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O “sal viking” que é fumado por um alemão em Sintra

Por Alexandra Prado Coelho

É um produto “100% português”, desde a flor de sal às madeiras usadas para o fumo, passando pela malagueta. A Gourmet Aqui apresenta uma flor de sal fumada artesanalmente, graças a um saber longamente desenvolvido por um alemão que quando chegou a Portugal, na década de 1950, já trazia a paixão pela fumagem.

Foi há muito tempo que Gerd Schmidt-Stosberg, hoje com 86 anos, se apaixonou pelo sal fumado. Mas no início era apenas um divertimento para este alemão chegado a Portugal na década de 1950. “Era um hobby a que me dedicava aos fins-de-semana”, conta à Fugas, no meio de um animado jantar organizado em casa do cozinheiro Joe Best para apresentar as diferentes variedades de sal que empresa que acaba de criar com os filhos Ralf e Sílvia, a Gourmet Aqui, vai colocar no mercado este mês. 

A ligação da família com Portugal vem de longe, talvez mesmo de meados do século XIX, quando um antepassado de Schmidt-Stosberg andou por cá. Mas só conseguimos reconstituir a história com detalhe a partir desse ano de 1954, quando lhe pediram para vir fazer uma análise de mercado para uma grande empresa alemã de máquinas e ferramentas. “Havia boas perspectivas de mercado”, recorda. E assim, no ano seguinte, instalou-se em Portugal, trazendo consigo “a paixão pela fumagem”, que na época era sobretudo de enguias. 

Nos anos seguintes, começou a instalar máquinas e equipamentos, incluindo câmaras e torres de fumagem, nas grandes fábricas portuguesas de salsicharia. “Em três dessas fábricas, os salsicheiros eram alemães e as visitas acabavam sempre com uma oferta de fumado.” Ao longo do tempo foi investigando cada vez mais a fundo as técnicas de fumagem. Ralf e Silvia Schmidt-Stosberg, os filhos, falam com entusiasmo da tradição familiar de comer os produtos fumados pelo pai, sobretudo o salmão. 

Mas Gerd Schmidt-Stosberg é cauteloso, e por enquanto só permite que se coloque à venda a flor de sal, em três variedades: natura, fumada e com pimentão picante (está em testes a flor de sal com baunilha). São elas que experimentamos nos pratos cozinhados por Joe Best, para percebermos as especificidades de cada uma e a melhor forma de as utilizar, sejam os alevinos de peixe agulha com leite de tigre e flor de sal fumada ou uma picanha com puré de chícharo e flor de sal com pimentão picante. 

A flor de sal com pimentão picante é particularmente indicada para carnes, mas quer esta quer a simplesmente fumada resultam bem com ovos, massas, purés, peixe, e até com doces, sobretudo com chocolate. Outra das sugestões que é feita no site salviking, onde se encontra toda a informação sobre este projecto, é a de utilizar o sal fumado na borda de um copo de um cocktail Bloody Mary. 

Algumas semanas depois do jantar de apresentação, a Fugas foi convidada a visitar a casa, na zona de Sintra, onde Gerd Schmidt-Stosberg faz a fumagem, e a conhecer melhor o muito trabalho que está por detrás dela. Foram anos a aperfeiçoar as máquinas, conta o alemão, para conseguir o melhor efeito. O que o orgulha particularmente é que tem um produto totalmente português, da flor de sal às madeiras usadas na fumagem a frio, passando pela malagueta para o sal picante, que é comprada a um casal holandês que a produz em Portugal.

“O que é que precisamos para fazer o fumo?”, pergunta o produtor, convidando-nos a entrar primeiro num espaço pequeno onde estão guardados os diferentes tipos de madeira que utiliza (neste momento tem sobro e acácia) — e que, naturalmente, resultam em fumos diferentes e num sabor diferente na flor de sal. Uma das experiências mais interessantes em que Gerd Schmidt-Stosberg tem trabalhado é a fumagem com madeira de pipas antigas de vinho do Porto, que dão um gosto muito particular ao sal. 

A fase seguinte à da escolha da madeira é a transformação desta em serradura, o que é feito por uma máquina que Schmidt-Stosberg liga e que faz um barulho ensurdecedor, lançando no ar partículas finíssimas de madeira. Passamos depois para outro espaço no qual está a câmara frigorífica que guarda no interior vários filetes de salmão que estão a ser fumados. 

Todo o processo é muito trabalhoso, desde a compra do melhor salmão (“para a fumagem tem que ser o mais fresco possível, cada dia conta”, afirma), que depois é salgado em arcas frigoríficas com prateleiras inclinadas, para extrair a água, e por fim fumado. E essa é uma das razões pelas quais está convencido de que não é possível comercializar o salmão — sabe, por experiência própria o cuidado e atenção que é preciso dar a cada filete, verificando várias vezes ao dia como estão, e, por vezes, levantando-se mesmo durante a noite, para controlar. 

Inspirou-se muito nas técnicas utilizadas para fazer o célebre e muito conceituado salmão russo Balik, a partir de um método vindo da corte do último czar. A história envolve uma receita secreta inventada pelo último fornecedor da família imperial russa, e que foi guardada pelo neto deste, tendo sido passada no final da década de 70 a um artista de Zurique, que, por fim, a deu aos actuais produtores, a Caviar House & Prunier. 

Ficámos a saber tudo sobre o salmão. Quanto à flor de sal… Schmidt-Stosberg prefere manter o segredo. Mas quando visitamos um último espaço, onde tem em exposição em vários frascos, os resultados das muitas experiências que tem feito ao longo dos anos misturando sal com vários outros produtos, percebemos bem a profundidade desta paixão. Nada sairá para o mercado enquanto não estiver perfeito.

Schmidt-Stosberg vai aperfeiçoando cada produto, experimentando com mais ou menos fumo e tempo de fumagem, com muitos tipos de malaguetas de diferentes escalas de intensidade, fumando pimenta ou sementes de coentros, ensaiando com caroços de azeitona ou com madeira de pipas de bagaço.

É possível que, quando entender que encontrou a fórmula perfeita para a flor de sal com baunilha, esta chegue ao mercado. Para já, aguarda para ver como é que os consumidores portugueses reagem àquele que chama o “sal viking” — porque, recorda, afinal foi por causa dos vikings, que sempre fizeram fumagem dos seus peixes e que vieram até Portugal à procura do melhor sal, que os portugueses se apaixonaram pelo bacalhau. Esta é, portanto, uma história portuguesa, pelas mãos de um alemão que é, também, já um português.

Para já, o sal fumado pode ser comprado na Schmidt-Stosberg Lda (tel: 219614420) ou através da loja online em www.salviking.com. Em breve estará à venda em lojas gourmet. 

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