Fugas - restaurantes e bares

Luís Ramos

Brancos refrescam ainda mais ao ar livre

Por Andreia Marques Pereira

Com calor, os portugueses saem para as esplanadas; com o calor bebe-se vinho branco. É o senso comum que o crescimento do consumo de vinho se manifesta na venda a copo. É, pelo menos, o que dizem os proprietários.

O sol já se perdeu por detrás da cidade e as palavras de Silvana Ribeiro ecoam como evidência "o vinho, agora, é "fashion", ainda que o anglicismo expresse algum cepticismo, justificado com a sua própria experiência. "Ainda há poucos anos beber vinho numa esplanada significava ser olhada de lado", diz. Agora e é o lusco-fusco de uma sexta-feira de meados de Maio a esplanada do centro do Porto está toda ocupada e as mesas cobertas de copos de pé alto. Não perguntámos o que estão a beber porque o sabemos de antemão é o "vinho do dia" no Candelabro, o Vale d'Algares, "Selection White 2009, Ribatejo", a quatro euros o copo. E sabemo-lo porque está referenciado, bem à vista de todos, na parede dentro do balcão, por cima das estantes onde se alinham bebidas as de vinho estão nas últimas prateleiras, mas as das bebidas brancas estão em maioria.

"Não é comum ver uma lousa assim, com a indicação do vinho, do ano", sublinha Silvana Ribeiro. E pedir vinho é algo que o casal faz regularmente. Aliás, confessam, não fora o facto de os gin tónicos no Candelabro serem "excepcionais" e estariam a beber precisamente um vinho branco, de preferência lá fora, enquanto esperam a reserva de jantar num restaurante ali perto. "Um vinho branco num fim de tarde numa esplanada. Sabe muito bem", reflecte Rui Sousa.

É tão comum que se diria um quase senso comum: a combinação do calor com vinho branco. Pode já estar a cair em desuso o paradigma da associação da carne ao vinho tinto e do peixe ao vinho branco, como nota um dos chefes de sala do Majestic, Joel Moreira; mas, vem o calor, e o vinho branco vem com ele para as mesas muitas vezes de esplanada que são quase como o vinho branco, saem mais com o calor. É que em Portugal a cultura das esplanadas ainda é preguiçosa, atrevemo-nos a dizer o sol de Inverno não é suficientemente cativante para a maioria, embora Rui Sousa fale dos "tintos reconfortantes" em esplanadas "de" Inverno, além do óbvio: aí "quem manda é o S. Pedro", brinca Batata Cerqueira Gomes, cujo seu Twin's Baixa exibe uma esplanada com vista para a Torre dos Clérigos. E se, reflecte Silvana Ribeiro, não há nada nas esplanadas que intime a "beber de forma diferente", parece ser verdade que o Verão desperta hábitos sazonais mais ou menos universais.

"No Verão bebe-se de forma diferente", considera Mikas, um dos sócios-gerentes do lisboeta Clube Ferroviário, justificando a nova selecção de vinhos que se está a preparar ali na casa à beira-Tejo. Deixam-se os "tintos encorpados" e passa-se para os brancos e rosés estes, na sua experiência, a ganharem terreno. O mesmo se passa no Bairro Alto Hotel, esplanada sobre os céus de Lisboa, onde o consumo também varia de acordo com a época do ano nesta altura, mais brancos e rosés, arriscam. No Twin's Baixa a esplanada é dos brancos, depois do jantar com a companhia dos tintos e o Majestic, esplanada bem no centro da movida consumista portuense, enche-se de brancos e rosés frescos os vinhos do Porto são "o" clássico eterno.

Do estrangeiro com amor

Ou nao fosse o Majestic um icone turistico do Porto, fervilhante de turistas, mapa no bolso e maquina fotografica na mao. Sao eles os grandes consumidores de vinho aqui, no cafe das Rua de Santa Catarina . conhecem o vinho do Porto, o Mateus Rose e pouco mais explica Joel Moreira. Por isso pedem opiniao. Nos perguntamos que tipos de vinhos apreciam para podermos aconselhar melhor. É transversal essa curiosidade pelo vinho nos estrangeiros, confirma Batata Cerqueira Gomes, em cujos Twin`s se cuida especialmente o vinho, com retornos mais visiveis no Baixa - "Se ha aposta ganha aqui e a do vinho", afirma. E o motivo, cre, sao os turistas . este e o Twin`s que mais os atrai devido a localizacao central na cidade - que tem uma curiosidade especial pelo vinho do Porto e pelos vinhos de mesas portugueses.

No Clube Ferroviario, refere Mikas, o movimento de turistas não é significativo "algo a trabalhar" mas no seu anterior "O Terraço", esplanada lisboeta afamada, era intenso e curioso. "Os estrangeiros consomem mais", afirma, "e percebem de vinho". No Bairro Alto Hotel são eles os maiores consumidores também, mas os portugueses já começam a intrometer-se no ritual.

