Está a ver a imponente fachada da estação de comboios do Rossio, com todo o seu esplendor calcário neomanuelino, pequeno Dom Sebastião entre duas grandes portas, coroada por torre com relógio e, sob esta, duas fileiras de belas janelas? Pois hoje uma dessas janelas é a do nosso quarto, um dos alojamentos do novo Rossio Patio, hostel que se torna um caso especial em Portugal.
Não só por se localizar dentro de uma estação ferroviária (em Braga existe o Basic by Axis) mas também por se localizar precisamente nesta estação lisboeta, monumentalmente histórica, Imóvel de Interesse Público erigido nos finais do século XIX, alvo de um recente e profundo restauro e menina-do-olho de muito português e de milhões de turistas. Agora, dorme-se dentro da estação do Rossio com todas as comodidades e pagando desde 18 ou 20 euros. E nada tema: nos quartos dá-se mais pelo ruído da vida e tráfego que bombeiam no coração da cidade que pelo som dos carris.
Entrando pelo átrio do piso superior da estação, o contraste é evidente. Passageiros apressam-se em filas nas bilheteiras, as escadas rolantes não param de trazer e levar mais gente, alguns correm para o comboio ali em frente, prestes a trinar nos carris e desaparecer no longo túnel em direcção a Sintra.
Mas, exactamente no lado oposto das bilheteiras, pressente-se calma por entre as diáfanas cortinas brancas de umas grandes portas de vidro, encimadas apenas por umas garrafais letras: Rossio Patio Hostel. O "pátio" do nome não é em vão: entra-se no hostel, que se reparte por dois pisos, e é como entrar num verdadeiro pátio - dirse-ia quase um riad industrial -, um imenso espaço aberto que começa na recepção, se prolonga por sala e lounge e termina na cozinha, coberto por um tecto-clarabóia que não só garante luz natural ao longo de todo o dia como cujos gradeamentos projectam sombras pelo espaço criando uma decoração naturalmente surreal.
Por entre ferro, aço e madeira, o pátio é quase um "jardim de Inverno", atapetado a relva artificial, salpicado de plantas, pouff s e almofadas, redes e cortinas, com direito a uma desportiva mesa de snooker. De um lado, a parede acompanha a nave ferroviária, uma parede de tal grossura que não há comboio que se oiça; do outro, encostados à fachada do edifício, alinham-se os quartos "espartanos", como resume João Teixeira, responsável pelo projecto, a que chega com a experiência de outro hostel lisboeta de sucesso, o Alfama Patio.
Depois de encontrar o espaço - que, após o restauro da estação em 2005/2007, era utilizado como área expositiva - apresentou a ideia à Refer, a empresa que gere a infra-estrutura da rede ferroviária portuguesa. E esta concluiu que um hostel "se integrava" no complexo. "Para a hotelaria tradicional, o espaço não teria condições", diz Teixeira, mas "para um hostel, que tem outros critérios, é perfeito".
A "singularidade" da localização ferroviária dá desde logo ao Rossio Patio um lugar de destaque na alta-roda da "hostelaria" lisboeta, habituada a conquistar prémios mundiais e a encimar os tops mundiais do sector - ainda este ano três hostels da Baixa (Travellers, Lisbon Lounge, Living Lounge) ficaram nos primeiros lugares dos Hoscars, prémios atribuídos pelos utilizadores do Hostelworld, referenciado como o maior site de reservas do mundo no sector, com outros alojamentos lusos a arrecadarem mais distinções (incluindo o "irmão" Alfama Patio, um dos três melhores para grupos).
Com tal competição, num mercado com quase meia centena de hostels, como distinguir-se? "Location, location, location", sublinha Teixeira, acrescentando, lá está, a "singularidade" do edifício e "a qualidade e diversidade dos serviços prestados". Objectivo: "elevar o patamar do hostel low cost".
Pátio social
A nós, noblesse oblige, cabe-nos um quarto duplo, com uma cama eficiente, um armário jeitoso e pouco mais. Pouco, como quem diz, já que o luxo é dado pelas vistas largas e luminosas, para a praça dos Restauradores, nesga do Rossio e sorriso do Teatro Nacional D. Maria II. E os sonhos serão embalados por duas contínuas surpresas: por um lado, não, não se ouve nem um comboio (antes nos vai chegando o ruído da vida da cidade - contingências de estar em prédio histórico no coração da cidade); por outro, uma ideia que nos martela o adormecer, a de estarmos a dormir na fachada da estação. Definitivamente, há nisto uma certa elevação.
E, aqui chegados, convenhamos, há até outras elevações que saltam logo à vista, e logo ao acordar: a cozinha comunitária, parte do espaço aberto do pátio, faz-se com grandes mesas e estruturas de qualidade, para além de oferecer pequeno-almoço a todos, incluindo sumos ou cafés, cereais e mesmo crepes acabados de fazer pela mão experiente da cozinheira Maria.
A casa de banho comunitária surpreende e garante privacidade mesmo a quem não gosta mesmo nada de partilhar tal espaço. Há "caixas" de duche individuais, com espaço q.b. para um duche confortável e espaço para arrumar os pertences; a linha de lavatórios apresenta-se imaculadamente clara e, uma vez mais, as janelas voltam a oferecer vistas deluxe, com Lisboa a subir ao Castelo.
