Fugas - Vinhos

  • Bruno Simões Castanheira
  • Miguel Manso

Moscatel de Setúbal, o primo generoso do sul

Por Miguel Pires

Junto com o Porto e o Madeira, o Moscatel de Setúbal é um dos três grandes vinhos generosos de Portugal. Viajar pela península onde cresce e evolui permite-nos descobrir e experimentar algumas das valias deste vinho que, nas suas melhores versões, é único.

A Casa das Tortas, em Vila Nogueira de Azeitão, é um microcosmos do Moscatel de Setúbal. À frente temos o café e a pastelaria, com o seu mobiliário de época original e as vitrines repletas de garrafas do famoso vinho generoso da região. Uma parte é colecção privada da casa (cujo exemplar mais antigo data de 1910), a outra parte inclui praticamente toda a gama de moscatéis disponíveis no mercado. 

Atrás, num anexo, fica o restaurante e, a ligá-lo, um agradável pátio para os dias amenos. Os peixes frescos da região e as carnes de porco alentejano, grelhados no carvão, a par de especialidades como o cozido ou os assados no forno, são razões suficientes para a casa estar muitas vezes bem composta.

Enquanto apreciamos um belo do salmonete de Sesimbra reparamos que, na sala, e ocupando apenas duas mesas, se encontram marcas que representam mais de dois terços do mercado de Moscatel de Setúbal, que em 2013 produziu pouco mais de vinte mil hectolitros (o equivalente a metade da produção de Vinho da Madeira e 35 vezes menos do que a de Vinho do Porto – segundo dados do Instituto da Vinha e do Vinho). Em toda a região não haverá muito mais do que uma dúzia de produtores, sendo que o comércio está concentrado essencialmente em duas empresas: a José Maria da Fonseca (JMF) e a Bacalhôa Vinhos. 

A primeira está intrinsecamente ligada à história da bebida, possuindo um inestimável portfólio de vinhos antigos, muitos deles com mais de cem anos (a origem da empresa é anterior à classificação como região demarcada, em 1907). Já a segunda, pertencente ao empresário Joe Berardo, embora longe de possuir um património vínico semelhante, inclui igualmente um conjunto de vinhos de qualidade respeitável. Pelo meio encontramos uma série de empresas de menor dimensão, como a Venâncio da Costa Lima ou a Casa Ermelinda Freitas, cooperativas como a de Palmela e Pegões, ou ainda pequenos produtores como a Casa Horácio Simões. Com excepção desta última, que possui algumas preciosidades, a generalidade vende, sobretudo, a gama de vinhos mais novos.  

Vinificado a partir de uvas brancas da casta moscatel de Alexandria (ou tintas, de Moscatel Galego, no caso do Moscatel Roxo), o generoso de Setúbal é produzido através de uma exposição prolongada à oxidação, passando pelo menos dois anos em barris de carvalho, antes de ser engarrafado. As características desta casta tendem a produzir vinhos demasiado doces, com aromas exuberantes. Contudo, para serem minimamente interessantes é necessário crescerem num terroir com condições especificas que lhes dê, senão um carácter único, pelo menos a acidez necessária. No caso dos melhores vinhos, os solos argilo-calcários, a barreira da Serra da Arrábida – que protege as videiras do calor -, bem como a brisa marítima atlântica, fazem com que as uvas alcancem maturações mais lentas e adquiram boa acidez e profusão aromática. O “resto” é feito pelas equipas de enologia e pelo tempo.
 
Características e classificações   

Enquanto jovens, os moscatéis apresentam uma cor dourada com aromas cítricos, sobretudo a casca de laranja, flor de laranjeira, tília e mel; já nos mais velhos, predominam os tons acobreados e aromas complexos com notas de casca de laranja cristalizada, fumo, melaço e frutos secos (avelãs, amêndoas, figos...). Na boca os primeiros são em geral vivos e frescos, enquanto nos segundos prevalece o doce, realçado pela textura densa e aveludada – sempre com um toque de acidez (imprescindível) como contraponto. 

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