Fugas - restaurantes e bares

  • Miguel Manso
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Ela desenha o mundo que vai comendo

Por Alexandra Prado Coelho

Em Taiwan, onde nasceu, só conhecia os pastéis de nata portugueses. Quando chegou a Portugal, Leslie Wang comeu tudo o que viu e desenhou tudo o que comeu — primeiro num mapa, agora num pequeno livro.

No último dia do Peixe em Lisboa (que terminou a 19 de Abril), era impossível não reparar na rapariga de traços asiáticos que parecia mais ocupada que qualquer outra pessoa. Um caderno de desenho, lápis, em cima da mesa pratos dos vários restaurantes representados no festival, e ela, atarefada, a desenhá-los. Mariscos e peixes iam ganhando forma no papel como se o prato se fosse transferindo a pouco e pouco para a folha.

Leslie Wang sempre desenhou tudo o que comia. Era um hábito que tinha, para não se esquecer. “É o meu hobby, pequeno-almoço, almoço e jantar, todos os dias”, conta, dias depois, sentada no Largo de São Carlos, em Lisboa, numa pausa do trabalho que esteve a fazer no Belcanto, o restaurante de José Avillez. Dentro do restaurante há filmagens, por isso conversamos cá fora, mas num intervalo entramos por breves instantes para ver os desenhos dos pratos do Belcanto que Leslie tem estado a fazer.

A história desta ilustradora vinda de Taiwan é cheia de acasos e encontros. Chegou a Portugal no final de Fevereiro para ajudar na curadoria da exposição Bife Stew no Studio Teambox, na Lx Factory, um projecto ligado ao mestrado em Design que tem estado a fazer nos Estados Unidos (o professor responsável escolheu Lisboa por causa da street art, o tema que estavam a trabalhar). Aí foram expostos trabalhos dos estudantes, entre os quais o seu: um mapa de Portugal e outro de Taiwan cheios de comida.

“O meu objectivo é fazer um mapa mundial de comida”, diz. Para já vai fazendo um por cada país que visita. É uma forma de descoberta. E Portugal foi uma descoberta total. “Antes de vir sabia duas coisas sobre Portugal, uma era que existia o pastel de nata, que se vê muito em Taiwan, até no Kentucky Fried Chicken; a outra era que o meu país era chamado Ilha Formosa pelos portugueses. Mas ninguém em Taiwan sabe realmente como é Portugal.”

O seu método é simples (e pouco científico, admite): come tudo o que pode e vai perguntando se é comida portuguesa, como se chama, de que região vem, como é que se come? Foi assim de restaurante em café, de café em tasca, fazendo perguntas — e amigos. De repente, já todos os chefs que estavam no Peixe em Lisboa a conheciam. A exposição tinha terminado, os colegas de curso tinham regressado aos EUA, mas Leslie decidiu ficar mais algum tempo.

Abre o seu caderno e lá estão polvos e petiscos, garrafas de vinho e queijos, bolos e doces (muitos doces), hambúrgueres e elaborados pratos de autor. “Nunca vi um restaurante português em Taiwan, por isso quando cheguei aqui fiquei muito espantada. Há tanta comida fantástica, marisco, doces, tão ricos e tantos.” Descobriu, por exemplo, que em Portugal se usam muito os ovos para doces, algo que, diz, não acontece no seu país. “Nunca tinha provado ovos doces antes.”

Houve uma primeira versão do mapa, mas quanto mais falava e ouvia as pessoas mais se apercebia do que tinha que corrigir. Viajou para outras cidades (Porto, Aveiro) e percebeu que havia já comida a transbordar do mapa. Foi então que decidiu fazer um pequeno livro/guia de 16 páginas (edição limitada, à venda no Studio Teambox a partir de dia 11) que não pretende ser exaustivo mas apenas ajudar os turistas a orientarem-se no mundo da comida portuguesa (tem, por exemplo, uma página dedicada às muitas formas de se pedir café, da bica ao abatanado, passando pelo cheio e o pingado).

Vários restaurantes mostraram-se interessados em aparecer no livro, e outros convidaram Leslie a desenhar os pratos deles. Andou pela Queijaria a desenhar queijos na parede, pela loja de chocolates Bettina e Niccòlo Corallo e por outros sítios. De repente, a rapariga que há uns anos, por timidez, não mostrava os desenhos a ninguém, passou a receber convites de todo o lado. Lisboa tinha-se encantado com Leslie e ela retribuía, comendo e desenhando, desenhando e comendo.

Daqui planeia seguir viagem para Espanha, onde vai também desenhar comida, e depois Copenhaga, onde espera ir ao Noma (considerado o melhor restaurante do mundo). Quem lhe quiser seguir o rasto pode fazê-lo pelo Facebook e o Instagram (Oncestudio), onde vai mostrando o que come e o que desenha.

E o seu mapa da comida portuguesa? “O chef José [Avillez] quis comprá-lo. De início eu não queria vendê-lo porque era uma maneira de recordar os amigos que fiz nos restaurantes aqui. Mas ele gostou muito e é um prazer para mim.” Por isso, Leslie segue viagem, mas “o mapa fica em Portugal.”

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