Empoleirados num muro branco na Rua Pedro Pimentel Cepo, Antiga Rua da Fonte, temos vista privilegiada para o anel de nuvens pesadas e gigantescas que sitia o Caldeirão. Estamos amuados, que ao fim de três dias já não temos paciência para os humores do tempo que nos tem furado todos os planos. A descida ao Caldeirão foi só mais um tiro que nos saiu pela culatra, já devíamos estar habituados.
Sentados no muro, dizíamos, vemos apenas um empregado da construção civil com um boné de Portugal na cabeça a assobiar para entreter o tempo (o das horas e dos minutos). De resto, ouve-se o vento, cães a ladrar e um ou outro pássaro. Há roupa a secar nas cordas - mas não avistamos os donos destas calças de ganga puídas nos joelhos, desta saia comprida florida ou desta t-shirt amarela. Parece-nos que estamos sozinhos no planeta, à deriva numa rocha que voga no Atlântico.
Dizer que a ilha do Corvo, nos Açores, é o fim da linha, o fim do mundo, está tão gasto que nos apetece não dizer - mas não podemos. Como também não podemos dizer, ao contrário do que chegámos a pensar nos últimos dias, que o tempo (o do sol e das nuvens) deu cabo da nossa viagem. Não deu: o tempo deu-nos tempo para observar, para estarmos dentro. Deu-nos tempo para esperar.
E mais um cliché, que o povo nunca se engana: quem espera sempre alcança. Nós esperámos, por vezes desesperámos, mas ao quarto dia as Flores colaboraram e mostraram-se aos nossos olhos de principiantes. Já tínhamos a vista cheia de pastos verdes, de hortênsias azuis e rosadas, de fajãs dramáticas a cair para o mar, de montes a recortar o céu carregado - mas faltava-nos a (quase) fantasmagoria das lagoas para compor o cenário perfeito. Como num passe de magia, a escassas horas de levantarmos voo, a névoa levantou-se também e deixou-nos entrar no reino encantado da Funda e da Rasa, da Negra e da Comprida, da Lomba e da Branca.
Agora temos todo o tempo do mundo para vos contar como foi.
Aqui acaba a Europa
Aterramos nas Flores debaixo de chuva, mas é de calor quase tropical esta manhã de Agosto em Santa Cruz. Quem se estreia num lugar tem o péssimo hábito de querer abarcar tudo ao primeiro olhar, mas percebemos logo que aqui as regras são outras. É preciso saber esperar e é isso que vamos aprender nos próximos dias.
Por enquanto vamo-nos familiarizando com Santa Cruz das Flores, a vila primeiro, o concelho depois (3789 habitantes, contaram os Censos 2011). Na Avenida dos Baleeiros, o Buena Vista Caffé, com vista de mar privilegiada, está com pouca freguesia. Contamos apenas duas mesas ocupadas - numa delas, duas mulheres francesas, mãe e filha, talvez, estão a ler e dir-se-iam indiferentes ao contexto. Daqui a nada, porém, é vê-las descer as escadinhas que levam às piscinas naturais de Santa Cruz e entrar na água tépida que se abriga entre as rochas. Devidamente equipadas com óculos de mergulho, vão passar vários minutos a nadar com os peixes - e a fazer inveja a quem as vê de cima. As piscinas, não temos dúvidas, serão um dos principais cartões- de-visita da vila onde vivem 1724 florentinos.