Fugas - restaurantes e bares

  • Os chefs Ricardo Costa, Dieter Koschina, Fernando Agrasar e Vítor Matos
    Os chefs Ricardo Costa, Dieter Koschina, Fernando Agrasar e Vítor Matos Sérgio Azenha
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A Costa da Morte transformou-se na Costa das Estrelas

Por Luísa Pinto

Na sua sexta edição, o festival gastronómico Rota da Estrelas internacionalizou-se pela primeira vez, e levou uma verdadeira constelação portuguesa até às terras de Espanha. Os críticos renderam-se.

Foi uma noite de estrelas. Cinco estrelas, para ser mais preciso. E se é fácil chegar ao número que compõe a constelação, é porque o céu de Barizo, o pequeno lugar sobranceiro ao mar, em plena Costa da Morte galega onde fica perdido o refúgio Las Garzas, era finito, como não podia deixar de ser, em mais uma noite de Rota da Estrelas.

Chegamos ao número cinco juntando as distinções que somam os quatro chefes a quem o reputado guia Michelin reconhece engenho e talento. Desta vez, a primeira em que a iniciativa saiu das fronteiras portuguesas, era o galego Fernando Agrasar o anfitrião, e merecedor de uma estrela Michelin pelo trabalho que tem desenvolvido na Las Garzas.
Os convidados — e amigos como, todos eles, nunca se cansam de sublinhar — foram Ricardo Costa (uma estrela Michelin, no restaurante The Yeatman, em Gaia), Vítor Matos (uma estrela Michelin, no restaurante Largo do Paço, em Amarante) e Dieter Koschina (duas estrelas Michelin, no restaurante Vila Joya, no Algarve). Todos juntos ofereceram duas noites “inesquecíveis” a cerca de meia centena de comensais que, por noite, celebraram a alta gastronomia, num menu pensado a quatro cabeças e confeccionado a oito mãos.

Agrasar acusava alguma ansiedade por ser o anfitrião. Na Corunha, como em toda a Espanha, os festivais gastronómicos organizam-se de outra maneira — chamam-lhes Congressos e por vezes são feitos mais de palestras e menos de provas — e não é tão comum levar à mesa um menu com tantos autores. Em Portugal o modelo está mais consolidado: já há cinco anos consecutivos de Rota da Estrelas, foram cinco festivais que deram lugar a 28 eventos e envolveram 80 chefs, metade deles oriundos do estrangeiro (foram mais de 14 países envolvidos).

Agrasar, por exemplo, esteve duas vezes no Porto Bay, uma vez no The Yeatman, uma outra na Casa da Calçada. Mas era a primeira vez que servia de anfitrião, e o desafio, dizia à Fugas no final da primeira noite, “era imenso”. “Nós somos pequenos, a cozinha é pequena, para nós foi complicado”, dizia, para concluir que, afinal, tinha corrido tudo bem. Até porque, afirmava, o mais importante de tudo são os ingredientes, e esses, garante Agrasar, os provenientes daquele mar imenso cujo som nos entrava pelos ouvidos dentro, eram de primeiríssima qualidade. “Raramente entra carne no meu restaurante. Não fazia sentido”, disse o chef.

Na Noite da Rota das Estrelas não foi diferente. O menu de nove pratos, que garantiu mais de quatro horas à volta da mesa, e para alguns dos espanhóis presentes algumas descobertas dos segredos e das tradições portuguesas (sim, havia quem não soubesse o que era uma cataplana; e também quem se espantasse com a quantidade de coentros que pode condimentar um prato de peixe) foi feito essencialmente de peixe. E de vinhos do Jerez. Pepe Ferrer, o embaixador da região demarcada do Jerez e Rias Baixas foi quem assumiu a apresentação dos pratos e casou cada um deles ora com finos e manzanillas, ora com olerosos e amontillados para que, no final, o resultado não pudesse ser nada menos do que um maridaje muito feliz.

O repasto começou com um ceviche de vieiras assinado pelo anfitrião, Fernando Agrasar, e que foi acompanhado com um  vinho fino, “para ajudar a sublinhar o aroma salino do prato”. Seguiu-se um outro ceviche, agora inserido numa triologia assinada por Ricardo Costa: “milho doce, espuma de caril, mexilhão e ceviche de luvina”. Neste prato foi preciso manual de instruções, e elas também chegaram aos comensais pelas palavras de Pepe Ferrer: primeiro o ceviche, depois toma-se o caldo, servido numa pequena garrafa com palhinha, e depois, então, avança-se para o prato. Continuávamos num vinho fino a acompanhar, que ajudava a sobressair mais o caldo com tomate do que o caril da espuma.

Estávamos, então, às portas de terceiro prato, e Pepe Ferrer pedia aos comensais para “guardar o sabor dos dois vinhos anteriores”, porque o que nos esperava agora era toda a complexidade do Porto e da Galiza num prato só. Os especialistas sentados à mesa liam o que se seguia – “salmão, cabeça de porco, enguia fumada com molho de Alvarinho e açafrão” – e um deles confessava: “Como se resolve isto: é um alimento gordo, por cima de um alimento gordo e ainda mais uma gordura”. Os receios de Jorge Guitián, galego, rapidamente se esfumaram. O prato assinado por Vítor Matos teve receptividade universal, pelo menos entre os profissionais da crítica gastronómica que se sentaram todos à mesma mesa: o salmão, tenro que se desfazia, ora foi “estupendo”, ora delicioso, ora “o melhor da noite”.

