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    Impalas na Gorongosa Paul Kerrison/NationalGeographic
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  • Contratando trabalhadores locais
    Contratando trabalhadores locais Paul Kerrison/National Geographic
  • Greg Carr e Carlos Lopes Pereira (Director de Conservação)
    Greg Carr e Carlos Lopes Pereira (Director de Conservação)

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Gorongosa, o paraíso reencontrado em Moçambique

Os olhos da câmara

Mas como conquistar os 75 mil turistas (em 2009, apenas cinco mil visitaram o parque) que garantem a auto-sustentabilidade da Gorongosa, segundo a Fundação Carr? Com um "banquete visual", talvez um similar ao que Bob Poole, operador de câmara e director de fotografia de O Paraíso Perdido de África, teve direito logo à chegada. "De helicóptero, a visão é incrível: consegue ver-se, em tão pouco tempo, tanta coisa, tantos animais que a primeira visita ao parque é deveras impressionante", disse ao PÚBLICO.

Essa imensa sensação, contudo, logo se apoucou. De volta a terra firme, Poole deu por si rodeado apenas por mato, arbustos, floresta... Embrenhado num verde sem fim, próprio dos dias que precedem o início da época das chuvas, parecia quase impossível encontrar um único animal. E nem procurá-los seria tarefa fácil, já que "os trilhos estão por essa altura todos alagados".

Os problemas acabaram por resolver-se. Junto ao rio Sungué, Poole encontrou milhares de aves atraídas pelos pequenos peixes que nadavam quase à superfície. E com a ajuda da precisão de uma câmara de alta definição, a Phantom (operada por Andy Casagrande), conseguiu captar em câmara lenta os movimentos precisos de uma águia-pesqueira a agarrar o seu almoço.

Já para filmar as estrelas do filme, os crocodilos, foram necessárias horas e horas de imobilidade total. E para conseguir a desejada sequência final destes temidos e admirados monstros verdes - uma fêmea crocodilo a enterrar os seus ovos e, posteriormente, a libertar as crias - Poole teve que regressar uma segunda vez ao parque, em Dezembro do mesmo ano.

O operador de câmara esteve dias a fio sentado à beira do rio à espera que a fêmea se decidisse. Foi preciso desistir para que se desse o golpe de sorte: longe do local, uma chamada quase impossível (dada a fraquíssima cobertura de rede) alertou-o para o facto de ter chegado a altura. Meia hora depois, Poole conseguia captar as imagens que tanto ambicionara. "Senti-me mesmo radiante", confessa, entre risos de satisfação, ao perceber que conseguira apanhar a mãe-crocodilo a libertar as crias dos ovos, a colocá-las na sua enorme bocarra e a transportá-las até à água.


Turismo para o futuro

Houve mais momentos marcantes, embora nem todos tão felizes: na altura de filmar os elefantes - animais que Poole não só está habituado a filmar como sobre os quais tem alguns conhecimentos, muito devido à sua irmã (uma investigadora de elefantes de renome, Joyce Poole) -, o operador de câmara percebeu o quão devastadora foi a guerra para a espécie, deixando uma pesada herança genética (muitos sem dentes) e transformando-os, contrariamente ao que é o seu comportamento habitual, em elefantes anti-sociais. Tal constatação "é triste", desabafa. "Assistiram a tanta morte, a tanta tragédia, que têm medo."

A equipa ainda voltou uma terceira vez, entre Abril e Maio de 2009, para os grandes planos aéreos. Até que as filmagens chegaram ao fim e a National Geographic teve de despedir-se da Gorongosa. Mas, pelo parque, o ritmo dos trabalhos não abrandou. "Estamos a reflorestar o monte Gorongosa e a construir estufas de árvores para replantar a floresta tropical e, ainda este ano, esperamos conseguir reintroduzir mais búfalos", adiantou Greg Carr.

Com o lançamento do documentário - "uma forma de levar a Gorongosa a todo o mundo" e "angariar apoio político" -, o parque mostra-se pronto a receber turistas no Chitengo Safari Camp, reaberto na segunda-feira, e a preparar condições para receber mais ainda: "Estamos a construir novas infra-estruturas para o turismo em Chitengo." Porém, não chega para atingir os almejados 75 mil visitantes. Resta outra luta: captar capital privado para a criação de infra-estruturas, nomeadamente na área da hotelaria, na chamada "zona tampão" - fora da área de reserva mas suficientemente próximo para que se possam criar sinergias.

Conseguirá a Gorongosa voltar a ter alguma vez o esplendor do passado? Carr não só acredita que sim como acrescenta "que a restauração da Gorongosa servirá de exemplo de como um ecossistema em ruptura pode ser reparado". "Mas - avisa - dá trabalho!". Já Bob Poole, que cresceu numa reserva animal no Quénia, confirma a excepção: "Não se trata de um zoológico ao ar livre; é a vida selvagem real. A Gorongosa é a verdadeira experiência de África."

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