Fugas - restaurantes e bares

  • Ao Rossio, a Manteigaria Silva
    Ao Rossio, a Manteigaria Silva Eduardo Salavisa
  • Mercado 31 de Janeiro, em Picoas.
    Mercado 31 de Janeiro, em Picoas. Eduardo Salavisa
  • Mercado 31 de Janeiro, em Picoas.
    Mercado 31 de Janeiro, em Picoas. Eduardo Salavisa
  • Restaurante Hong Kong
    Restaurante Hong Kong Eduardo Salavisa
  • Martim Moniz
    Martim Moniz Eduardo Salavisa
  • Martim Moniz
    Martim Moniz Eduardo Salavisa
  • Gulbenkian
    Gulbenkian Eduardo Salavisa

Viagem (com guia) pelos sabores de Lisboa

Por Alexandra Prado Coelho

Miguel Pires, autor do guia "Lisboa à Mesa", levou Alexandra Prado Coelho e Eduardo Salavisa (que assina as ilustrações) num passeio pela cidade, por entre mercearias biológicas, lojas étnicas, bancas de peixe no mercado e restaurantes chineses. Uma viagem para se olhar Lisboa de outra forma.

Não foi por causa da comida que Miguel Pires marcou o encontro para a esplanada da Cafetaria do Museu Gulbenkian. Foi porque, depois de muitas voltas por Lisboa à descoberta de sítios onde comer e onde comprar comida, acabou muitas vezes aqui a escrever as entradas do seu guia "Lisboa à Mesa" (editado pela Planeta).

Espreitamos o que diz o livro sobre a Gulbenkian e ficamos a perceber por que é que não vamos almoçar aqui: "A Cafetaria do CAM (Centro de Arte Moderna) continua a ser uma boa opção dentro do género, mesmo que tenha parado algures no tempo (o que não é necessariamente mau. [.] Na Cafetaria do Museu de Arte Antiga [onde nos encontramos] o serviço e a comida são inferiores, mas, em compensação, a esplanada é muito agradável. Uma quiche com salada resolve a fome. Em alternativa, almoce no CAM e beba o café aqui." Uma esplanada agradável, portanto, para começarmos a conversa. E começamos por aqui: como é que um publicitário se torna um crítico gastronómico? E como é que um crítico gastronómico organiza um guia de comida em Lisboa? "Acho que [o gosto pela comida] começa sempre por casa. Quando em casa se dá uma importância acima do normal à comida e quando se tem uma mãe boa cozinheira." Era ainda miúdo quando começou a ler jornais, e gostava sobretudo de ler as críticas nessa altura de música, de cinema.

Depois, aos 19, 20 anos, veio para Lisboa, e já espreitava as críticas de gastronomia, as de José Quitério no Expresso, as de David Lopes Ramos no PÚBLICO. A pouco e pouco começou a colaborar em fóruns na Internet, escrevendo sobre comida. "Sempre achei importante a opinião dos outros, para ajudar a formar a minha, mas opiniões toda a gente tem, e é preciso ganhar credibilidade, sobretudo quando se começa num meio online." Foi somando comentários aos seus posts e ganhando confiança.  Depois deu-se o salto para os jornais o Oje, o Outlook do Diário Económico, as revistas Wine e Up (da TAP), e a passagem do blogue pessoal Chez Pirez para o Mesa Marcada, com Duarte Calvão, que foi responsável pela página Boa Vida no Diário de Notícias e organiza o festival Peixe em Lisboa, e Rui Falcão, especialista em vinhos.

Desiludido com a publicidade, tomou a decisão de deixar o emprego e passar a dedicar-se a tempo inteiro à crítica gastronómica. No primeiro dia foi dar uma volta, e descobriu-se com tempo para conversar com o senhor do café e a senhora da mercearia. No dia seguinte foi almoçar com o David Lopes Ramos. Começou a pensar que talvez fosse possível. Apresentação feita. Vamos?

Seguimos para a Rua Sá da Bandeira, para o supermercado biológico Miosótis. Uma leitura rápida à entrada que Miguel escreveu no guia e ficamos a saber que, apesar de a venda de produtos biológicos se ter generalizado na última década, "são poucos os lugares que têm alguém com a experiência de Ângelo, que antes de criar a Miosótis foi responsável pela Biocoop, o principal supermercado do género na cidade."

Espreitamos o Factor X (cada uma das 280 entradas do livro inclui um Factor X, uma pista, uma dica, uma informação mais pessoal que o autor nos dá, como uma piscadela de olho do tipo 'não diga a ninguém, mas.'). No caso da Miosótis, Miguel aconselha a ir acompanhando o blogue da loja, "uma boa forma de seguir as notícias sobre os produtos que vão chegando, como o cabrito de raça serpentina, por exemplo." Entramos e Miguel vai falando dos produtos que foi descobrindo aqui, como o rábano rosa, a pastinaca, a rutabaga, o topinambo.

