Fugas - restaurantes e bares

  • Anabela Rosas Trindade
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Peixes e vinhos que brilham com estrelas da cozinha

Por José Augusto Moreira

Jantar de encerramento da Rota das Estrelas no restaurante do hotel The Yeatman destaca singularidade dos produtos nacionais. Chef holandês com três estrelas Michelin rendido à frescura e sabor dos peixes e qualidade dos vinhos.

Jacob Jan Boerma é um tipo comum. Divertido e sorridente, mas também atento e curioso a tudo o que se passa à sua volta enquanto circula pela cozinha com aquele ar seguro de quem sente que está tudo sob controlo. Não há agitação ou ponta de stress. Observa e confirma, sublinhando aqui e ali com monossílabos os gestos de aprovação que intercala com brindes de boas-vindas levantando a flûte de champanhe.

Não fosse o olhar mais grave e felino de Ricardo Costa e dificilmente se perceberia estarmos no centro operacional de um dos eventos mais importantes e de maior responsabilidade no calendário gastronómico nacional. A etapa da Rota das Estrelas do The Yeatman, em Gaia, desperta a atenção dos especialistas e junta sempre nomes maiores da cozinha internacional às estrelas que por cá oficiam.

E este ano não foi excepção. Com três estrelas Michelin no seu restaurante De Leest, no centro da Holanda, Boerma era uma espécie de cabeça de cartaz num desfile de técnica e sabores que contou também com os duas estrelas algarvios, Dieter Koschina (Vila Joya) e Hans Neuner (Ocean), os estrelados Pedro Lemos (Porto), João Rodrigues (Feitoria, Lisboa), Joachim Koerper (Eleven, Lisboa) e o anfitrião Ricardo Costa, e ainda Ljubomir Snatisic, do lisboeta 100 Maneiras.

Era, portanto, de calma e silêncio o ambiente que dominava a cozinha no jantar de encerramento do evento. Que se destacava ainda mais por corresponder a uma dinâmica e azáfama permanentes, com taças e tabuleiros a circular de mão em mão, ingredientes que se adicionavam em pratos que se iam compondo até chegarem às mãos do chef para o retoque e aprovação final. Go, go!

Uma harmonia ainda mais perfeita quando notamos que envolve cozinhados e texturas diversas, diferentes funções, uma multiplicidade de mãos e até a comunicação multilingue, já que ao português e flamengo originais das duas equipas se juntava o inglês em que comunicavam entre si.

E foi na língua de Sua Majestade que o chef holandês mostrou a sua aprovação e admiração pelos peixes e mariscos do mar português, como os lagostins e carabineiros que usou. “De uma frescura e sabor incríveis. Fantásticos!”, sentenciou. A par dos peixes, que não terão constituído propriamente novidade, Jacob Boerma fazia questão de mostrar a agradável surpresa que encontrou nos vinhos portugueses que teve oportunidade de provar.

Chamou mesmo a atenção de jornalistas e alguns compatriotas para a forma excitante como casavam com os seus pratos. Mérito, mais uma vez, para a competência da directora de vinhos do Yeatman, Beatriz Machado, que assim se confirma como grande embaixadora da produção nacional.

A par do Soalheiro Primeiras Vinhas 2014, ao qual o cozinheiro estava literalmente rendido, também outro branco, o Niepoort Coche 2013, cativou a sua atenção. Nos tintos, fabuloso o Duas Quintas Reserva Especial 1995, sendo que também o Herdade do Mouchão 2009 e o Porto Vintage 2001 da Quinta das Vargellas foram muito apreciados.

Momento alto foi o prato que Boerma concebeu para destacar a frescura e sabor dos “carabineiros portugueses”. Um tom kha kai à sua maneira, ou seja, uma versão fresca e aromática à base de vegetais da tradicional sopa de galinha e coco tailandesa. Foi com grande entusiasmo que falou deste cozinhado típico daquele país — “vai ser a próxima coqueluche da cozinha” — depois do festival de cozinha de rua de dez dias em que participou recentemente.