"Com os portugueses ainda está um bocadinho associado aos tascos, entre os estrangeiros é bem normal tomar um vinho", analisa Joel Moreira. "Tasco" é uma palavra ainda muito referida quando se fala do consumo de vinho em Portugal parece ainda dominar a mentalidade de que esse é o habitat natural do vinho fora das refeições. Algo que continua a chocar Rui Sousa que encontrou em França "um respeito" absoluto pelo vinho, visto até como símbolo de 'status': é um país produtor, reflecte, mas Portugal também o é. Porém, a (r)evolução chegou nos últimos anos e o consumo de vinho em bares e esplanadas se começou a intensificar. "De há dois ou três anos para cá o crescimento do consumo é brutal", afirma Batata Cerqueira Gomes. "O vinho antes era da tasca, agora é chique".

A copo

Consumidora de há muitos anos, Silvana Ribeiro vê o fenómeno do consumo de vinho em dois extremos: "Por um lado nos tascos, por outro nos sítios mais cosmopolitas"; por um lado ainda marginalizado, por outra "a moda". Se calhar é um efeito de contágio: as pessoas pedem mais vinho porque há vinho disponível em mais sítios, e há vinho disponível em mais sítios porque as pessoas pedem mais vinho. E quando se vê alguém com um copo de vinho na mão, arrisca Silvana Ribeiro, há curiosidade afinal, há todo um estilo de vida que se percepciona num copo de vinho, continua enquanto aponta para um copo que alguém segura pela base na esplanada do Candelabro: "É bonito de se ter na mão".

E o vinho a copo é apontado como o grande responsável pelo aumento do consumo de vinho sobretudo fora do seu ambiente tradicional, os restaurantes, a acompanhar refeições especiais.

Já não o vinho "à pressão" de há alguns anos atrás, mas o vinho de garrafa, cuidadosamente preservado para que quando chegue ao copo esteja como se acabado de aberto. Os estudos apontavam o "vinho a copo como tendência" a tendência aí está, é moda. "Servir o vinho a copo é um chamariz", reconhece Batata Cerqueira Gomes especialmente entre os turistas, que gostam de tomar do que um vinho, experimentar castas diferentes. "Não obriga a tomar a garrafa inteira."

Daí que, mesmo locais que não têm no vinho a sua "maior expressão", como diz Mikas referindo-se à oferta assumidamente "pequena" do Clube Ferroviário, têm a preocupação da variedade, em termos de castas e de datas de colheita. "Não quero que as pessoas cheguem e bebam aquele vinho apenas porque é o que existe", explica. Isso é normalmente o que se faz, diz, aos 18, 20 anos os verdadeiros consumidores de vinho são mais velhos (a partir de 27, 28 anos, avalia) e com preocupação de qualidade (sobretudo as mulheres: "bebem menos, mas são mais refinadas"). No "Ferroviário", como é conhecido, o lema é ter "bom vinho, bom queijo e bom presunto" ao final do dia é comum cruzaremse pelas mesas em cima do rio.

Essa é a vantagem de trabalhar o dia, porque a noite continua feudo quase impenetrável das bebidas brancas. "O público ainda não está suficientemente educado para beber vinho", reflecte Mikas. Nem os produtores para o vender, lamenta, indicando a falta de equipamento para conservar o vinho. "Não é só vender, é ter condições para que seja vendido com qualidade", explica máquinas de refrigeração, de vácuo que, diz, deveriam ser fornecidas pelas marcas e vendedores, "como as das cervejas". No vinho, reconhece, o investimento é maior, mas importante. "Porque as pessoas gostam de vinho, quando é bem servido". Não pode é haver margem para erro. "Há um grande trabalho a fazer".

No Twin's esse trabalho tem o apoio prático da Sogrape, fornecedor exclusivo dos vinhos, que não são, de forma alguma, a bebida mais pedida: são um "bar direccionado para as bebidas brancas e a cerveja" e, neste contexto, o "vinho é um apêndice", o que significa que tem poucas marcas, "mas boas", com especial incidência nas regiões do Douro e Alentejo ("E para todos os bolsos", refere: "do razoável, ao bom, ao muito bom"; "dos dois aos quatro euros"). No acordo com a Sogrape, receberam o "equipamento de vácuo para garrafas de tinto, branco e champanhe" que preserva o vinho durante uma semana. Mesmo sem este acordo, seria um investimento indispensável: "Quem não o tem arrisca-se a abrir uma garrafa e só servir um bom copo de vinho porque no dia seguinte já perdeu qualidades. Há que tentar servi-lo na sua máxima força".

A mesma preocupação tem o Bairro Alto Hotel. Na preservação com temperatura controlada e na variedade. A oferta da esplanada tem por base alguns dos vinhos do restaurante, mas pode ser complementada com essa carta, mais completa. E também o Majestic. "Só servimos da garrafa", diz . um dos chefes de mesa, "a qualidade é a mesma". Têm máquinas de vácuo para retirar o ar, está sempre conservado à temperatura ideal. "Estamos preparados para servir o vinho, mesmo a copo, nas melhores condições", afirma, "se não, não servimos. Não somos uma casa como as outras". Se calhar é por isso que têm 13 vinhos diferentes a copo (espumantes incluídos): verdes, Douro, Bairrada e Alentejo (entre os €3,5 e os €5) "dá para satisfazer os clientes". Aliás, diz, "não é comum tantos vinhos a copo".

