Fugas - dicas dos leitores

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Deus pode bem ser alentejano

Por Susana Manteigas

"É num lugarejo, no Alentejo profundo, numa terra de “Sapos”, sem charcos, nem coaxos, perto de onde o Guadiana atravessa fronteira, que me acho entre a terra e o céu"

Nunca fui muito longe. Espanha só de passagem, de autocarro, numa visita de estudo, há 20 anos, às cidades periféricas de Paris. De resto, de norte a sul de Portugal conheço de tudo um pouco. Alentejo e Algarve, e um pouco do Minho, são as regiões que mais me chegam ao coração. E à alma também.

É num lugarejo, no Alentejo profundo, numa terra de “Sapos”, sem charcos, nem coaxos, perto de onde o Guadiana atravessa fronteira, que me acho entre a terra e o céu. Campo que não acaba mais, um sobreiro que marca presença solitária no meio de nenhures e uma estrada de pó rasteiro que conduz à aldeia mais próxima, que dista a largos quilómetros.

Faz-se bem o caminho, caminhando, sem nunca chegar ao fim. Quer se olhe para a direita ou para a esquerda, a paisagem pouco muda. Lá longe, à direita, um molho de árvores sacode, levemente, as copas ao sopro de uma aragem. À esquerda, mais longe ainda, um rebanho de ovelhas pasta pachorrentamente num campo quase deserto de verde. Nem os chocalhos se ouvem para não despertar o silêncio da manhã.

Só um ou outro pássaro arrisca um voo em baixa altitude para me ver melhor. E é na caminhada poeirenta, contando até dez para arrepiar caminho, que avisto o trono do reino de nenhures. Vazio de matéria humana, corporal, mas cheio de uma luz omnipresente, reluzente e tranquilizadora. Viro costas e sorrio, regressando ao ponto de partida. Deus pode bem ser alentejano.

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Um dos textos vencedores do passatempo Fuga Divinal, promovido pela Fugas e pela editora Lua de Papel  O leitor foi premiado com um exemplar do novo livro de Eric Weiner, "Uma Viagem pelo Mundo à Procura de Deus".

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