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O adeus de um crítico de quem até os criticados gostavam (David Lopes Ramos, 1948-2011)

Mesmo dedicando uma crescente energia à função de "editor de vinhos e petiscos", como gostava de ironizar, David Lopes Ramos nunca deixou de reflectir o país. Fazia-o com cepticismo e amargura. Muitas vezes revelava a sua impaciência e irritação com a governação. Numa crónica escrita no PÚBLICO por altura da morte de Vasco Gonçalves, David Lopes Ramos recorda uma conversa recente com o general (o texto é de Junho de 2005) na qual lhe lembrou que "o socialismo não passava de uma miragem, que cada vez haveria mais portugueses com uma bandeja na mão ou tacos de golfe a tiracolo a servir turistas estrangeiros endinheirados". Mesmo sabendo que os ideais de juventude se tinham desvanecido, sempre manteve fidelidade aos princípios políticos dos primórdios. Era, aliás, com uma boa conversa política que David Lopes Ramos mais se entusiasmava e melhor mostrava a sua vasta cultura (literária, política, estética...). A reflexão do historiador marxista Eric Hobsbawm na sua obra autobiográfica Tempos Interessantes era para ele um bom espelho do seu próprio percurso e do ajustamento que teve de fazer entre ideais e a realidade concreta do país e do mundo. Adaptara-se, mas não perdera convicções, nem se despira de valores.

Mas, além da excelência da sua prosa, da qualidade do seu percurso como jornalista, ou da sua coerência, há entre todos os que o conheceram o reconhecimento de que David Lopes Ramos era "um homem bom". Maria de Lourdes Modesto diz que ele era "o elo mais forte da nossa gastronomia", porque era capaz de pôr toda a gente a funcionar em rede; o crítico de vinhos João Paulo Martins sublinha a sua "permanente disponibilidade para os outros"; o gestor Paulo Amorim invoca o seu "estilo discreto, despretensioso, nunca alardeando o seu muito saber, mas sempre disponível para o partilhar"; Luís Miguel Viana, director da Lusa, lembra-o como "a pessoa mais generosa" que conheceu; Duarte Calvão cita o tempo em que o conheceu e que, apesar de serem concorrentes Calvão era crítico do DN, tratou-o, "com a sua extraordinária gentileza e simplicidade", ajudando-o "a tentar ser melhor"; Luís Lopes, director da Revista de Vinhos, recorda-o como "uma explosão de vida e de bom gosto"; Rui Paula, chef do restaurante DOP, invoca-o como "uma lição de verticalidade e honestidade, que devia ser aproveitada pelos jovens críticos que acham que escrever sobre gastronomia é uma coisa fácil".

Afinal, "ele mantinha esse espírito dos tempos de estudante em Coimbra, nos seus aspectos mais saudáveis: a fraternidade, a camaradagem, o combate pelas suas ideias", considera António Borga. Para muitos dos jovens jornalistas que iniciaram as suas carreiras no PÚBLICO, ele era a voz da exigência e do conforto em tempos de excitação e muito desconcerto; para os seus pares da crítica, o exemplo ético e profissional; para os alvos dos seus textos, um modelo de isenção, de pedagogia e de justiça.

O funeral de David Lopes Ramos realiza-se hoje, às 12h45, da Igreja de S. Tomás de Aquino (Estrada da Luz, em Lisboa), para o cemitério do Alto de S. João, onde o corpo será cremado às 14h00. Todos os que o conheceram concordarão por certo com o título do texto genial que escreveu no adeus a Vasco Gonçalves: "Morrem cedo os que admiramos."

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