Na sua versão há um molho e espuma de aroma tão fresco que faz lembrar um spa marinho. De perfume fresco e onde se cruza doce e amargo, cítrico e salino que, precisamente, potenciam o sabor e frescura marinha do carabineiro. Notável o casamento com esta colheita do Alvarinho da casa Soalheiro, parecendo que há no vinho toda a envolvência e textura do prato. Sublime também o lagostim, assado com physalis, jus de cenoura, gengibre e pimenta malagueta que emparelhou com o mesmo vinho.

E se o holandês deliciou com o seu tom kha kai para o carabineiro, o anfitrião Ricardo Costa não lhe ficou nada atrás com uma caldeirada e a sua feijoada de bacalhau. Notável como recorre às suas raízes na ria de Aveiro para sublimar dois pratos da história da região. Com raia, crustáceos e bivalves, a caldeirada é um hino à cozinha de sabores marinhos, enquanto a feijoada evoca a mais pura tradição. Há bacalhau, feijão com sames e molho de chouriço, mas tudo em contexto tão elegante e sofisticado que a surpresa é total. Está lá o sabor, a textura e até toda a emoção de quem sente o cheiro do lombo de bacalhau corado em azeite.

Enorme também o duelo das sobremesas e a proporcionar outra singular experiência com o mesmo vinho — o Porto Vintage Vargellas 2001 — a casar de forma oposta com cada uma. Com “ovos-moles de Aveiro” (onde parece até não haver açúcar), gelado de natas do céu, avelãs e pão de canela”, o chef da casa recorre mais uma vez à melhor tradição da sua região, enquanto o holandês soltou o génio com a sua “bomba de mirtilos”. Diversas texturas de mirtilo e manjericão, gel de lima e sorvete de manjericão e lima. Fruta pura e fresca a mostrar o lado saboroso do tanino e frutos vermelhos do vinho, enquanto a faceta fresca, doce e texturada do vintage se mostra no confronto com os ovos-moles.

Assim se revela o potencial que há nos vinhos, a genialidade dos cozinheiros e valor dos produtos e da tradição culinário. Por mim, não me queixo. Mas bom mesmo era que estas experiências se multiplicassem e muitos mais a elas pudessem ter acesso.

David Muñoz, o chef do momento da cozinha espanhola, procura louças na Vista Alegre

De modo inesperado, o jantar de domingo no The Yeatman acabou por ter a participação de um outro chef com três estrelas Michelin, se bem que neste caso sem passagem pela cozinha e apenas para se sentar à mesa.

David Muñoz é a coqueluche do momento da cozinha espanhola e isso não se deve ao seu aspecto de estrela de rock ou corredor de motos, tributário dos piercings, tatuagens e penteado em crista que são a sua imagem de marca. Tão-pouco decorre do mediático casamento com uma conhecida apresentadora, que enche páginas de notícias mundanas e revistas cor-de-rosa.

Faz agora dois anos que Munõz conquistou para o seu restaurante DiverXO, em Madrid, o símbolo das três estrelas do famoso guia vermelho, coisa que há mais de duas décadas era exclusivo de bascos e catalães. E sabe-se como isso pesa no país vizinho! Um espanhol que pudesse estar à altura do brilho das estrelas do País Basco e da Catalunha era coisa há muito esperada por terras de Castela.

E David Muñoz não só conseguiu a terceira estrela no curto espaço de seis anos como o fez também com uma cozinha surpreendente e criativa, que foge a cânones ou tradições. Normalmente caracterizada pela força de sabores, intensidade e complexidade, a cozinha de Muñoz brilha hoje no mais alto do firmamento espanhol.

Um brilho que, pelos vistos, vai reflectir também trabalho e criatividade portugueses. A presença no Yeatman no domingo deveu-se apenas à coincidência de nesse dia o chef do DiverXO se ter deslocado ao nosso país para visitar a Vista Alegre com o objectivo, claro, de escolher louças para o seu restaurante.

“Estou à procura de louças bonitas para que possa fazer pratos ainda mais bonitos”, disse, de fugida, quando lhe perguntámos sobre os objectivos da sua passagem pela Vista Alegre. O cozinheiro despedia-se com a mesma pressa dos colegas, a um ritmo constantemente marcado pela equipa de assessores que o acompanha por todo o lado. Há muito que em Espanha a cozinha está para além dos tachos e fogões.

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