Muitas vezes "o normal é haver o vinho da casa: só podemos pedir e esperar que não seja mau", brinca Rui Sousa. Ali encravado mesmo junto às muralhas do Castelo de S. Jorge, o Restô que é restaurante, bar e esplanada a espreitar sobre os telhados até ao Tejo tem uma carta de vinhos uniforme para todos os espaços, feita ao gosta da casa e dos clientes ("já temos 11 anos, conhecemos os seus gostos).

After work

É quando o sol começa a desaparecer no horizonte que o vinho normalmente começa a sair para as mesas. No Verão, nas esplanadas, o horário de presença é mais alargado no Majestic, depois das 12h já é regular, mas no centro das cidades, à margem dos movimentos turísticos, é depois das 18h que o vinho faz a sua aparição em força, juntamente com as multidões que saem do trabalho para as esplanadas. No resto do ano, esta é uma conquista que muitos bares parecem determinados em prolongar: conquistar o "after work" tão popular lá fora, sobretudo com a aposta nos vinhos.

A filosofia é simples: terminado o dia de trabalho, por que não passar por um bar, tomar algo com os amigos? É esta ideia que traz Francisca Costa ao Candelabro muitos fins de tarde. "Nada melhor do que sair do trabalho e beber um copo de vinho branco" o copo já vazio atesta-o "o tinto fica para mais tarde". "Passo por aqui, encontro sempre alguém e fico conversar, com uns salgadinhos."

Já a noite está instalada quando deixa o Candelabro. O mesmo se passa com Rui Sousa e Silvana Ribeiro. Há um mar de copos altos na esplanada, antes cheios do "vinho do dia". "Curiosamente, nenhuma garrafa", nota Silvana Ribeiro. Mesmo quando estão imensos na mesma mesa. "Por que é que as pessoas não dividem uma garrafa se bebem todas do mesmo?", reflecte. Talvez essa seja a nova fronteira do vinho: deixar a moda do copo e assumir-se de corpo inteiro.

Wine bars

Era uma garrafeira e continua a sê-lo. Mas alargou a sua vocação e alguns dos vinhos que preenchem as estantes das suas paredes são os mesmo que enchem os copos das mesas com que se veste à noite. Era uma "ideia antiga", conta Sofia Bonito, filha do proprietário, que a conjuntura nacional ajudou a concretizar: "É necessário dar uma projecção nova aos negócios". E assim o armazém da avó, que começou por ser de bacalhau e vinhos do Douro, passou a garrafeira e agora é também "wine bar" no futuro talvez uma loja gourmet. Tudo na lógica de dar evolução ao negócio familiar. Na Rua da Conceição, a Garrafeira António Monteiro dos Santos tornou-se um "wine bar" nas noites de quinta-feira a sábado, entre as 21h30 e as 02h00. Bem no epicentro da movida portuense, facto que não é alheio à decisão: "Este é cada vez mais um ponto de encontro da cidade", explica Sofia Bonito.

As noites da garrafeira-feita-bar passariam quase despercebidas pelas luzes suaves que as iluminam, não fossem os clientes que se vão aglomerando à porta, nas pausas para cigarros. Lá dentro, umas quantas mesas, de vários formatos com um vago estilo rústico, velas pousadas, enchem-se de copos de vinho, de garrafas e de taças de snacks que acompanham os pedidos vemos a lista extensa e pede-se opinião. Dada de acordo com o quanto se quer gastar (desde um "bag in box" muito bom) ou o que saberá melhor na ocasião.

Não é negócio de família, mas quer ser uma família o "Wine Element" que Luís Castro idealizou e concretizou em parceria com a João Portugal Ramos e a beBusiness: uma rede de "wine bars", a primeira, anunciam, em regime de "franchise", que foi apresentada na Expo Franchise, há duas semanas. A ideia é simples criar unidades onde se servem vinhos e tapas, unidades que podem ser autónomas, construídas de raiz, ou implantadas em espaços existentes (bares, museus, livrarias.) e, considera Luís Castro, está perfeitamente imbuída do espírito do tempo. "Há várias tendências que justificam esta rede", explica: desde logo, o "contexto económico" com o consumo a baixar, os wine bars podem funcionar como unidade de substituição, "em vez de jantar, faz-se um final de tarde", com queijo, presuntos e outros produtos portugueses de charcutaria"; depois, o "after work", um hábito que parece querer assentar definitivamente, faltando, no entanto, "espaços fixos" para isso; e, para terminar, o mais importante, o próprio vinho, a despertar cada vez mais curiosidade nos portugueses, que "adoram vinho, mas não o conhecem bem".

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