Manhã de sol de 12 de Novembro de 2013. Sento-me no areal dourado, ironia das ironias, da praia do Dragão Vermelho. A praia do Dragão Vermelho, na Costa da Caparica, é parte da minha vida, qual tatuagem, quase como uma segunda pele. Estico as pernas e escrevo. Escrevo porque tenho receio de não estar a escrever quando ouvir o apito final do comboio para a derradeira viagem. Olho, penso e escrevo. Por isso permitam-me que vos mostre um dos postais ilustrados das praias da Costa da Caparica
Duas senhoras balzaquianas passeiam pela praia com as suas roupas fluorescentes, em fibra polar, coladas ao corpo. Conversam, julgo eu, num idioma eslavo. No praia-mar junto ao calçadão, e com água pelos tornozelos, um pescador lança o anzol da sua cana de pesca para lá longe no horizonte. De passos lentos, caminhando pela areia que se acumulou no alcatrão do calçadão, passam por mim pessoas com alguma idade e outras nem tanto, falando entusiasticamente sobre futebol. Três surfistas vestem o seu fato isolante de neopreno, colocam cera nas suas pranchas de surf, calçam os “bicos de pato” e entram na água. Mais tarde vê-los-ei entrar pelo mar adentro, desafiando o vento e cavalgarem ondas apelativas cheias de espuma branca com sabor a sal.
Por trás de mim e ainda no areal, meia dúzia de pescadores consertam redes, à ravessa dos seus barcos de pesca chamados arte de xávega. Discutem entre si sobre quem é o mais hábil a safar “pandas” (pequenas pranchas de cortiças rectangulares e flutuadoras das redes de pesca da arte). O sol brilha. Mas está frio. O céu está limpo, isento de manchas brancas, o que nos permite ver ao longe, com boa visibilidade, a serra de Sintra e o seu Palácio da Pena. Aos seus pés Lisboa estende-se para lá da linha de Cascais.
Passa por mim um casal de ciclistas, pedalando juras de amor eterno. Um grupo de atletas de fim-de-semana passa também nos seus fatos de treino de fibra polar, caminhando, passeando, namorando e combinando entre eles e elas lanches para as cinco da tarde. Não necessariamente por esta ordem. Olho para a direita e vejo a praia do Paraíso, onde já não se encontra lá, na sua esquina, a tão famigerada bola da Nivea da minha infância. Quem não se lembra dela, na praia do Paraíso, onde marcávamos encontros para um jogo de bola na praia? Ou outros desencontros?
Ainda agora parece que vejo e oiço o senhor Daniel dos bolos, (paz à sua alma), arrastando pelas areias macias do Verão o seu imaculado carro de mão todo branco, apregoando pelo areal “Olha a bela da bola de berlim! Há com e sem creme!” Lembram-se? E da cabine de som, onde se ouviam músicas da rádio debitadas pelos seus altifalantes ao longo das praias e onde, volta e meia, se apregoava pelo areal que se encontrava junto à cabine de som uma criança perdida? E os anúncios publicitários dos restaurantes 400, Porto de Abrigo e Restaurante O Bento, com os pregões dos menus do dia? Bons tempos? Talvez. Mas quem faz os tempos são as pessoas.
Olho para a esquerda e o sol brilha com tanta intensidade que me ofusca a visibilidade e a visão em direção à Fonte da Telha. Já não se vê o comboio do Transpraia nem a sua linha ferro-carril que levava os banhistas para as praias mais a sul. Assim como a tribo dos banhistas foi extinta para dar lugar à tribo dos turistas. Os bares modernos em toda a correnteza da praia estão encerrados. Talvez para férias.