Fugas - restaurantes e bares

LEON NEAL/AFP

Roca n’roll número 1

Por Miguel Pires

Estivemos nos bastidores da cerimónia dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo, o evento que trouxe de novo o Celler de Can Roca ao topo do prémio mais importante do universo da restauração. Como sempre, houve surpresas, vencedores, derrotados, aplausos e sorrisos (e alguns bem amarelos).

Passavam poucos minutos das 9h de segunda-feira quando os irmãos Roca começaram a sua apresentação, no habitual pequeno-almoço anual que o turismo da Costa Brava oferece à comunidade gastronómica presente em Londres para a cerimónia dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo. Josep, Joan e Jordi estavam ali para revelar o seu mais recente projecto, La Masia, o espaço multidisciplinar que abriram este ano junto ao El Celler de Can Roca e onde desenvolvem uma série de actividades com especialistas de várias áreas — do design industrial à criatividade audiovisual, da botânica às ciências sensoriais.

Foi Joan, o chef, a dar o pontapé de saída na conversa. Porém, coube a Josep, o escanção e responsável pelo restaurante, marcar, logo de início, uma posição: “Quando se começou a falar de tecnologia ligada à alta cozinha, nós estávamos lá e não mais parámos. Desde sempre que temos abraçado a inovação tecnológica e a investigação.” E cita, a título de exemplo: “Nos últimos tempos apostámos em redescobrir o território à nossa volta, numa investigação que deu origem a um cadastro com cerca 2200 entradas sobre plantas, das quais, ao longo do ano, utilizamos 400 no restaurante. Trata-se de um trabalho de rigor.” O alvo, ainda que muito subtil e projectado no habitual registo de voz pausado que o caracteriza (aliás, que caracteriza os três), tinha um nome: Noma, o ainda (à altura) número 1 da lista e a sua imagem enquanto restaurante inovador na investigação e utilização de plantas silvestres.

Mais à noite, o posto número um da lista dos melhores restaurantes do mundo teria como inquilinos os três irmãos Roca. Mas lá chegaremos.

O bluff

Nestes dias (ou momentos) que antecederam a cerimónia dos World’s 50 Best, ninguém apostava às claras que o El Celler de Can Roca voltaria ao topo da lista — nem mesmo a imprensa espanhola ou a equipa do restaurante. Como em anos anteriores, os rumores circulavam. Se em 2013 se falou do DOM de Alex Atala (São Paulo, Brasil) e, no ano seguinte, na Osteria Francescana de Massimo Bottura (Modena, Itália), agora todas as previsões apontavam em direcção a Nova Iorque e ao Eleven Madison Park, de Daniel Humm. Havia mesmo quem referisse a origem do boato numa fuga de informação. Fazia sentido como parte de uma estratégia de negócio, apontavam alguns, lembrando a notícia recente de que, no próximo ano, a cerimónia se iria mudar de Londres, precisamente para Nova Iorque. Contudo, havia também quem apostasse que o vencedor sairia dos três primeiros do ano passado e que seria a descredibilização da lista, que já por si costuma ser polémica, se prevalecesse a lógica da hipótese nova-iorquina. O clima adensava-se, até porque uma semana antes saíra a segunda parte da lista, do 51.º ao 100.º, e tinham-se verificado grandes alterações.

Foi na divulgação dessa parte da lista que ficámos a saber que o Belcanto de José Avillez era o primeiro restaurante português, de um chef nacional, a entrar nos melhores 100, na 91.ª posição. Contudo, o reverso da medalha vinha logo abaixo. com a queda abrupta do Vila Joya, do 22.º  para o 98.º lugar.

José Avillez, que não era para estar em Londres, acabou por se deslocar à capital britânica e mostrava-se visivelmente satisfeito: “Não esperava, mas é muito bom, claro. É mais uma vez o reconhecimento do trabalho que temos vindo a desenvolver”, disse à Fugas. O chef português referiu ainda, em relação ao Vila Joya, que a queda nada tinha a ver com a qualidade do restaurante que, na sua opinião, “até está muito melhor”.

Também Dieter Koschina, chef do restaurante algarvio, e uma presença habitual na cerimónia, não parecia muito afectado: “Olha, estamos a trabalhar bem e temos o restaurante cheio. Isso é que é importante”, referiu-nos com o mesmo sorriso de sempre .

As declarações de Koschina e Avillez foram feitas no pátio do Guildhall, a histórica sala de cerimónias do município londrino, onde se realiza o evento. É aqui que se concentram imprensa, chefs e outras pessoas do meio gastronómico, que aproveitam o momento para conviver e fazer (ou recolher) declarações. Uma das personalidades mais procuradas era obviamente René Redzepi, do Noma, que, ao perguntarem-lhe como seria se não repetisse o primeiro lugar da edição anterior, respondeu, de uma forma muito própria: “Isto é tudo uma questão de ganhar ou perder. E se perdes, tens de ganhar novamente.”

Contagem decrescente

Depois do período de convívio no exterior e do cocktail de recepção, os presentes foram convidados a ocupar os seus lugares na sala principal, onde, por volta das 20h, se daria inicio à cerimónia.

Aparentemente, o rejuvenescimento da lista de jurados fez cair alguns históricos, um movimento que nem a reentrada de Alain Ducasse au Plaza Athénée (n.º 47) atenuou. Por exemplo, Thomas Kelly viu os seus restaurantes French Laundry (50.º) e Per Se (40.º) ficarem muito abaixo do que provavelmente esperava e Martin Berasategui ou Daniel Bolud nem sequer já fazem parte do top 50. O chef francês radicado há muitos anos em Nova Iorque teve mesmo dificuldade em esconder a azia. “Há 45 anos, quando muitos de vocês aqui presentes nem eram nascidos, estava eu a começar a minha carreira em Lyon”, referiu ao subir ao palco para receber o prémio de consagração de carreira.

