Fugas - hotéis

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A Companhia das Culturas ou a celebração de um lugar

Em tardes de distensão, já me entretive a adivinhar as vidas passadas de cada uma das divisões. A sala de pequenos-almoços/almoços/jantares foi a casa da cortiça e do mel. A sala-de-estar/biblioteca foi lagar de azeite. A sala de ioga, tai-chi ou qi-cong costumava ser a garagem da debulhadora. E os nove quartos serviram de abrigo ao fazendeiro ou ao caseiro ou aos animais.

“O nosso processo não é de construção, é de recuperação de ruínas”, gosta de explicar Eglantina. A frase também vale para os quatro apartamentos, situados no outro núcleo da fazenda, o que serve de habitação ao casal: já foram um ovil e um lagar de azeite. E neles, como no resto, prevalece a cal, o cimento afagado, a cortiça.

Nada parece ficar ao acaso. Tirando as camas, todo o mobiliário resulta de processos de recuperação com materiais locais, como madeira, cana, palma, junco. Há evidente repúdio pela produção desenfreada, pela cultura do descartável. “Em vez de ter coisas novas, é ter uma nova utilização das coisas”, diz Eglantina. Mistura as épocas e os estilos. “Isso é que é ser contemporâneo”, enfatiza. Acha que tudo se torna mais acolhedor se tiver passado — se tiver vários passados.

A transformação de mobiliário antigo faz-se na fazenda, mas não se comercializa, pelo menos por enquanto. O que já se começou a comercializar foram as compotas, os vinagres e os chutneys feitos com frutos da fazenda. Em breve haverá uma pequena loja, na zona da recepção, com produtos da quinta e de manufacturas de várias zonas do país, que ela vai descobrindo.

“As coisas têm acontecido à medida que nós vamos querendo responder às expectativas que as pessoas têm dentro do que é a nossa ideia de acolher”, resume Eglantina. “O que é acolher? Disponibilizar, dar o que é do lugar.”

A paisagem serve-se à mesa. Desde logo, sob a forma de ervas aromáticas, como o tomilho ou o funcho que crescem livres no barrocal, e de chás, sumos e compotas feitos com o que a fazenda vai produzindo. O resto vem de pequenos proprietários que vivem perto. A muxama, por exemplo, vem de uma unidade de transformação de peixe especializada em secos e salgados, como a estupeta, o sangacho, as ovas prensadas, os rabinhos, a espinheta ou as anchovas de biqueira, que Dâmaso Nascimento mantém a funcionar em Vila Real de Santo António.

A lógica vale para os petiscos, almoços e jantares. O menu respeita o ciclo das plantas silvestres, que ali vão do espargo à beldroega. Pedro Beleza, o chef, usa o conceito de dieta portuguesa, que tanto discute com Francisco. Funde a cozinha mediterrânica, tão devedora do pão, do azeite, do vinho, com os peixes do Atlântico e acrescenta-lhe as carnes da serra. “Pensei nos recursos que a fazenda tem, nos pescadores da baía de Montegordo, nos produtores de porco de montado, de um modo de mostrar o que temos de melhor a menos de cem quilómetros.”

Fazendo sentido, também usa produtos vindos de longe, como os couscous, de influência árabe, cuja produção continua em Trás-os-Montes e na Madeira. “Talvez para o ano comece a produzi-los aqui”, diz ele. “Quando cheguei, havia imenso albricoque em calda. Comecei a fazer vinagre. Estou a usá-lo para marinar carne.”

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