Quando pensamos nos Açores imaginamos logo paisagens verdejantes de tirar o fôlego, vulcões, caldeiras, vaquinhas em pastos rodeados de hortências e mar, queijo e, vá lá, cavacos e cracas. Raramente associamos as ilhas atlânticas a vinho e, no entanto, é dos seus minúsculos vinhedos de lava e de alguns campos experimentais que estão a sair alguns dos vinhos brancos mais singulares e emocionantes de Portugal.
Pico, Terceira, Graciosa, São Miguel, São Jorge, Santa Maria e Faial são as ilhas que ainda conservam alguma actividade vitícola, mas só nas quatro primeiras se produz vinhos com castas classificadas. O negócio, se se pode falar em negócio, é muito pequeno e confinado ao consumo local. Mas já houve um tempo em que o vinho chegou a ser uma fonte de rendimento muito importante para algumas ilhas. O vinho do Pico, por exemplo, era tão afamado que algumas cortes europeias o requisitavam para os seus banquetes.
Hoje, o que os viticultores açorianos fazem é uma agricultura poética, de profunda devoção à terra e de respeito pelas vinhas e saberes herdados. Há viticultores na Terceira, nas vinhas dos Biscoitos, por exemplo, que chegam a produzir apenas 20 a 30 litros de vinho por ano e, mesmo assim, insistem em manter a sua curraleta (pequenas parcelas delimitadas por muros de pedra seca). E quem vai a Santa Maria fica incrédulo com as vinhas em socalcos existentes mesmo junto ao mar. É graças a muitos heróis anónimos que algumas ilhas açorianas ainda vão mantendo as suas deslumbrantes paisagens vitícolas, que são verdadeiros monumentos culturais feitos de génio humano e de insubmissão à força dos elementos.
Essa beleza e esse esforço foram reconhecidos pela Unesco em 2004 com a classificação da Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico como Património Mundial. O nome diz tudo: mais do que vinhas, a Unesco classificou uma cultura. A área classificada abrange 987 hectares e inclui um imenso e reticulado sistema de muros de pedra negra (que protegem as videiras dos ventos salgados) e todo tipo de construções relacionadas com a cultura da vinha, desde adegas a pequenos cais e ancoradouros por onde o vinho era escoado, até aos “rola pipas (caminhos traçados na pedra por onde as pipas rolavam em direcção aos cais), “rilheiras” (sulcos cravados na rocha pelos carros de bois) e poços de maré (que abasteciam de água as adegas).
Os apoios à reabilitação de vinhas abandonadas na área classificada como Património Mundial, associados aos apoios genéricos do sector, conseguiram travar o declínio da vinha do Pico e abrir caminho à restruturação de muitos hectares e ao aparecimento de novos projectos. O Pico deve ser, de resto, a única ilha açoriana onde tem crescido a área apta a vinhos DOP (Denominação de Origem Protegida) e IG (Indicação Geográfica), embora a área destinada ao chamado “vinho de cheiro”, feito com castas americanas não classificadas, ainda seja dominante.
Na actualidade existem naquela ilha cerca de 160 hectares de vinhas aptas a DOP e IG e outros 150 hectares estão em reestruturação. Parece pouco, mas é muito para o conjunto do arquipélago. A ilha que vem logo a seguir é a Terceira, com apenas 14,3 hectares. Graciosa tem 11 e São Miguel 3,5. Com castas para “vinho de cheiro”, ainda existem cerca de 300 hectares no Pico, 130 em São Miguel, outros tantos na Terceira, cerca de 50 na Graciosa, 60 em São Jorge, 30 em Santa Maria e oito no Faial.