Fugas - restaurantes e bares

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Sapatos, lápis e chapéus: a indústria está à mesa

Por Sara Dias Oliveira

As “gastroformas” são uma homenagem aos ícones industriais de São João da Madeira e integram-se na perfeição no Turismo Industrial que aqui se faz.

Se falta a essência, trabalha-se a forma. Se não existe tradição gastronómica, inventam-se as “gastroformas” para colocar no prato a indústria do mais pequeno município do país. Os sapatos e os lápis, ícones industriais de São João da Madeira, estão à mesa no Tudo aos Molhos – Francesinhas & Companhia, na porta 35 do Largo de Santo António. Os chapéus chegarão em Outubro.
Andreia Correia Costa faz as apresentações dos novos pratos. É ela quem dá vida às “gastroformas” imaginadas por Jorge Baptista, dono do restaurante. Os dois sapatos comestíveis, um de fivela, outro de atacadores – a diferença está na maneira como se molda o cebolinho – são francesinhas metidas num rissol panado. E não é panado num pão ralado qualquer. Neste restaurante são-joanense só entra pão de Ul feito em Oliveira de Azeméis por mãos de gente que percebe da arte. O rissol é, portanto, moldado como um sapato que surge acompanhado com molho de francesinha sem ponta de álcool, servido à parte, adicionado a gosto.
Os lápis são cordon bleu de confecção clássica em forma de objecto de escrita. O bife é cortado a meio, recheado com queijo e bacon, colocado em massa de rissol que também é panada em pão de Ul ralado. Há também crayons, ou seja, em linguagem gastronómica, croquetes-aperitivos servidos aos sábados.
Os sapatos são feitos por encomenda para os jantares de domingo e os lápis entram na ementa às terças-feiras. Estes pratos podem ser feitos por encomenda para qualquer refeição, em qualquer dia, se a curiosidade e o apetite apertarem.
Os chapéus já estão pensados e serão dois folhados: um de camarão e algas, outro de alheira e queijo da serra. As iguarias encaixam que nem uma luva no Turismo Industrial de São João da Madeira, o roteiro que mostra fábricas em laboração — como a Viarco, a única empresa que produz lápis no nosso país, e o Museu da Chapelaria. As “gastroformas” entram assim no roteiro como uma opção para os interessados em saborearem os ícones industriais de São João da Madeira. Um menu completo custa entre 15 e 20 euros.
Parece fácil, e não é difícil meter o garfo em sapatos servidos no prato, mas a confecção tem o que se lhe diga. Os símbolos industriais ficam bem no prato, os sabores são óptimos, as francesinhas-sapatos são encorpadas e saborosas. Mas as “gastroformas” precisaram de tempo, de estudo, para perceber se determinados ingredientes estariam disponíveis a contorcerem-se e adaptarem-se aos planos que lhe estavam destinados. Estavam, sim senhor.
“É um desafio. Ter cada uma destas formas é complicado, foi preciso estudar. No caso dos chapéus, por exemplo, tivemos de analisar muito bem o comportamento da massa folhada”, conta Andreia Correia Costa, que também se dedica ao cake design e que está atenta a todos os pormenores.
Jorge Baptista imaginou as “gastroformas” da indústria são-joanense para “mexer com a cidade”, diferenciá-la com produtos à mesa que têm um enorme significado económico e uma intensa carga emocional. “Na falta de essência, trabalha-se a forma”. O conceito pegou, resultou na cozinha, está à mesa.
Neste restaurante, privilegiam-se produtos regionais que são comprados na origem, no seu habitat natural. A fogaça de Santa Maria da Feira e o pão-de-ló de Ovar são gelados. Chouriço de porco preto de Serpa e alheira de porco bísaro de Melgaço estão no menu. Esparguete à bolonhesa e pica-pau com molho de francesinha surgem nos pratos improváveis. O arroz malandro de fêveras em molho de francesinha tem muita saída. E em Outubro, a francesinha mais local de sempre entra na ementa com bife da raça arouquesa, de Arouca, pão de Ul, e queijo de Selores de Oliveira de Azeméis. “A gastronomia regional está cansada de velhas formas. É importante a fidelidade ao produto original. É o que fazemos, vestimo-lo de forma diferente sem o falsear”, sublinha Jorge Baptista. “O nosso conceito é singular. Tudo o que propomos é passível de ser harmonizado com molho de francesinha”, acrescenta.  

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