Mas era cedo para vaticínios, que ainda se ia entrar no prato número quatro. E voltava a ser o anfitrião quem oferecia aos comensais uma deliciosa “Sardinha de São João”, num caldo confeccionado com as suas espinhas, plâncton e abacate.  Fernando Agrasar mostrava, com aquele prato, a qualidade do peixe que encontrava no mercado local: “Eu vi-as na lota e pensei ‘estas sardinhas parecem cavalas’”, comentou Pepe Ferrer, mais habituado às iguarias mediterrânicas da costa andaluza que à abundância atlântica.
Era chegada a hora do quinto prato, o primeiro assinado pelo único chef que tem direito às duas estrelas Michelin. Dieter Koschina trouxe um “Caldo de cataplana com perceves, amêijoas, camarão, pão de morcela e creme de jalapeños [pimentos]”. Foi aqui que Pepe Ferrer teve de explicar que é o recipiente em que se cozinha que dá o nome ao prato, que em Espanha há a paella, e que em Portugal há a cataplana, onde se mistura o mar e a montanha. “E se usam muitos coentros”, admitiu Ferrer. E ainda bem, disseram os comensais numa unanimidade que foi por todos assinalada.

Carlos Maribona, jornalista do ABC, não teve qualquer dúvida em dar desde logo o veredicto final: o melhor prato de todo o menu e tão português como o prato seguinte (já entrava o sexto), o “Bochechas de bacalhau com o sumo das suas espinhas”, de Ricardo Costa. Carlos Maribona, que não tinha apreciado a triologia que tinha apresentado como entrada, rendeu-se ao prato elaborado pelo responsável do The Yeatman. “Confirma que é um dos melhores cozinheiros lusos do momento”, escreveu na sua crítica.

Já levantavam os copos e os pratos pela sexta vez, e os comensais preparavam-se para dizer adeus aos pratos salgados e dar as boas vindas aos doces, com um prato de transição assinado por Vítor Matos: “foie gras, espuma de beterraba, e sorvete de ruibarbo confitado”. Os críticos voltaram a sublinhar a ousadia dos ingredientes ali misturados, e a sublinhar o sucesso do resultado final. Por esta altura brilhava, também, Pepe Ferrer, que levou a cada copo um vinho centenário, um Dos Cortados, da Williams Humbert. Os comensais tiveram a sensação de estar a saborear a memória “de cada uma das vindimas “e o royal de foie gras de Vítor Matos ajudava a sublinhar a majestosidade do momento. Os que acharam que, lido o menu, era o mais arriscado de todos os pratos, convieram, após a degustação, que era um prato que funcionava “lindamente”.

Faltavam os doces para a noite terminar em grande. Agrasar assinava a “maçã, pepino doce, mascavado, gelado de requeijão ‘A Capela’ e apontamentos ácidos”, mas a consagração foi para Dieter Koschina, que elaborou o último prato da noite:  “Chocolate, café, pêra e champanhe”. Um prato de alta cozinha, técnico quanto baste, elegante na sua apresentação e, mais importante de tudo, saborosíssimo.

Philipe Regol, um reputado crítico gastronómico, proveniente de Barcelona, resumiu bem a noite. “Não sou partidário dos jantares a quatro, seis ou oito mãos. Mas quando as coisas saem bem há que aplaudi-lo”, tweetou, em jeito de conclusão, o crítico catalão, depois de ter usado outros adjectivos, que variavam entre o “guloso”, o “estupendo” ou o “excelente”, para caracterizar cada um dos pratos que lhe chegavam à mesa, em bonitas baixelas da Vista Alegre. Sim, a marca patrocina o evento, e até a louça era portuguesa. Bernardo Trindade, ex-secretário de estado do Turismo, e um dos rostos deste Rota das Estrelas, sublinhava a satisfação de se estar a assistir a um movimento que teve origem em Portugal e depois segue para Espanha, e não o contrário, como é costume. O balanço não podia ser outro: “Um sucesso”.

Será difícil continuar a dizer, como dissemos uns parágrafos acima, que o refúgio As Garzas, que se anuncia ao mundo como uma Pensão Rústica, fica perdido na Costa da Morte. E não falamos só dos GPS e dos mapas nos smartphones que nos indicam todos os caminhos: o pequeno lugar de Barizo, no concelho de Malpica, a umas dezenas de quilómetros da cidade da Corunha, um ponto no mapa, e na costa, que nos coloca mais perto de Londres do que de Sevilha (não é só o mapa que o diz, as temperaturas que se sentem também), ficou definitivamente no mapa das estrelas. E as estrelas não deixam que ninguém se perca. Se para a Michelin, Portugal não tem sequer um guia autónomo, e ainda há uma grande diferença numérica entre as estrelas atribuídas a Espanha (183) e a Portugal (16), na Costa da Morte a constelação de estrelas foi, sobretudo, portuguesa.

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