Quem subiu igualmente para receber o troféu de melhor chef feminina do ano foi Hélène Darroze. Muito aplaudida, a chef francesa comunicou que em breve o seu restaurante de Paris teria mais mulheres a trabalhar na cozinha do que homens.

Por esta altura já tinha sido anunciada a subida do Tickets ao 42.º lugar (Albert Adrià ganharia ainda o prémio de melhor chef de pastelaria), a agradável surpresa da entrada do Boragó, (Santigo do Chile), para 42.º e a ligeira queda do Maní, de São Paulo, de 36.º para 41º.

O White Rabbit em Moscovo protagonizou a maior entrada nos 50, ao ficar na 23.ª posição e o México — país que está a investir em força na promoção da sua alta gastronomia — entrou com dois novos restaurantes na lista, o Biko (37.º) e Quintonil (35.º), que se juntaram ao Pujol de Enrique Olvera, que subiu para a 16.ª posição.

Grande destaque, igualmente, para o Asador Etxebarri, do chef Victor Arguinzoniz, no País Basco espanhol, com um brilhante 13.º lugar, e para o seu vizinho Azurmendi, de Eneko Atxa, que subiu de 26.º para 19.º.  O Mirazur, do argentino Mauro Colagreco, em Menton, no Sul de França, continua a ser o restaurante francês mais bem classificado na lista, em 11.º, e o austríaco Steirereck (Viena) foi uma das raras excepções da Europa Central a escapar ao desastre, ao subir uma posição, para o 15.º lugar.

Quando foi anunciado que Daniel Humm tinha ganho o prémio Escolha dos Chefs, houve um burburinho na sala. Talvez, desta vez, o rumor de que o Eleven Madison Park iria mesmo ganhar a competição se confirmasse . Contudo, já depois de ficarmos a saber que há pela primeira vez um restaurante de Banguecoque no top 10 (o Gaggan) e que o DOM de Atala caíra para o 9.º posto, surgia na tela o restaurante de Nova Iorque. No 5º lugar.

Porém, a comunidade espanhola presente na sala ainda não dava a vitória por adquirida. Anuncia-se o 4.º lugar... Central, Lima, Peru. Forte aplauso (entende-se: muitos falam que o restaurante de Virgílio Martinez será, num futuro próximo, o primeiro de fora da Europa a chegar ao topo da lista).

A contagem continua para bingo. Com o 3.º lugar vem um aplauso frio: o Noma cai de primeiro para terceiro lugar. Seria desta que a Osteria Francescana levava o título? Não, “apenas” o segundo posto.  O primeiro lugar regressava a Girona, para histeria dos nossos vizinhos, que tinham mais do que razões para estarem contentes. É que, além do posto cimeiro, Espanha voltou de novo a ser o país vencedor. Numa lista que conta cada vez mais com representantes de todo o mundo, são sete os restaurantes espanhóis presentes no top 50, entre eles dois nos dez primeiros (o Mugaritz ficou em 6.º lugar).

Na apresentação do Turismo da Costa Brava os Roca mostraram um pequeno vídeo gravado num telemóvel. Nele, Patti Smith cantava na cozinha do restaurante, como forma de agradecimento pelo jantar inesquecível que acabara de ter. Agora, em Londres, era a vez dos irmãos entoarem o refrão dessa canção: “Because the night belongs to lovers, because the night belongs to us”. E a noite era deles, de facto. De Roca’n roll.

Como funciona a votação

O número de jurados da lista deste ano do The World 50 Best Restaurants aumentou de 936 para 972 membros, organizados por 27 regiões do mundo (mais uma que em 2014). Cada uma destas regiões (Portugal está agregado a Espanha) tem 36 votantes que, segundo a organização, estão divididos de forma semelhante: 34% serão chefs e restaurateurs; 33% food writers (jornalistas, bloggers, etc.) e 33% gastrónomos viajados. Cada um dos jurados tem de votar em sete restaurantes em que estiveram nos últimos 18 meses, sendo que só poderão escolher quatro da sua região, ou seja, pelo menos três têm de ser de outras regiões. Os resultados são submetidos, individualmente, online e auditados por uma conhecida consultora. 

O top 10

1. El Celler d eCan Roca, Girona, Espanha

2. Osteria Francescana, Modena, Itália

3. Noma, Copenhaga, Dinamarca

4. Central, Lima, Peru

5. Eleven Madison Park, Nova Iorque, EUA

6. Mugaritz, San Sebastian, Espanha

7. Dinner by Heston Blumenthal, Londres, Inglaterra

8. Narizawa, Tóquio, Japão

9. D.O.M., São Paulo, Brasil

10. Gaggan, Banguecoque, Tailândia

Prémios Especiais atribuídos pela organização

(não decorrem da votação)

Melhor chef mulher do mundo”: Hélène Darroze, Hélène Darroze (França) e Hélène Darroze at Connaught (Inglaterra)

Escolha dos Chefs: Daniel Humm, Eleven Madison Park, EUA

Especial carreira: Daniel Boulud, Daniel, EUA

Melhor chef de pastelaria: Albert Adrià, Tickets, Espanha

One to watch: Restaurante Sepia, Austrália

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