Fugas - dicas dos leitores

Manuel Roberto

Carrazedo de Montenegro, a capital da castanha

Por Luís Robalo

O clima é extremado, não gosta de meias tintas: rigorosamente frio, ou intransigentemente quente. As poucas pessoas e bestas que habitam as paisagens são igualmente assim.

De tanto convívio com a natureza, sorveram do ambiente o seu feitio complexo, ensimesmado. Não deixam a porta aberta para que qualquer um entre, mas fica encostada quando saem de casa. Não são seres que amem as solidões, mas o confinamento e a escassez de almas encerra-os, convite quase forçado a sentarem-se no escano em frente ao fogo.

Em passados antigos repetindo-se nos recentíssimos, foram poucos os que não se refugiaram no estrangeiro ou nas grandes cidades do litoral. Fica quem não se despega da terra: impossibilidades pessoais ou físicas. Fica quem tem os magnetismos alterados, os que apresentam raízes nos pés, que se metem a crescer pelas profundezas da terra.

Antes, era quase um dia para chegar a Trás-os-Montes, pedia-se uma mentalização prévia para a viagem, curvas e mais curvas, enjoos, estradas más, retratos bonitos a passarem em flecha à frente dos olhos, como se as janelas do carro fossem ecrãs de cinema. O automobilista, sem espaço de memória para os arquivar todos. A fazer de fundo para estes cenários, uma paleta de verdes e castanhos acobreados, se é Outono, a estação que rivaliza de cores com a Primavera; e um catálogo de cinzentos se é Inverno, a estação que rivaliza de tristeza com o fim.

Agora é tudo rápido, o país intersectou-se de linhas rectas traçadas a alcatrão. O que se poupa na velocidade com que se chega, subtrai-se no prazer da viagem, insonsa do seu melhor condimento, a aventura — apercebermo-nos das alterações da paisagem, as cambiantes subtis ou não da luz que se projecta nos sítios, as meteorologias —, presos no cinto de segurança e na previsibilidade enfadonha de chegar a um destino sem memória de acontecimentos interessantes assinaláveis no lapso de tempo decorrido entre a partida e a chegada. É assim que as coisas agora são.

Adiante, que vamos para Carrazedo de Montenegro, a capital da castanha. Tem que se ser a capital de qualquer coisa, aparecer no ranking, para não se transfigurar em fantasma, um risco elevado nas geografias interiores quase despidas de vida palpitante.

Carrazedo de Montenegro poisa-se nas alturas do concelho de Valpaços — oitocentos metros — e olha para este de alto para baixo. É uma vila aberta aos brilhos pristinos do céu, mais próxima das alturas, o que conta e muito para a purificação dos ares e das almas, que é tudo boa gente.

Especula-se sobre a etimologia do nome. Há quem diga que Carrazedo vem de carrasco, abundância de carrascos (uma espécie de carvalho, aqui há muitos). Montenegro vem da escuridão da vegetação da serra da Padrela, o negro monte que lhe faz sombra.

Nos dias de hoje, Carrazedo é uma vila limpa e pintada de cores frescas, claras. Tem uma igreja matriz quase majestosa, uma pequena catedral, que do interior dizem os vizinhos não ser a mais rica — picardias locais. Foi construída no século XVI e remodelada no século. XVIII, neo-clássica com acréscimos do barroco.

Venera-se São Nicolau de Mira, o Taumaturgo. Santo padroeiro da Rússia, da Grécia, da Noruega — e de Carrazedo de Montenegro. Este homem do século III, milagreiro, ganhou fama pela caridade com as crianças e tornou-se um símbolo ligado directamente ao nascimento de Jesus (e à época natalícia: Pai Natal, Santa Claus, é este senhor).

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