Pega num aipo-bola, depois segue para a zona onde se pode comprar cereais e leguminosas a granel, fala da enorme variedade de pães e de farinhas, e já estamos a caminho da porta porque queremos chegar ainda durante a manhã ao Mercado 31 de Janeiro, em Picoas. "É fundamental que se volte aos mercados", vai dizendo, enquanto acelera o passo pela rua abaixo. É já final da manhã, e não há muita gente no 31 de Janeiro. As pessoas afastaram-se deles, e isto faz com que alguns estejam sobredimensionados". Não lhe venham é com a conversa de que é caro, porque aqui compra-se avulso, o que muitas vezes faz com que as compras saiam até mais baratas do que nos supermercados.

Subimos ao andar de cima para Miguel nos apresentar Açucena Veloso (que tem no guia o carimbo "favorito" com que o autor destaca os locais que mais lhe agradam). Açucena aparece, sorridente, no meio do seu pequeno império que se estende por várias bancadas cheias de peixe. É "um dos melhores locais de venda de peixe fresco em Lisboa", escreve Miguel.

É aqui que vêm comprar chefs como Vítor Sobral ou Justa Nobre e Açucena confirma, apontando para três funcionárias que estão a arranjar choquinhos precisamente para Justa Nobre. Miguel fala da barriga de atum (que destaca no Factor X) e Açucena disserta sobre a qualidade do peixe que, garante, prova sempre primeiro para saber o que está a vender aos seus clientes.

É tempo de seguirmos viagem para conseguirmos mesa no Hong Kong Grande Palácio, na Rua Pascoal de Melo. Leitura rápida do guia: "O restaurante é frequentado pela tão reservada comunidade chinesa, o que é um bom barómetro em termos de autenticidade, dado que a grande maioria dos seus pares, por cá os que ainda não se transformaram em buffet (pseudo) japonês não foge muito ao modelo fast food do descongela, abre a lata, frita, salteia, coze e serve". Comemos o que Miguel aconselha: pato à cantonense e vaca com molho sacha na caçarola. Boas escolhas. Deixamos para uma próxima visita as opções mais ousadas: tripas e pés de galinha. No Factor X, Miguel avisa que o "atendimento pode variar entre o correcto, o negligente e o rude".

Apesar de este ser um guia de escolhas assumidamente pessoais, podemos esperar um elevado grau de honestidade quando alguma coisa funciona menos bem, o autor avisa-nos. Um exemplo, longe do chinês em que nos encontramos: na Conchanata, histórica geladaria de Alvalade, "nos gelados de taça, os recipientes de metal foram substituídos por outros de esferovite, o que é lamentável".

Miguel diz seguir o conselho que Duarte Calvão lhe deu: o compromisso tem que ser para com os leitores. Por isso, elogia o que tem a elogiar, e critica o que tem a criticar. Entre o pato à cantonense e a vaca com molho sacha, conta que quando o editor lhe perguntou se queria fazer um guia de restaurantes e bares, ele quis saber quantas pessoas iam estar envolvidas. "És só tu". Engoliu em seco, mas avançou.

Só que, em vez dos bares ("não achei que fosse a pessoa indicada"), propôs incluir lojas, mercados, mercearias, talhos, padarias, um tipo de informação que não existia noutros guias. Depois, foi preciso organizar a cidade por zonas. "Queria mostrar as várias Lisboas de Lisboa". E se conhecia bem algumas delas, para outras para outras socorreu-se de amigos e descobriu coisas novas. Admite que o livro tem algumas ausências particularmente gritantes sobretudo nas pastelarias, uma área que pensara inicialmente não incluir, e que acabou por ir entrando no guia mas de uma forma ainda envergonhada (o que provavelmente mudará numa próxima edição).

Descemos a Almirante Reis em direcção ao Martim Moniz, entramos nos supermercados chineses, um mundo de pauzinhos de lemongrass, cabeças de pato e dim sum congelados, embalagens de todas as cores e desenhos infantis a anunciar sabores certamente extraordinários em caracteres que não conseguimos decifrar. Ainda tempo para, de volta à praça do Martim Moniz, Miguel nos mostrar os ovos cozidos em soja e chá do quiosque Chen Changgui, e para darmos um salto ao "very british" supermercado indiano no Centro Comercial do Martim Moniz.

E, depois da Lisboa étnica, despedimo-nos no Rossio, numa mercearia que poderia ser cenário da série Conta-me Como Foi: a Manteigaria Silva, um daqueles espaços onde cada frasco tem uma variedade diferente de figos secos e onde os empregados sabem explicar-nos exactamente o que estão a vender.

Este é um dos percursos possíveis com o "Lisboa à Mesa" na mão. Há muitos outros, mas esses deixamos para cada um descobrir como preferir, do luxo do restaurante Gambrinus à sopa de lentilhas do Monte Evereste 1. É só escolher um bairro e começar.

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Miguel Pires colabora no blogue Mesa Marcada | Blogue do livro Lisboa à Mesa

Os desenhos são da autoria de Eduardo Salavisa: para mais trabalhos do autor siga para o blogue Desenhador do Quotidiano

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