Fugas - restaurantes e bares

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O pão global de Eric Kayser

Por Alexandra Prado Coelho

O mestre pasteleiro francês criou um império de “padarias artesanais” que não pára de crescer em todo o mundo. Em Portugal, instala-se agora nas lojas Fnac e em 2016 chega ao Porto.

Eric Kayser diz que sempre teve visões. E que quando tinha três ou quatro anos teve “esta visão de levar o pão a todo o mundo”. Hoje a sua Maison Kayser está em trinta países, e durante 2015 deverá abrir noutros cinco. Em Portugal — onde o mestre pasteleiro esteve recentemente para uma visita-relâmpago durante a qual conversou com a Fugas — o império Kayser continua também a crescer.

A mais recente novidade é que a Eric Kayser acaba de estabelecer uma parceria com as lojas Fnac, tendo já aberto na primeira, no Fórum Almada. E que já está a ser preparada a equipa que em 2016 abrirá a primeira loja no Porto.

Encontramo-lo domingo de manhã na loja das Amoreiras, a primeira que abriu em Lisboa, na companhia de Julien Letartre, o seu sócio em Portugal. Sempre sorridente, o ruivo Kayser (é natural da região francesa da Lorena, que foi disputada entre a França e a Alemanha, daí o apelido germânico) fala muito depressa, mas ficamos com a sensação que, mesmo assim, a velocidade a que lhe saem as palavras não é suficiente para acompanhar a quantidade de ideias, planos e projectos que correm dentro da sua cabeça.

Fala dessa visão de pequeno, e garante que hoje, adulto, continua a ter “flashes” sobre o futuro. “A partir do momento em que saio do avião e ponho os pés num país sei se vou abrir uma padaria ou não. É incrível. Não consigo explicar, mas é assim.”

Mas, perguntamos-lhe, como é que um império que cresce desta maneira se concilia com a ideia da pequena padaria artesanal que, afinal, é a imagem de marca da Eric Kayser. “A complexidade do que fazemos tem a ver precisamente com isso. Chamamos às nossas lojas padarias artesanais, e isso quer dizer que o pão é feito e cozido no local, por isso, de Tóquio a Lisboa, formamos as pessoas para o fazer. Para nós é muito importante formar pessoas em cada local.”

Não se trata, contudo, de espalhar o pão e a pastelaria francesa pelo mundo. O objectivo é mais ambicioso. O que Eric Kayser quer fazer é levar ao mundo uma cultura que coloque o pão no centro, valorizando-o, mas que em cada país integre aspectos da cultura local. E assim um pão ou um bolo feitos em Portugal podem viajar até ao Japão, África ou o Médio Oriente, levados por um pasteleiro português.

Quando decidiu espalhar as suas padarias pelo mundo, começou pelo Japão, um país que o fascina, mas que não tem a cultura do pão que há na Europa. “No início as pessoas compravam os croissants e os bolos mas não o pão”, conta. “Tive que ir à televisão mostrar como se come o pão, como se corta, se põe a manteiga, se molha no café.” Agora descobriu que os japoneses acompanham os croissants com amêndoas com chá verde matcha. “O que eu quero agora é que isso se faça também em Portugal, e em Paris”, diz, entusiasmado.

“O charme da nossa profissão é permitir que as pessoas viajem e que possam transmitir o que sabem”, afirma. “Podemos trazer um japonês para Portugal e levar alguém de Portugal para Nova Iorque para fabricar pão. Acho isto uma aventura humana extraordinária.”

Claro que numa loja Eric Kayser vai sempre haver baguetes, croissants e outras especialidades francesas, mas há também pães e bolos adaptados, neste caso ao gosto português. “Em Portugal vendemos menos baguetes e mais o pão tradicional, maior, por exemplo”, explica Kayser. “Adaptamo-nos aos hábitos dos países, claro, acrescentamos mais açúcar ou mais manteiga, no Japão fazemos produtos mais pequenos porque as pessoas comem mais pequeno mas mais vezes. Mas no essencial é a mesma gama, as mesmas receitas, a mesma fermentação, os mesmos gestos. Adaptamo-nos às matérias-primas — em Portugal podemos por exemplo usar mais farinha de milho — e aos hábitos alimentares, mas nunca mudamos o conceito.”

