinas de 1887, complementado por um lago com imponentes ciprestes dos pântanos (parentes do supracitado cipreste careca). Edificado em ferro e vidro, à semelhança das estufas inglesas, o Palácio de Cristal é dominado pela enorme cúpula central envidraçada, que lhe vale a alcunha de Bombonera, e decorado por azulejos com figuras fantásticas da autoria de Zuloaga.
O Palácio Velásquez conta igualmente com azulejos de Zuloaga, mas aqui a arquitectura de matriz eclética apura-se mais clássica e austera. Os dois palácios e ainda a Casa das Vacas - que começou por ser curral e leitaria (1874) e depois bar da moda -, acolhem agora feiras e exposições de arte e arquitectura, em geral associadas aos grandes museus da capital espanhola. Fazem parte do calendário cultural do Retiro, onde se destacam ainda a Feira de Livros de Madrid, que ocorre em Junho, bem como os congressos, eventos sociais e desfiles de moda que tomam por cenário o pavilhão dos jardins Cecílio Rodriguez.
Jardim Botânico
O Jardim Botânico ocupa um quarteirão mais exíguo, delimitado a oriente pelo Retiro, a ocidente pelo Paseo do Prado, com o museu do mesmo nome a norte e a estação Atocha a sul. A sua localização não poderia ser mais central, no entanto, é mais frequentado por turistas em jeito de pausa do circuito dos museus, que procurado pelos madrilenos. Talvez porque este jardim de oito hectares, fundado por Carlos III em finais do século XVIII para servir de armazém e espaço de estudo das colecções botânicas do ultramar, foi depois votado ao abandono e só reformado a partir dos anos 80 do século passado.
O espaço está organizado em quatro escalões: o Terraço dos Quadros, que apresenta plantas ornamentais, aromáticas e de horta, o das Escolas Botânicas com plantas distribuídas por afinidades biológicas das mais primitivas às mais evoluídas, o do Plano da Flor de estilo romântico, onde se situa a estufa e o dos Lauráceos, que integra uma colecção de bonsais. Em todo o lado há placas que identificam as espécies, bem como cartazes que chamam a atenção para fenómenos como os pólenes e os fungos, mas a verdade é que tirando uma gigantesca cerejeira nipónica logo à entrada, a maior parte do jardim botânico tem pouco carisma.
As suas maiores atracções são, por sinal, as mais recentes: o supracitado jardim de bonsais com alguns espécimes deslumbrantes e a nova estufa amiga do ambiente, inaugurada em 1993. Agora está em restauro o edifício da antiga Faculdade de Botânica, o neoclássico Pavilhão Villanueva, obra que quando estiver pronta dará certamente outra graça ao conjunto.
Como ir
EasyJet | TAP | Iberia | Ryanair | AirEuropa
Onde ficar
Alguns dos melhores hotéis de Madrid estão na Salamanca, o bairro chique sobranceiro ao Retiro, enquanto alguns dos mais económicos se concentram mais abaixo, em redor da gare da Atocha.
Hospes Madrid*****
Plaza de la Independência, 3
Telefone: +34 914322911
www.hospes.es
Edifício elético de finais do século XIX, frente à famosa Porta de Alcalá e ao Retiro, estupendamente reconvertido em “avant-garde luxury”. Duplos desde 230€.
AC Palacio Del Retiro*****
C/ Alfonso III, 14
Telefone: +34 915237460
http://www.ac-hoteles.com/
Prédio monumental do início do século XX transformado em hotel de luxo, na esquina mais emblemática do Retiro. Duplos desde 268€.
NH Prado****
Plaza Canovas del Castillo, 4
Telefone: +34 913302400
Novo hotel da cadeia NH em pleno coração do triângulo de museus do Prado e também a dois passos do Retiro. Requinte, sossego, um clássico moderno. Duplos a partir de 140€.
Onde comer
Senzone
Plaza de la Independência, 3
Telefone: +34 914322911
Aberto há um ano, mas já premiado, o restaurante do hotel Hospes é dirigido por Francisco Morales de apenas 26 anos, que antes fez rodagem no famoso El Bulli. As sugestões de pratos+vinhos são brilhantes e tornam as contas um pouco mais leves. 80€ em média por refeição.
Alkalde
C/ Jorge Juan, 10
Telefone: +34 915763359
A melhor cozinha basca, na Salamanca, a dois passos do Retiro. Pratos principais a uma média de 35€.
La Castela
C/ Doctor Castelo, 22
+34 915735590
Uma instituição no campo das tapas, sobretudo no ramo de peixes e mariscos. Meio Retiro vai lá parar, de maneira que a alegre confusão à espanhola é também um prato garantido. A refeição faz-se por menos de 30€.