Os quartos (que podem ir sendo alterados conforme o andar da carruagem) dividem-se entre dormitórios para quatro ou seis pessoas, alguns com beliches, além de individuais ou duplos, com ou sem casa de banho - até porque a clientela dos hostels já não escolhe idades ou ocupações, entre mochileiros, casais ou famílias. Os quartos do primeiro piso têm direito à mais-valia das janelas, enquanto os do segundo têm varandins para o pátio. Cada quarto inclui uma garantia de segurança moderna: a chave é um cartão electrónico, que regista todas as entradas. Além do mais, há cacifos à disposição.
Todo o hostel converge para o grande pátio e para a socialização, "ponto forte dos hostels", como diz Teixeira. Até porque o cliente tradicional só usa mesmo os quartos para as horas do sono, o resto do tempo é passado nas áreas sociais.
"O quarto não é para se fechar sobre si próprio", sublinha, porque "a riqueza está fora". O pátio funciona como uma grande sala de estar e o programa de festas prolonga-se: há bar aberto com uma espécie de mealheiro (tira-se a bebida e pagase), os dias completam-se com tours guiados pela cidade ou arredores, as noites podem incluir cinema, fados ou DJ, barbecue ou jantar com especialidades lusas, além de tours pelos bares ou casas de fado da cidade. Não faltam proposta, até porque a juventude da maioria dos clientes garante-lhes "muita energia" e não têm tempo para descanso: "Eles querem fazer tudo".
Pátio do mundo
Pela manhã, o hostel começa a fervilhar de hóspedes de todo o mundo a chegarem e a partirem, uma dança de malas e mochilas. Outros descansam e conversam pela sala, aproveitam o pequeno-almoço. Um grupo de jovens francesas manifesta a sua surpresa com tal hostel em tal sítio. Um jovem australiano solta uns amazing, amazing que troca por dicas de passeio pela cidade.
Os hóspedes "ficam realmente surpreendidos" quando chegam, conta-nos Anaïs Chemla, francesa, 27 anos, que trabalhou em 2010 no hostel de Alfama e este ano voltou, para dedicar-se a gerir a casa do Rossio, além de dirigir o marketing de ambas as casas. "Porque é um local fantástico", sorri no seu inglês adocicado. E por aqui vai vendo muita gente de boca aberta: "Não é comum dormir assim numa estação de comboios", por isso "costumam chegar, um pouco curiosos, e quando vêem o pátio começam tipo 'Santo Deus, estamos mesmo num hostel?'.
E se vão chegando hóspedes de todo o mundo, está visto que o cosmopolitismo da clientela tem reflexo na equipa do hostel, na verdade uma espécie de sociedade de nações que integra naturais da Rússia ou Ucrânia, Alemanha ou França, Espanha ou EUA e, claro, de Portugal. Ou da Estónia, como Dangolia Rosickaite, directora financeira dos dois hostels e gestora da casa de Alfama, que, num português já muito treinado nos cinco anos que leva de Lisboa, resume que todo o projecto pretende oferecer "não só um lugar para dormir mas para as pessoas viverem uma experiência em Lisboa". "É o mais importante", até porque "aqui dentro do hostel encontram muitos amigos" e também "nós somos todos de países diferentes". Para Dangolia, isto não é apenas negócio, o coração também entra na equação: "Quando chegámos a Lisboa, a Portugal, encontrámos alguma coisa que nos fez ficar cá e nósestamos a tentar dar esta sensação aos nossos hóspedes, para eles também ficarem in love com Portugal".
Refer quer mais hotelaria nas estações
Em Março, um Basic by Axis abria junto à estação de Braga e, agora, abre na do Rossio, um hostel. A Refer, que gere a infra-estrutura da rede ferroviária lusa, continua "aberta a propostas", adianta Susana Abrantes, da Direcção de Comunicação e Imagem da empresa. Embora refira que não existam, "presentemente, outros projectos com a mesma dimensão", acrescenta que "em algumas estações desactivadas" a Refer espera, "brevemente, implementar pequenas unidades hoteleiras". Em tais planos, para já, parece não caber a abertura da estação de Santa Apolónia à hotelaria, uma "possibilidade", refere Abrantes, que "não está em apreciação". Na estação do Rossio, que integra um café Starbucks, lojas e área da restauração (no exterior da estação, no largo Duque de Cadaval), a abertura do hostel, "implementado numa fracção autónoma e independente" e "licenciada para o efeito", "quer a actividade, quer as instalações" foram, garante a Refer, "acauteladas do ponto de vista da segurança e responsabilidade civil".
Rossio Patio Hostel
Piso superior da Estação de Caminhos de Ferro do Rossio
1249-970 Lisboa
Tel.: 213466457
www.rossiopatio.com | Facebook
Preços (variam com a época): de 18€ a 35€ por pessoa por noite (várias tipologias: dormitórios para
quatro ou seis pessoas, quartos privados ou duplos, com ou sem casa de banho)
Inclui: Internet sem fios grátis, pequeno-almoço, cozinha comunitária, guarda gratuita de bagagem, caminhadas pela cidade e festas (no hostel até 23h00/00h00)
Check in às 15h00/check out às 11h00