Um rapazito conduz-me pela escadaria de madeira que cheira a sândalo. Combinadas num estilo colonial muito particular, cada alcova mostra-se em diferentes cores e desenhos feitos de móveis, velhos e encerados que brilham sob os raios de sol. As camas, cujos mosquiteiros condizem com a cor das paredes, são de uma elegância convidativa. A penumbra dos quartos é invadida pela luminosidade que entra através das janelas rendilhadas, reproduzindo recortes de luz.
Numa das varandas, um recanto semi-escondido e almofadado a damasco insinua-se sedutor: ao fundo, um portão entreaberto dá para um pátio minúsculo forrado a frangipanas, sobre o qual se eleva um alpendre pontilhado de vasos clorofilados. Daí, abre-se uma passagem resguardada por um toldo de organza e que dá acesso a uma pequena ponte de madeira forrada a musselina, esconderijos de romance e quietude, que constituem refúgios de privacidade e bom gosto.
Por entre os interstícios do entalhe dos muros caiados da açoteia do Emerson penetra um aroma a especiarias que afaga a arquitectura arabizada e dignamente envelhecida. Num dos cantos do terraço altaneiro construíram uma espécie de cobertura em madeira entalhada que lembra uma jóia de filigrana. Fechando o “toldo” nas partes laterais, aplicaram-se cortinas de tule que adejam ondeantes, repetindo o compasso do Índico.
Para reconfortar o bourdoir orientalizante, dotaram-no de divãs, tamborins e almofadas forradas a seda e cetim que desafiam ao repouso e à volúpia, cada um escolherá o seu. Mais ao fundo, e antes do recorte do mar, o jardim Forodhani e, num plano mais próximo, as ruínas do forte outrora erguido pelos portugueses e que jazem, preguiçosas, na lassidão do calor da tarde.
A aragem corre quente e envolta em fragâncias exóticas com aroma não só a cravinho e canela mas também gengibre, pimenta e noz-moscada. A vista estende-se sobre o casario rasteiro, as agulhas dos minaretes e palmeiras verdes que intervalam as habitações térreas de ambiente sereno, culminando com um mar de um verde impossível.
Abandono a varanda e regresso ao interior. Do tecto pendem lágrimas de luz; panos desgastados caem em largas pregas até ao chão, arqueando-se num orgulho outrora recortado a ouro. Atrás, tecidos de gaze esvoaçam, acariciando os vidros das janelas. Nos tapetes bordados de arabescos e pisados de séculos assentam móveis incrustados de madrepérola que insinuam conter uma poesia descolorida.
O Emerson & Green, outrora uma mansão de um mercador rico pertencente ao império suaíli, difunde em cada um da sua dezena de quartos o ambiente dos lugares especiais. Num relance, vejo a sua idiossincrasia como uma pérola que mantém o brilho da juventude e talvez por isso, antes de o abandonar definitivamente, penso em como é possível que a memória reconheça lugares onde nunca estive? Como negar que me sinto em casa apesar de este nunca ter sido o meu lar? Mas todos sabemos que a mente prega partidas e que às vezes nos provoca alguns desvarios…
Saio de novo para a Gizenga Street, deixando o nostálgico antro anacrónico. Não se vislumbra vivalma. Os árabes e os persas povoaram-na há mais de mil anos, mas a evolução próspera do sultanato foi interrompida, na sequência da passagem de um ilustre português, em 1498, na rota para a Índia: seu nome? Vasco da Gama. Durante duzentos anos, os portugueses deram aqui o ar da sua graça, até que, nos finais do século XVII, os árabes omanitas tomaram o território, acrescentando novas influências à cultura suaíli. No fim do século XIX e até 1963 a ilha tornou-se num protetorado britânico, juntando-se depois à Tanganica para formar a República Unida da Tanzânia.