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  • Gregório Cunha
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Numa praia do Funchal pode-se nadar num mar que não se vê

Numa cadeira de rodas, a poucos metros dali, Hernâni Silva observa curioso a azáfama. Para ele, tudo aquilo que está a nascer na Praia Formosa, é uma “grande vitória”. 

O projecto de praia adaptada, que foi o mais votado do Orçamento Participativo do Funchal, é da autoria deste funcionário municipal de 45 anos. “Sempre fui um amante da praia, e nenhuma das que frequento são verdadeiramente adaptadas às pessoas com dificuldades de locomoção”, lamenta Hernâni Silva, sublinhando que para uma praia ser acessível “não basta” hastear uma bandeira e apresentar-se como tal.

Hernâni Silva queria uma coisa prática e discreta. “Não gosto de estar dependente dos outros, e sempre que queria ir nadar estava à mercê da boa vontade de alguém”, explica, lamentando a falta de “dignidade” dos sistemas que existem em algumas praias.

Em algumas existem gruas hidráulicas, que carregam as pessoas até à água. “É preciso colocar fitas e mais fitas, é tudo um espectáculo, um palco que se cria na praia para as pessoas com deficiência, que não é digno”, exemplifica, olhando para este novo “pedaço” da Praia Formosa como um modelo de simplicidade e autonomia.

José Figueira não vê, mas sente essa facilidade. Invisual desde jovem, devido a uma doença progressiva, também foi à Praia Formosa tentar perceber essa mudança. Adora o mar. O cheiro. A liberdade que a água proporciona. Até agora, era sempre uma sensação partilhada. “Tenho que ir sempre acompanhado por alguém, para me referenciar”, explica.

Agora, José Figueira já pode ir nadar sozinho. “É um projecto louvável, como são todas as iniciativas que visam a inclusão”, diz, admitindo que tem algumas reticências sobre a forma como tudo irá funcionar no dia-a-dia. “Com miúdos a jogar à bola, música nos bares, pessoas a conversar, será difícil no início lidar com o sistema de avisos sonoros.”

Mas para ele não existem barreiras nem impossibilidades. Fisioterapeuta de profissão e dançarino por paixão, José Figueira já fez muitas coisas que a maioria julga vedadas a invisuais. “Comigo, essa conversa do coitadinho do ceguinho não existe”, afirma, dizendo que já fez ski aquático, ski na neve, e viveu muitas outras experiências. “Quero viver muitas mais”, diz José Figueira, que desde 2011 integra o grupo de dança inclusiva ‘Dançando com a Diferença’.

Por isso, ir ao mar sozinho será apenas mais uma conquista pessoal. “Esta iniciativa vem ajudar e muito, porque ninguém gosta de depender dos outros, muito menos em situações tão simples como sentir o mar à nossa volta.”

Para Hernâni Silva é uma dupla conquista. Poder ter uma praia com acesso facilitado, e sentir que a ideia foi sua. “Tenho que agradecer às autoridades por terem apoiado a ideia, e à população por ter voltado nela”, salienta, pensando que talvez mais autarquias adquiram agora uma nova consciência sobre a importância de incluir todos os cidadãos na vida das cidades.

Noutras praias, noutras cidades, Hernâni Silva já alertou para esta problemática, mas a resposta é sempre matemática. “Dizem sempre que não têm dinheiro, e que estão a tentar melhorar dentro das possibilidades do orçamento.”

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