Fugas - restaurantes e bares

  • Vila Real: Museu dos Presuntos?
    Vila Real: Museu dos Presuntos? Lara Jacinto/Arquivo
  • Vila Real: Museu dos Presuntos?
    Vila Real: Museu dos Presuntos? Lara Jacinto/Arquivo
  • Vila Real: Museu dos Presuntos?
    Vila Real: Museu dos Presuntos? Lara Jacinto/Arquivo
  • Mirandela. Flor de Sal
    Mirandela. Flor de Sal Paulo Ricca
  • Mirandela. Flor de Sal
    Mirandela. Flor de Sal Paulo Ricca
  • Mirandela. Flor de Sal
    Mirandela. Flor de Sal Paulo Ricca
  • Mirandela. Flor de Sal
    Mirandela. Flor de Sal Manuel Roberto

Guardiões transmontanos

Por José Augusto Moreira

Por Vila Real, Bragança e Mirandela: três restaurantes, três cidades e outros tantos conceitos para conjugar o melhor da cozinha de Trás-os-Montes. Presuntos, caça, azeites, cogumelos ou alheiras, saboreados da mais genuína rusticidade à moderna sofisticação.

É já quase com religiosidade natalícia que de há uns anos para cá um grupo de urbanos manducadores toma o rumo do Nordeste, digamos que em busca de conforto e sustento. E nem só gastronómico, acentue-se, já que saborear os mais genuínos produtos e cozinhados transmontanos e o contacto com a cultura e sabedoria das suas gentes são sempre de encher a alma. 

O pretexto passa pela aquisição de presuntos e outras preciosidades do fumeiro tradicional, mas o périplo contempla, naturalmente, a boa restauração. Desta vez com passagem por três casas que, na sua competência, qualidade e complementaridade, bem podem ser vistas como montras da boa cozinha que por ali se pratica. Para o que ao leitor interessa, diga-se que se começou por Vila Real, com o Museu dos Presuntos e o seu estilo consistente de cozinha tradicional, seguiu-se depois o Solar Bragançano com a sua cativante simplicidade aristocrática e, para terminar, o moderno e requintado Flor de Sal, em Mirandela. 

Diferentes concepções e estilos, mas com a base comum do património gastronómico da região e a utilização e valorização dos produtos locais como bandeira. Uma espécie de guardiões da essência da gastronomia transmontana e que só por isso já justificavam a visita. Mas há mais e bem saboroso.


Museu dos Presuntos: Produtos locais e genuínos

No centro de Vila Real, numa das zonas de mais moderna urbanização, está o Museu dos Presuntos, casa que é bem o espelho do seu mentor e proprietário, Teófilo Silva. Acérrimo defensor da genuinidade dos produtos locais, principalmente da zona do Barroso, de onde é oriundo. É ver como os presuntos se alinham logo à entrada por cima do balcão, ou as finíssimas tiras do mesmo que colocou sobre a mesa. Macio, fino e com a gordura de sabor aveludado como que a desfazer-se na boca.

De raça bísara, com dois anos de cura e a provar à saciedade - para quem ainda duvide - que por cá também se produzem presuntos ao nível do melhor que há em Espanha. São é pouco e nem todos lhes chegam.

Da mesma estirpe, as alheiras e a chouriça assada que se seguiram, que, tal como o pastelão de verduras, mostraram como são saborosas e ricas as comidas simples da aldeia. E o mesmo se diga da canja à moda antiga, com as miudezas da galinha, gordura e ovo, que se seguiu.

E se são os presuntos a dar o nome à casa, são as tripas aos molhos (de vaca) que lhe deram a fama. Rolinhos recheados com presunto e muito bem estufados, tal como as especiosas bochechas de porco (a desfazer-se na boca) com arroz selvagem e o galo de cabidela que se seguiram. A cozinha é uma arte e que neste museu tem tratamento a condizer.

Na carta há também una bifinhos de presunto panados, que são outra das especialidades da casa, polvo, bacalhaus, assados, e também a porta barrosã e um arroz de pato que gozam de grande prestígio local. O serviço é cuidado e atencioso, a carta de vinhos atinada e criteriosa, e uma refeição pode bem ficar abaixo dos 20 euros. Vale a pena.

Museu dos Presuntos. Av. Cidade de Ourense, 43. 5000-690 Vila Real. Tel. 259 326 017. Fechado aos domingos. Estacionamento: Fácil nas redondezas. Cartões: Aceita. Sala para fumadores: Não.


Solar Bragançano: Cozinhados à lareira e no forno

É com trato senhorial que os clientes são acolhidos no Solar Bragançano, sem dúvida um dos mais singulares e acolhedores guardiões da tipicidade transmontana. Bem no coração da cidade, na praça da Sé, o restaurante acaba por funcionar até como uma espécie de sala de visitas da cidade. Não só pela gastronomia, mas também pelo conceito. 

Está instalado no andar superior de um velho solar de escadaria e paredes em granito e amplos janelões voltados à praça. Há um bar/biblioteca de acolhimento, com canapé, cadeirões e convidativa lareira, com os espaços de refeição instalados nos restantes aposentos. O ambiente é simples, mas ao mesmo tempo fino, elegante e acolhedor.

