-> MAIS: Vídeo | Solar do Porto em Lisboa, versão cocktail
Percorrem-se os socalcos do Bairro Alto como quem palmilha vinhedos e chegamos ao solar a tempo de erguer o cálice aos 65 anos desta embaixada dos vinhos do Porto na capital. Em Fevereiro, o térreo solar do Palácio de Ludovice, do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), renascia renovado a para celebrar, com pompa e circunstância (e, evidentemente, Porto de Honra), o aniversário. Foi por esta altura que se apresentou de cara lavada, com uma decoração de cores quentes, novo mobiliário (e outro recuperado), paredes em pedra cobertas (e protegidas).
Tradicional ponto de paragem para muitos turistas, o solar de Lisboa propôs-se agora a uma tarefa hercúlea para um espaço que soma uns 85 por cento de estrangeiros no total de clientes: conquistar os nativos, "aproximar o solar da cidade e dos portugueses e fazer do local uma das referências de lazer da capital", resumem.
Como na própria criação dos Portos, pode vir toda a modernidade que o certo é que há um detalhe neste vinho, como em qualquer espaço que o queira venerar, que lhe é inerente: o detalhe humano. Apresentamos-lhe o nosso guia: José Manuel Folgado, que, além de gerir as existências, nos guia por este "seu" espaço e pela sua renovação do alto da sabedoria de 40 anos ("mais um, menos um") que já dedicou ao solar.
"Isto estava sempre na mesma, como se costuma dizer, e precisava levar uma volta", admite Folgado, enquanto ajeita a farda e a barba e segura as mãos ao avental. "Mantiveram-se azulejos e alcatifas, pintaram-se salas e janelas. A sala [grande] é que levou uma grande volta, foi um bocado transformada, porque tinha umas pedras", que foram cobertas, e "fi cou verde", "mas mais bonita e aconchegada", e criou-se uma garrafeira. Está tudo explicado.
Quando se entra, o Solar de Lisboa divide-se entre um corredor que nos afasta da luminosidade e do ruído da rua: um bar luminoso para a esquerda, sala de estar a meia luz em frente, ladeada por estantesgarrafeiras, e conjuntos de mesas e poltronas. Para a esquerda do bar, há mais recantos e uma ampla sala, com grande mesa apalaçada, dirigida a grupos.
É nesta sala que pára Folgado, com os olhos a escaparem-se para a vitrina de velhas garrafas de Porto, algumas já só com vapores de vinho, mas sempre um regalo para o olhar, graças ao eterno bom gosto do design de rótulos e garrafas.
Esta sala de provas é uma jóia, com azulejaria em tons de azul, do edifício original do palácio do século XVIII, construído pelo arquitecto Ludwig, o homem que criou o Convento de Mafra. A sala e todo o solar foi alvo de uma intervenção do designer Paulo Lobo que sublinha, particularmente com iluminação, os traços entre o religioso e o teatral, apelando à mística desta quase capela do vinho do Porto.
Obviamente, além de alguns móveis modernos e de toda a parafernália de iluminação, mantém-se e recuperou-se mobiliário antigo para garantir a solidez seminal. O que se criou de novo enaltece o vinho, caso de uma nova garrafeira no salão principal, que assume um aristocrático verdeinglês, tonalidade que, recordam, "marcou o espaço durante a década de 60".
Vamos serpenteando com Folgado e, pelo caminho, apreciando detalhes e fotos, como uma da Régua antiga, "uma Régua que já nem existe". Numa sala frescota ("está um bocado fresco, está", "16/17/18 graus", está a adega, fechada ao público, apenas um sítio de apoio. Mas se quiser espiar é pedir. Há vinhos de toda a idade, 20, 40 anos - "o mais velho é de 1961", "mas já cá houve de 1900", "coisa com muito ano em casco de carvalho, que se vendia por mil e tal euros".
Folgado aponta para garrafas de vinho com tantos de anos de permanência no solar como ele próprio e sorri, passeando pela nova decoração como se nada fosse, apesar de esta, à partida, não deixar ninguém indiferente, ame-se ou odeie-se: abandonadas convenções e conservadorismos, joga com cores fortes ligadas ao mundo dos vinhos, das vinhas, do Douro. O objectivo do designer foi criar uma "atmosfera de charme, arrojada e provocante". O conceito de espaço a procurar ser moderno passa até por resumir a intervenção como cool.
No mesmo sentido cool caminham os cocktails. De execução simples, como nos demonstra Folgado, criando os três à nossa frente: Portonic (vinho do Porto ou Extra Seco com tónica e rodela de limão), Caipiporto (Porto Branco Seco com lima e açúcar e gelo), Porto Rosé (com rodela de laranja e gelo) - custam apenas €2,5 e servem para atrair a juventude; bebidas frescas e ligeiras, vão bem como aperitivos primaveris e estivais. Resultado: provamos (enfi m, bebemos) os três e não nos importaríamos nada de repetir.
Os cocktails, como nos diz o gestor de existência, também fazem parte da sedução de um público diferente "e dos jovens". Para já, continuam a ser os turistas a fazer a festa. E o solar serve também para instruir paladares estrangeiros.
Um casal brasileiro brinda com os seus Portos, ele tawny, ela branco docinho. Flávio e Izabel Avezum passearam uma semana por Portugal e ficaram "apaixonados" com a descoberta da riqueza deste vinho, "uma grande surpresa", diz Flávio. Hoje é o último dia de férias por cá, por isso decidiram despedir-se do país "com o sabor dos Portos". Junta-se a doçura desta língua portuguesa com a doçura destes vinhos, junta-se um certo sabor a cosmopolita saudade etilizada com o prazer de conversar com um casal de turistas feliz por beber Portugal. O senhor Folgado sorri.
Referências: Carta d' ouro
Destacar referências da carta é caso bicudo. Há de tudo: Tawny (10, 20, 30, 40 anos), LBV, Colheitas, Vintage, standards (brancos, ruby, Tawny, rosé). O preço de um cálice começa em €1,50 e vai por aí acima; a garrafa rondará os €20 e depois o céu é o limite (bom, há até à centena e meia de euros). Nos Vintage, de uma garrafa Taylor's 2003 (€104,90) a Vesúvio 2003 (€117,10) ou Graham's 1980 (€82,70). Nos LBV, um cálice de Krohn 1961 fica em €26,20 e de 1966 em €19,20 (mas há desde Feist a €2,60). Depois, percorrem-se Tawny de décadas (Burmester 40 anos = cálice €23).
E de seguida, correm centenas de referências, incluindo um catálogo de garrafas para venda e consumo fora do solar. Estão disponíveis também vinhos do Douro. Para petiscar há fumeiro português (dos €6 do paio de Barrancos aos €16 do presunto da mesma abençoada terra), queijos portugueses (dos €4,50 do queijo de Évora aos €8 do Serra).
Solar do Vinho do Porto - Lisboa
(Categoria "Bar de Luxo")
Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto
Rua de S. Pedro de Alcântara, n.º 45
Palácio de Ludovice (de São Pedro de Alcântara) - Bairro Alto
1250 - 237 Lisboa
Tel.: 213475707
www.ivdp.pt
Horários: fecha sempre às 24h00; de 2.ª a 6.ª abre às 11h00; sábado, às 14h00; fecha domingos e feriados