Antes da viagem li que a Cuada tinha sido abandonada nos anos 60 do século passado pelos seus habitantes que emigraram para a América à procura de uma vida melhor. As silvas invadiram, então, os campos e tombaram as pedras das casas e dos muros. As madeiras das portas e das janelas apodreceram. As telhas começaram a cair e os telhados a ruir.
Hoje são as pessoas com uma vida boa que ficam alojadas na aldeia à procura do que os seus habitantes abandonaram, isto é, de isolamento, tranquilidade, simplicidade e das raízes que nos ligam a todos à terra e à natureza.
Graças a um senhor chamado Carlos Silva e à sua esposa Teotónia, a aldeia é hoje como era: não circula qualquer veículo motorizado, caminha-se por passeios de calhaus irregulares, as paredes das casas mantêm-se de pedra, fiéis ao traço da arquitetura rural da ilha, há vacas nos campos e por vezes cruzámo-nos com galinhas e gatos.
Por dentro, as casas têm comodidades que não existiam no passado, nomeadamente cozinha equipada e casa de banho. Todavia, recuámos igualmente no tempo ao caminharmos sobre um soalho de madeira que range; ao sentarmo-nos em cadeiras de verga onde há almofadas coloridas feitas por mãos populares; ao repararmos nas colchas de lã artesanais ou ao encontrarmos móveis parecidos com os que havia na casa dos nossos avós.
Foi nesta aldeia, situada num planalto sobranceiro ao oceano, que ficámos os quatro dias que passámos no extremo mais ocidental da Europa. Destinaram-nos a casa mais distante, um antigo palheiro de nome Fátima que, à semelhante das outras casas, mantém o nome da sua antiga dona.
São quinze casas relativamente dispersas, separadas por prados e muros de pedra, com direito a jardim próprio. O nosso, onde gostávamos de ler e de nos sentar a comer queijo delicioso das Flores, situava-se à beira do precipício sobranceiro ao mar. Do outro lado, tínhamos vista para a aldeia toda e para as montanhas e fios de água que por elas escorrem.
Por tudo isto sentia-me pequenina naquela casa, aconchegando-me bem à noite na cama, atenta a todos os sons que não estou habituada a ouvir, sons tão simples como o vento, o mar, a chuva ou o bramido misterioso de umas aves chamadas cagarros.
Blogue: Viagens à Solta