Fugas - dicas dos leitores

Um metal chamado Eiffel

Por José Alberto Santos

Alguém me disse uma vez que quando chegamos a velhos a única certeza que temos é que em breve ainda seremos mais velhos. Nessa altura as nossas memórias serão a única bagagem de mão que nos acompanhará na derradeira viagem…

Recordo por exemplo, como se fosse ontem, a nossa primeiro ligação aérea de Lisboa com Paris. Recordo a nossa atabalhoada busca do RER, o comboio que faz a ligação do aeroporto com a cidade.

Como qualquer turista estrangeiro, quando aterrei em Paris pus-me logo sofregamente à procura dos seus ícones principais: Torre Eiffel, Champs Elysées, Montmartre, Quartier Latin, Louvre, Sacré Cœur, Notre Dame de Paris, Pigalle, Arc du Triomphe... Uns mais vibrantes que outros. Mas para mim um deles vibrava mais alto que todos os outros… eu conto-vos.

23 de Agosto de 2001. Lembro-me… Quartier Latin. Muito calor. Parece que os parisienses, nesta altura do Verão, fugiram todos de férias e foram a banhos. Meia dúzia de passos e eis a entrada do metro de Paris. No meu francês, pedi pardon à menina da bilheteira e pedi trois billets si vous plait para o metro até ao Trocadéro. Deux adultes et un enfant: 6,10 francos franceses pelo bilhete adulto e 3,05 pelo de criança. Ala que se faz tarde até aos Jardins do Trocadero. Saída do metro. Et voilà!

Lá estava ela, ao vivo e a cores. Com os seus eternos tons metálicos acastanhados, apaixonantes e capazes de seduzir o mais exigente dos amantes viajantes. Sim, lá estava ela: a Torre Eiffel. Fotos da praxe. Bué delas. E depois foi molhar. Molhar os pés nos lagos do Trocadéro. Para lavar o corpo e refrescar a alma. Passear. Mais fotos. Passear. Até perto da hora do jantar. Se é que jantar, numa altura dessas, tivesse imposição de horários. Um jantar ao entardecer, no relvado da base da Torre Eiffel, com uma paisagem parecida às retiradas de um quadro de Monet, ou de Renoir, ou de Degas. Efeitos do Louvre. Provavelmente.

E depois veio o anoitecer. E com ele, pedindo meças em beleza ao desabrochar primaveril de qualquer flor, as luzes nascem trepando, subindo e florindo, pela Torre Eiffel acima iluminando o nosso coração.

Na base da Torre há todo um emaranhado de multidões em filas que crescem para os lados e avançam, em frente, muito devagar, ansiando por escalar até ao topo. Não nos resta outra alternativa. Se não os podes vencer, junta-te a eles. Para enganar a paciência e o tempo falamos, rimos e lemos, entre todos, um pequeno manual turístico com uma breve história desta obra do senhor Eiffel.

Mentor deste megalómano projecto metálico, Gustave Eiffel nasceu no território francês de Dijon a 15 de Dezembro de 1832. A sua vida académica inicia-se no Colégio Saint Barbe de Paris, onde, precocemente, começa a revelar o seu génio científico. Em 1855 conclui Engenharia Química, na Escola Central de Artes e Manufacturas de Paris.

A busca para o seu primeiro emprego leva-o até á Bélgica. E, aí, emprega-se numa empresa dos caminhos-de-ferro, onde o destino se encarrega de lhe apresentar a sua grande e eterna paixão: as construções metálicas. E dessa intensa paixão marcas profundas foram disseminadas pelo Mundo. Em Sevilha, Espanha, nasceria a Ponte de Triana; nos EUA, em Nova Iorque, está semeada a estrutura metálica da Estátua da Liberdade; em Portugal, na cidade do Porto, nasceria a Ponte de D. Maria Pia.

Mas seria em Paris que seria colocada a cereja no topo do bolo: a Torre Eiffel que serviria para simbolizar os cem anos da Revolução Francesa na Exposição Mundial de Paris de 1889. E que daí para cá se converteu no mais conhecido postal ilustrado de Paris.

Olho para os seus 325m de altura, medidos desde a sua base em cimento até ao pico das suas antenas em aço, e ninguém acredita que só foi concebida para durar uns meros vinte anos após a sua inauguração. Não fosse a sua utilidade para servir de antena de rádio e não teria chegada inteira aos nossos dias. Diz aqui no papelinho que, à data da sua inauguração, 31 de Março 1889, o aço da sua estrutura pesava 7300 toneladas! Incrível.

Subimos no primeiro elevador, apinhado de gente. Subimos até à primeira plataforma, que fica já a uns consideráveis 57 metros acima do solo. Primeiros deslumbramentos. Primeiras luzes. Primeiras tudo… Mais uma voltinha. Segundo ascensor e chegamos ao segundo andar. Encostamo-nos à parede da plataforma e olhamos para o chão lá em baixo. Ninguém diz que já estamos a uns impressionantes 115 metros. A adrenalina da subida ao topo começa a tomar conta de nós. Por fim, e sem elevador, subimos as escadas finais até ao topo. A emoção aumenta à medida que o número de degraus diminui. Sempre mais alto, mais além, para o infinito onde, aos 276m acima, fica a terceira plataforma. O cansaço deixa-nos leves. Olhamos a multidão que se aproxima, num incontido frenesim, da barreira de protecção da última plataforma da Torre Eiffel. Parece que o futuro está ali. À esquina. À nossa espera.

Acotovelam-se na busca incessante de serem sempre os primeiros a ver, tocar, sentir, e porque não experimentar, lá bem do alto, todo o esplendor da sensação de serem tocados pela luz da Cidade das Luzes.

A nossa ampla visão periférica nocturna de Paris, avista, lá bem em baixo, o magnífico espelho de edifícios da ilha de França, deixando no ar um silêncio mais pesado que uma pedra. Fazendo fé nas palavras do guia, daqui de cima, em dias de céu limpo, tem-se uma vista do horizonte num raio de quase 70 quilómetros.

Por cima de nós, a uns escassos metros, um holofote de luz branca roda como uma espada, cortando os céus parisienses em todas as direcções. Esbanja nos céus uma luz intensa e deslumbrante que ora sobe, ora desce, até lá bem em baixo, namorando esse não menos deslumbrante rio que serpenteia por Paris e que dá pelo nome de Sena.

A nossa alma flutua e também ela serpenteia ao ritmo do holofote. Inconscientemente forma-se um sorriso estampado no meu rosto. É nestes momentos que suponho que o mundo é um milagre. Damos meia volta. Amanhã há mais postais.

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