Na nomenclatura das lojas, dos bares, dos nightclub, figuram nomes com as toponímias do mundo: Copenhaga, Tóquio, Jamaica, Oslo, Europa. Dá-se a volta à Terra na distância de uma rua, com o chão pintado na cor da rosa. O comprimento do mundo em trezentos metros estreitos.
A zona foi pouso de marinheiros e senhoras de profissão liberal com contador de moedas entrepernas. Agora passam turistas escrutinados pelos olhares desconfiados dos residentes escassos, amarelados há muito pelo insidioso mal da nostalgia, que lhes põe essa cor emaciada. Velhos que se deixaram ficar, e ao darem conta disso tinham raízes a prendê-los às pernas dos bancos de madeira onde estão sentados desde a reforma a ver os movimentos da rua.
As putas que fazem disso profissão continuam coladas às esquinas, as que por ínvios caminhos ainda não morreram de doenças venéreas, ou conseguiram amealhar uma reforma, agora ninguém lhes pega. A cada um a sua utopia, todas impossíveis, ainda assim nalgumas chega-se quase lá, estas são difíceis de chegar ao quase.
Havendo marinheiros há mar por perto, é um rio largo e fundo o que passa por estas margens. Antes estava cheio de barcos de muitos nomes: muletas, enviadas, faluas, barcos de água acima, fragatas, varinos. Uma azáfama, um engarrafamento, enfunados pelas velas latinas, quase mais barcos do que água para navegar.
Hoje o rio perdeu as cores garridas que pintavam os barcos e os nomes que eles tinham foram esquecidos, nomes tristes, ou palavras de amor, pintados nas proas por mãos indecisas.
Para além dos barcos enormes e fúteis que hoje passam atafulhados de passageiros em trânsito, e de alguns peixes persistentes e apegados ao sítio, o rio pouca vida tem, envelha, arrasta-se com os vagares a que se acha de direito, ao encontro com o seu epílogo, sem pressa de se apresentar ao mar.
Como o rio, alguns velhos locais pingam os dias entediados pescando, desde que o sol pestaneja até que se retira para ir iluminar o outro lado do mundo. Não têm para onde ir, ou não querem ir salmodiar com as esposas aborrecidas e eles aborrecidos.
Ficam-se por ali, a fingir-se esquecidos, abeirando o olho alternadamente para a água a ver se vem peixe, ou para os transeuntes, estranhos estrangeiros, não são como os nossos.
Os bares e nightclub que se disseram antes estão de novo de moda, alguns com ordens de despejo para se construírem apartamentos de residência temporária para turistas de baixo custo.
Porteiros e seguranças, arcaicos, barram as entradas arbitrariamente, fazem-se difíceis. Quando aqui mandavam os marinheiros sifilíticos e as putas eram decentes, agradecia-se a entrada dos clientes, e nos desacatos os porteiros perdiam invariavelmente. Eram lutas que obedeciam a códigos, tinham uma ética, lutava-se corpo a corpo, mãos despidas. Hoje as lutas são mais cobardes.
Neste bairro estrangeirado com os nomes das outras terras inauguram-se agora restaurantes a fazerem estilo, geladarias artesanais, bares com “assinatura”, até que num dia de vendaval da história – de todas histórias – tudo desapareça, e as pessoas, geralmente instáveis e de fidelidades curtas, troquem o local por outro mais na moda.