Fugas - restaurantes e bares

Boi velho gosta de erva tenra

Por José Augusto Moreira

O provérbio pode explicar aquilo que faz únicos os sabores e a qualidade das carnes do gado de pasto e trabalho. No contexto de sofisticação e celebração do Vinum ou no ambiente natural da montanha, é tempo de as saborear.

Vá-se lá saber porquê, mas o certo é que sempre se falou de carne de boi como sinónimo de sabor e qualidade, quando é de vaca a quase totalidade da carne que consumimos. De vaca ou de vitela, que nas últimas décadas se convencionou ser sinónimo de carnes tenras e macias, logo de superior qualidade. E será que é mesmo assim? Claro que não, mas a verdade é que a carne de velhas reses tornou-se coisa rara e quase inacessível, sendo agora apreciada quase exclusivamente em ambientes sibaritas e contexto de cultura gourmet. 

Uma cultura que se vai difundido a partir do país basco espanhol, mas que curiosamente se alimenta com gado que é recrutado na zona da fronteira Norte de Portugal, seja no Minho, Trás-os-Montes ou na Galiza. Em povoados de interior, onde a parceria do gado é ainda indissociável do quotidiano das gentes de montanha, onde os prados são verdes e viçosos e os animais são para uma vida e fazem também parte de um conceito muito alargado de agregado familiar. Aí, onde o boi velho gosta de erva tenra, como diz o provérbio.

Ora, é com reses dessas origens que desde há um mês no restaurante Vinum se celebra o prazer dessas carnes macias e suculentas. Designadas como “Jornadas do Boi de Tr´ss-os-Montes”, decorrem pelo segundo ano consecutivo e prolongam-se enquanto durar a carne extraída de “dois bois velhos, com 13 anos de idade e com peso de 1278kg e 1330kg, seleccionados pelo mais conceituado especialista europeu deste tipo de carne”, conforme reza a brochura onde se explica a iniciativa.

O especialista é Imanol Jaca, que há muitos anos divaga por essas paragens à procura dessas raridades que a reconhecida cultura gastronómica do país basco há muito se habituou a apreciar e celebrar. A diferença das carnes de um animal velho está na cor mais carregada (vermelho-escuro) e na gordura (amarelada) que as faz macias, sumarentas e de grande riqueza de sabor. “Uma qualidade gastronómica que tem que ver com o facto de o animal ser tratado como um membro da família. Come saudável, natural e variado e nunca cheirou sequer qualquer composto alimentar. Um animal especial que resulta de cuidados especiais”, assim caracteriza Jaca as condições que dão origem às carnes tão macias e saborosas. 

Para lá da envolvente de vida do animal, é importante que o trato culinário seja igualmente o mais próximo possível das condições naturais: calor e um pouco de sal, para que pouco se altere e tudo se preserve. É claro que não é preciso chegar ao exagero do cozinheiro basco, que cortava três postas para as ir assando sobrepostas e aproveitar apenas a suculência da peça do meio, mas o trato é fundamental. Calor forte e por pouco tempo, para um assado e rosado de milímetros e um interior vermelho e suculento de centímetros. 

É assim que são tratadas as carnes que por estes dias têm sido servidas no Vinum. Peças com bem mais que um quilo cada, pouco menos que uma mão de través em altura, e emolduradas por branca filigrana de gordura. Ao cenário de rara beleza que o Vinum sempre oferece com o seu enquadramento e vistas para o Douro e as zonas históricas do Porto e Gaia, junta-se por estes dias o efeito cénico da intensidade das brasas e o perfume que salta da carne à medida que o calor se entranha.

O menu especial preparado para as jornadas (60 euros, sem vinhos) vai todo ele à procura dos sabores requintados e naturais da tradição rural. Começa com delicada punheta de bacalhau, a que se segue um guisado de orelha e chispe de porco com feijão branco. A delícia do boi velho tem apenas o complemento de uns gulosos pimentos vermelhos assados, na linha da tradição basca. Para sobremesa, queijos artesanais da serra da Estrela (curado e amanteigado) e o fabuloso Stilton que é já uma das marcas da casa. 

Como nem sempre é festa de celebração nem o boi velho abunda, há também no menu do Vinum um “costeletão de vaca velha de Trás-os-Montes” (22€) que, mesmo sem pedigree ou currículo e família, bem mostra as qualidades distintivas de sabor e delicadeza das carnes do animal de trabalho e longamente alimentado em pasto natural.

Restaurante Vinum. Rua do Agro, 281 (Caves Graham’s). 4400-281 VN Gaia
www.vinumatgrahams.com | Tel.: 220 930 417


Natureza à vista na Diverlanhoso

Sem programa especial ou dados sobre a origem do animal, também na zona de Vieira do Minho há um restaurante para saborear as delícias das carnes suculentas dos gados de trabalho e pasto. Qualquer explicação ou enquadramento seria, neste caso, uma espécie de excesso ou extravagância, já que tudo está por ali amplamente à vista. Dos prados verdes que em sucessivos socalcos se estendem pela encosta que amplamente se contempla a partir do restaurante, às curvas e contracurvas da estrada de acesso, onde nos cruzamos com o quotidiano de gentes e gado em permanente complemento. 

O restaurante Panorâmico é uma das infra-estruturas do parque de aventura instalado no alto da encosta. Fica num plano elevado e com vistas privilegiadas, assim como privilegiada é também a localização em termos de abastecimento destas carnes. Num dos raros contextos onde existem, o que explica que seja vista como a coisa mais natural e comezinha. 

Mas não é! São carnes de excelência e rigorosamente tratadas num assador que causa agrado logo à primeira vista. Está instalado mesmo no centro da ampla sala, numa espécie de redoma de grandes dimensões e sempre com brasa vivíssima que, mesmo quando não tem uso culinário, serve para aquecer e tornar mais aprazível e convidativo o espaço. 

Carne de vazio alto de animais da região, no coração do Minho e às portas do parque do Gerês, que é tratada como sempre se fez desde os tempos dos celtas que primeiro terão povoado aquelas terras: calor das brasas e um pouco de tempero, que em tempos foi de ervas e hoje é de sal. O resto já a natureza o proporcionou durantes os anos de vida do animal.

O restaurante Panorâmico está aberto de quarta a domingo (também nesta segunda-feira, por ser feriado) e o “churrasco à Diver” custa 22€ para uma peça nunca com menos de um quilo. Acompanha com batata a murro e grelos salteados, como é tradição local. 

É claro que pela carne já se justifica a deslocação, mas a Diverlanhoso é um mundo de aventuras, principalmente para os mais novos e dinâmicos. Tem também alojamento, em simpáticos bungalows de madeira, e por estes dias funciona também uma aldeia de Natal. Um atractivo extra para as fantasias da criançada, mesmo que sejam ainda pouco sensíveis às delícias das carnes do gado de pasto e trabalho.

Restaurante Panorâmico. Lugar de Porto de Bois – Oliveira. 4830-602 Póvoa de Lanhoso
www.diver.com.pt | Tel.: 253 635 703

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