Fugas - dicas dos leitores

João Almeida

Uma longa viagem pela Birmânia

Por João Almeida

Por vezes a fuga mais divinal é também a mais acidentada. Quando acordei às três da manhã em Nyanung Shwe sabia que me esperava uma longa viagem, mas quando o tuk-tuk parou em frente ao autocarro que me ia levar a Bagan percebi o quanto ia ser agitada.

Esperava-nos uma das muitas sucatas que vai circular nas estradas de Myanmar (Birmânia) antes de morrer. No interior, bancos que eram pouco mais que tábuas com as costas verticais e cobertos de um tecido onde não se percebia a cor original, e para rematar uma chapa de metal estrategicamente colocada ao nível das canelas. Ia ser aqui onde ia passar as minhas próximas dez horas...

A pouco e pouco foram chegando os restantes passageiros, alguns iriam fazer a viagem quase toda comigo, como a jovem mãe e o filho que, tal como eu, passou a viagem com a cabeça metida do lado de fora da janela, outros apenas por uma ou duas paragens (afinal era dia de mercado em Kalaw).

E em mais de trezentos quilómetros e dez horas de carreira local houve muita gente em muitas paragens, em todas elas hordas de vendedores de comida cercavam-nos, em todas elas o “assistente” fazia a sua magia: berrar aos potenciais clientes e colocar o calço de madeira na roda que substitui o travão de mão.  

Onze horas e meia depois de entrar no autocarro cheguei a Bagan, com hora e meia de atraso, que por lá afinal a pontualidade não é uma virtude.

No regresso, ao contar, perguntaram-me como suportei onze horas por estradas acidentadas num autocarro decrépito, eu respondi que tinha o iPod no bolso e nem sequer me lembrei de o tirar, havia demasiados estímulos para eu ouvir música. 

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Um dos textos vencedores do passatempo Fuga Divinal, promovido pela Fugas e pela editora Lua de Papel  O leitor foi premiado com um exemplar do novo livro de Eric Weiner, "Uma Viagem pelo Mundo à Procura de Deus".

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