Um conceito que passa pela arte de fazer pão de forma artesanal e sobretudo por uma coisa que Eric Kayser refere constantemente: o fermento natural. “Um pão perfeito é aquele cuja fermentação é a mais natural possível. O ideal é não utilizar produtos químicos nenhuns e deixar o pão fermentar de uma forma completamente natural. Foi isso que tentei fazer renascer: o fermento natural. É uma cultura de levedura selvagem que encontramos no ar, nos frutos, nas árvores, e que vamos trabalhar para que se multiplique.” Tudo se resume a um princípio simples: “Com uma fermentação longa o pão tem muito gosto, com uma fermentação curta tem pouco gosto.”

Eric Kayser já nasceu neste mundo de farinhas e fermentos. Representa a quarta geração de uma família de padeiros, começou a sua formação profissional aos 16 anos, e depois, durante cinco anos, juntou-se à associação Compagnons du Tour de France, aprendendo sempre mais, com diferentes mestres e em diferentes regiões de França, sobre a arte de fazer pão. A 13 de Setembro de 1996 abriu a primeira loja com o seu nome em Paris.

 

Como nos perfumes

No site da Maison Kayser, um dos textos explica que “desde a Idade Média o pão é a base da alimentação em França”, e que inicialmente era “denso e duro” e as pessoas “mergulhavam-no na sopa”. A história passa depois por Antoine-Augustin Parmentier, que no século XVIII cria em Paris a primeira escola gratuita para padeiros, pela influência que a falta de pão teve na Revolução Francesa, pela chegada a França dos pães de outros países (entre os quais o pão de cerveja, vindo da Inglaterra, e que era o pão do mês quando visitámos a Eric Kayser de Lisboa), pela substituição do pão integral pelo branco, pela industrialização e por fim pela redescoberta do pão artesanal.

Mas Eric Kayser — que desenvolveu a sua própria receita de fermento natural líquido, e que é autor de vários livros, entre os quais o Le Larousse do Pain, em breve com edição em português — não gosta de falar de um “pão francês”. “É mais complicado do que isso”, diz. “A história do pão divide o mundo ao meio, com uma metade a consumir arroz e a outra metade a consumir pão.” Contudo, seja onde for no mundo, um bom pão é sempre o resultado de uma longa fermentação, insiste. “No Líbano, por exemplo, o pão é à base de farinha de grão-de-bico, mas com longa fermentação. Em Portugal, com a farinha de milho, é a mesma coisa. Usam-se cereais diferentes, mas tem que haver sempre uma longa fermentação.”

A filosofia de Eric Kayser permite que as suas padarias tenham autonomia para criar produtos próprios. Em Portugal, Julien apostou, entre outras coisas, numa parceria com chefs de restaurantes de topo que fazem sandes de autor para a loja. A primeira, com a assinatura do chef Milton do restaurante Arola no Penha Longa Resort, tem uma carne cozinhada a baixa temperatura, anchovas e rúcula, e uma massa de pão com chalotas e bacon, e está disponível até final de Fevereiro.

“Fazemos regularmente homenagens aos produtos locais”, explica Julien. “Já fizemos o pão com chouriço, o pastel de nata com uma receita nossa, um pouco diferente, e no Verão fizemos um pão à Bulhão Pato, com alho e coentros, que foi um sucesso.”

No final da conversa visitamos a cozinha com Eric Kayser, que observa atentamente o trabalho dos padeiros e pasteleiros. Um deles está a fazer pães, noutra bancada estão a ser feitas galletes des rois, o bolo-rei francês, nas prateleiras há croissants prontos, e no forno crescem em pequenas formas os canelés, uma deliciosa especialidade de Bordéus, que, diz Julien, é um dos poucos doces conventuais franceses. Eric Kayser conta que visitou a fábrica dos Pastéis de Belém e fala da técnica de pôr a massa nas formas usada para os pastéis de nata. Percebe-se que tem sempre a cabeça a fervilhar de ideias e que está constantemente atento a tudo o que se passa à sua volta e que lhe possa dar novas pistas.

“Conseguimos levar novamente a cultura do pão para o centro da vida das pessoas”, diz. E, no meio de tantas viagens, ainda tem tempo para fazer pão, para criar novas receitas? “Sim, mantive essa parte. É o que mais me agrada, para além de viajar.” E há muito a fazer. “Recuperámos receitas do passado e adaptámo-las ao mundo moderno. Agora é preciso fazer viajar as receitas tradicionais dos vários países e retrabalhá-las. Hoje temos máquinas para ajudar a cortar a massa, e penso que amanhã trabalharemos sobre incubadoras de fermentação, máquinas que vão gerar leveduras diferentes que podemos combinar para criar novos aromas. Como nos perfumes, de uma forma totalmente natural, daremos novos aromas ao pão. Amanhã, ou daqui a dez anos, estaremos aí.” 

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