Desidério Rodrigues e Ana Maria Batista são não só os anfitriões, mas encarregam-se igualmente do serviço e da cozinha, respectivamente. Quanto à carta, há uma louvável preocupação por servir produtos locais e de temporada. Com receitas rústicas e regionais, mas ao estilo mais fino, fidalgo e senhorial, como era típico das casas ricas da região e a condizer com o ambiente do solar. 

Os pratos de caça são a grande referência da casa. Depois das incontornáveis alheira e chouriça assada e interessante tortilha de cogumelos, seguiu-se o garboso desfile, que incluiu galinhola, perdiz e veado. Imperial a primeira, que acompanhou com abóbora assada e esparregado de grelos. Igualmente estufada a perdiz, num cozinhado sublime com o complemento de batatinha roti, um creme de nabo e outro de castanha. Ao mesmo nível o veado com que encerrou o desfile, tudo com a consistência e apuro de sabores únicos dos cozinhados à lareira ou no forno e fogão lenha. Pois ainda é assim a cozinha neste solar.

Sobremesas na mesma linha de requintada confecção de receitas da fidalguia, num estilo que se estende à baixela e decoração dos salões. Tudo a condizer com o porte aristocrático e de inigualável afabilidade com que Desidério Rodrigues desenvolve o serviço de sala. Bragança não está aqui ao lado, é certo. Mas se há lugares que se diz justificarem a viagem, este Solar Bragançano bem a compensa.

Solar Bragançano. Praça da Sé, 34. 5300-265 Bragança. Tel 273 323875. Fecha à segunda-feira. Estacionamento: Parque nas imediações. Cartões: Aceita. Sala para fumadores: Não


Flor de Sal: Sofisticação no reino do azeite

Foi a partir da riqueza e variedade dos produtos locais, do receituário regional e da arte de receber dos trasmontanos que João Paulo Carlão partiu para o conceito do Flor de Sal, um restaurante de estilo elegante, moderno e contemporâneo e com cozinha a condizer. 

Carlão é um empresário jovem, dinâmico e com visão do mundo e é esse o conceito que quis imprimir ao local. O edifício de apuradas linhas arquitectónicas está instalado no parque da cidade, na margem direita do Tua. No mesmo espaço, mas a um nível inferior, funciona também um bar, tudo num ambiente marcado pela ampla parede de vidro virada ao rio e à parte histórica da cidade, na outra margem.

Para lá da elegância e modernidade do espaço e decoração, no que ao conceito gastronómico diz respeito o principal destaque vai para a utilização - e promoção - do azeite e outros produtos típicos de Trás-os-Montes. Além de um menu de azeite, há também um de castanha e outro de caça, sendo que os clientes podem também adquirir alguns dos melhores e mais emblemáticos produtos regionais. Para lá de azeites, estão à venda enchidos, queijos, compotas, mel ou azeitonas. 

Também no serviço à carta há consistente oferta de pratos de inspiração regional, com base na vitela, borrego, porco bísaro ou bacalhau, mas sempre segundo a cuidada e criativa interpretação do chefe Manuel Gonçalves.

Optámos pelo menu de azeite, que para lá do dito nos brindou com uma série de outras delícias locais e de temporada como cogumelos e legumes preparados com rara mestria.

Tudo começa com fatias torradas de pão regional, para degustação do azeite novo e pasta de azeitona, na companhia de alcaparras com cebola e azeitonas. A interessante percepção da evolução de cambiantes de aromas e sabores continua com umas sanchas silvestres em azeite, vinagre e flor de sal. 

Como entrada, uns míscaros - de oliveira, imagine-se o requinte - salteados em alho e azeite, para acompanhar um crocante de alheira. Seguiu-se, como prato de peixe, o "estrondo de batata, bacalhau, azeite, alho rijado e malagueta, ou seja o popularíssimo bacalhau assado com azeite e alho, só que com um apuro e elegância de empratamento dignos de registo. Na mesma onda de elegância e apuro no trato culinário a "presa de poro ibérico grelhada, com puré de maçã e pimento avinagrado, para fechar com uma sobremesa que é um autêntico hino aos sabores locais: pudim de azeite com azeitonas em mel, gelado de azeite e míscaros de choupo confitados.

Apuro, elegância, técnica e suprema qualidade de produtos, que dificilmente se conseguem encontrar em qualquer outro local. Parabéns ao chefe Manuel Gonçalves e um muito obrigado ao empresário, pelo arrojo e ousadia de criar um espaço com estas características.

Nem tudo têm sido, no entanto, rosas nestes oito anos que o Flor de Sal já conta. O empresário queixa-se das dificuldades e entraves que não raro encontra para obter produtos certificados da região. 

Também depois do sucesso, reconhecimento e fulgor dos primeiros tempos, o chefe não resistiu ao aliciamento de uma experiência no Brasil e a coisa tremeu. Ao que parece, nem tudo terá corrido pelo melhor para lá das ondas do Atlântico e a força e o carácter de transmontanos sobrepuseram-se aos acontecimentos. 

Manuel Gonçalves e João Paulo Carlão são também amigos de longa data e foi neste Verão que decidiram pôr de parte orgulhos feridos e que tudo deveria voltar à forma original. Ainda bem, dizemos nós.

Flor de Sal. Parque Dr. José Gama, 348. 4370-430 Mirandela. Tel. 278 203 063 / 912 583 982. Aberto todos os dias. Estacionamento: Sim. Cartões: Aceita. Sala para fumadores: Não. www.flordesalrestaurante.com

--%>